É fato que a pandemia do coronavírus alterou a rotina das pessoas em todo o mundo e modificou totalmente os cenários político e econômico. No Brasil, quem apostava em um ano de 2020 mais favorável depois de tanta crise e promessa de melhora, já não consegue mais fazer previsões – ao menos não positivas. Enquanto todos os setores da economia praticamente pararam e preveem um colapso, somente atividades primordiais, como saúde e alimentação, permanecem não só em pleno funcionamento, mas exigindo ainda mais de seus players.
E é justamente em momentos como esse que a logística consegue evidenciar ainda mais sua importância para o dia a dia das pessoas, em cada uma das suas minúcias. Todos sabem que os hospitais estão funcionando a todo vapor, mas é a logística que transporta os medicamentos e os aparelhos hospitalares. Todos sabem que os mercados permanecem abertos, mas é a logística que transporta os alimentos e demais itens essenciais de consumo. Os pedidos no e-commerce aumentaram significativamente, e é a logística que transporta os produtos adquiridos. E todos esses itens, antes de serem transportado, estão estocados nos armazéns e centros de distribuição das empresas de logística. Impossível não perceber, portanto, que a logística também é uma atividade primordial e, mais