Somente no Brasil a F1 tem um operador logístico local, cuja missão está sob responsabilidade da Célere. No exterior, a DHL cuida das outras etapas
Mesmo antes de a luz verde acender no circuito de Interlagos, dando a largada para o início da etapa brasileira da Fórmula 1, toda uma movimentação acontece para viabilizar o espetáculo. Sem as empresas de logística, que traçam a estratégia e colocam suas equipes e infra-estrutura em campo para montar o cenário, a realização do evento seria inviável, dado o volume de cargas envolvidas.
As cargas começaram a desembarcar no dia 21 de outubro passado no Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas (SP); o primeiro vôo chegou com 103 toneladas de cargas e até o dia 25, mais seis vôos trouxeram o restante. Para cada avião são necessárias cerca de 15 carretas que se deslocam em comboio até São Paulo. Para liberar rapidamente os equipamentos, a Infraero e a Receita Federal montaram uma operação especial de desembaraço das mercadorias no próprio pátio das aeronaves. No ano passado 239 mil toneladas de mercadorias foram desembarcadas – os números deste ano ainda não foram consolidados.
No Brasil, a empresa contratada pela FOM (Formula One Management) – a organizadora do Grande Prêmio de F1 –, para operar a logística local, é a Célere Intralogística. A empresa coordena e executa toda a operação desde a chegada dos equipamentos das escuderias e da organização do evento no aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP), transportando-os
ao autódromo de Interlagos José Carlos Pace. Isso sem contar a movimentação interna durante todo o tempo de duração do evento, até a desmontagem e a viagem de retorno para o aeroporto, onde as cargas são acomodadas nos aviões para os locais de origem.
Segundo Regina Yazbek, presidente do Conselho de Administração do Grupo Pirangy, a Célere é a única empresa que trabalha nos bastidores do maior show anual das quatro rodas aqui no país. Ela herdou a operação da co-irmã Movicarga, que por 15 anos realizou a tarefa, até passar o bastão em 2006. Neste ano, a Célere recebeu as cargas vindas de Xangai, cidade chinesa que hospedou a penúltima etapa da F1, no aeroporto de Viracopos, e de lá já estava monitorando os embarques. “O Brasil é o único país do mundo em que um operador local é contratado para executar a operação, devido às peculiaridades logísticas de uma cidade com as dimensões de São Paulo e da nossa experiência de 17 anos atuando no evento”, comenta a executiva.
E o gargalo da edição da corrida deste ano foi justamente vencer os obstáculos entre Viracopos e o autódromo, atravessando a cidade de São Paulo. Desta vez, foi um desafio e tanto para adaptar a operação às novas regras de restrição de circulação na Capital, segundo Regina. “Pela primeira vez a Célere teve que trafegar à noite por São Paulo, o que reduziu o tempo de operação rodoviária – feita em parceria com a transportadora Lubiani há seis anos. Isso, sem contar os percalços do transporte aéreo, que nos obrigaram a enfrentar filas de espera, provocando atrasos no nosso planejamento, restringindo o tempo para pegar a estrada”, desabafa.
A modificação do horário de circulação na Capital também obrigou a empresa a aumentar de dois para quatro os turnos de trabalho, envolvendo 350 pessoas – 50 a mais que o ano passado. Para isso, a Célere contou com um grupo de estrategistas – operadores, engenheiros, coordenadores e técnicos – que, munidos de ferramentas tecnológicas que utilizam a metodologia de PMO (Project Management Office), puderam promover continuamente as mudanças no planejamento e na gestão do trabalho. Até porque a operação não se limita só em retirar e trasladar os equipamentos até Interlagos, mas envolve as atividades de movimentação nos bastidores do evento também. Por essa razão, a equipe teve que redesenhar a logística inúmeras vezes e redimensionar a quantidade de viagens no trajeto: cerca de 100 em cinco dias. Até a antevéspera do evento, o planejamento já estava na 12ª versão.
A operação
Se antes a operação se restringia à carga e descarga dos aviões, em 2002 passou a envolver todo o transporte de equipamentos, o trabalho logístico com otimização de fluxos e fretes e as demais operações com equipamentos próprios, que não fazem parte do comboio, mas atuam no suporte. Mais de mil toneladas de carros, motores, pneus e uma variedade enorme de equipamentos desembarcaram em Viracopos. Ao todo foram envolvidas 100 carretas, 50 empilhadeiras (40 máquinas de 2,5 a 10 toneladas e o restante de 10 toneladas), além de dois guindastes, paleteiras e baús para escritórios.
Na verdade, são três as operações: o deslocamento até o autódromo e o retorno ao aeroporto; a movimentação de materiais e caixas até a área de estocagem; e o suporte à movimentação dos equipamentos da FOM TV, que fica distante do setor dos boxes e faz a cobertura da corrida. O elenco da Célere atua simultaneamente no Aeroporto de Viracopos e em Interlagos – e também cuida da distribuição das cargas das escuderias nos boxes, conforme as orientações de cada equipe. Os operadores de empilhadeiras retiram os carros de corrida dos contêineres e ajudam na organização das caixas até chegar o dia do treino, quando tudo deve estar pronto.
Depois da corrida, a operação é retomada e a carga faz seu caminho de volta para Viracopos. “O retorno agora está pior porque tudo tem que ser desmontado às pressas, para os caminhões saírem ainda na madrugada de segunda-feira, dia 3 de novembro”, comenta. Segundo Regina, a operação é muito complicada porque os boxes são alinhados em uma rua muito estreita que dificulta a movimentação e as manobras das empilhadeiras.
Em Viracopos, uma equipe de 20 pessoas fica na retaguarda para organizar as cargas para o embarque nas aeronaves: as cargas devem estar preparadas, pesadas e prontas para o embarque em ritmo acelerado. “É uma operação nervosa”, resume Regina. O deadline é terça-feira, dia 4 de novembro: com tudo pesado e embarcado, as aeronaves esperam os procedimentos de decolagem para voarem para diferentes destinos. A partir de então, a FOM assume o comando. “Neste tipo de ação, cada segundo é fundamental para se alcançar os resultados”, analisa Regina.
O circuito mundial
Enquanto a logística interna no Brasil é feita pela Célere – a única operadora local que atua na competição no mundo –, a DHL é a empresa que mantém um contrato global como empresa Oficial da F1 junto a FOM – o que não quer dizer que outras empresas de logística nos vários países onde o evento acontece não possam vir a participar.
A operadora alemã DHL é responsável pelo processo logístico do Grande Prêmio Automobilístico há 20 anos, onde coordena durante toda a temporada o transporte por ar, terra e mar dos motores, pneus, combustível, peças reservas e de reposição, os equipamentos de precisão e, até mesmo, a infra-estrutura da área vip das corridas, o chamado “Paddock Club” VIP – num total de 300 toneladas cúbicas de itens.
Todos os anos, ao término do mês de janeiro, uma equipe de 20 profissionais especializados, locada em escritórios DHL na Itália e Inglaterra, elabora e executa o planejamento de transporte de todos os equipamentos, incluindo a catalogação, embalagem, transporte e entrega dos itens em cada local de corrida. Para isso, a empresa utiliza aviões, navios, caminhões e até contêineres refrigerados, quando necessário – no caso do Brasil, em Viracopos, a partir do desembarque a Célere é quem assume a etapa nacional.
Toda a operação e os números são cercados de muito sigilo. O acesso aos equipamentos e tecnologias secretas é vedado em todo o processo de logística do transporte – para todos os envolvidos. A DHL também se dispõe a conhecer e observar as peculiaridades legais e regionais de cada país onde acontece um Grande Prêmio, de forma que a legislação e os processos de importação e exportação locais não interfiram na pontualidade, fator decisivo na realização de um evento em que tudo é cronometrado.
Conforme a empresa, cada escuderia conta com três conjuntos de equipamentos, transportados em sistema de rodízio, que favorece a chegada dos itens com a antecipação necessária para realização dos treinos e das corridas. Os equipamentos, enviados pela DHL a partir de seus escritórios em Londres e Milão, constantemente retornam para inspeção aos locais de base das equipes, antes de serem remetidos ao próximo Grande Prêmio. Somente os carros – os dois oficiais e o reserva de cada equipe – vão diretamente de um circuito a outro. Em alguns países da Europa, além da coordenação da logística, a DHL assume inclusive o transporte dos carros e do combustível especial usado nas corridas.
No prazo de 48h logo após o término de cada corrida, todas as peças e materiais são embalados e recolhidos entre a segunda e terça-feira de manhã, seguindo imediatamente para a próxima etapa. Em 2008, foram realizados 18 Grandes Prêmios, da Austrália ao Brasil, desde março. Foram incluídos ainda na temporada os circuitos de Cingapura e Valença. Os carros que participam de todas as etapas da Fórmula 1 cobrem um total de 100 mil km em suas viagens de um circuito para outro. Durante a temporada completa, cada carro completa nove mil quilômetros de percurso nas pistas e dez vezes a mesma distância no ar.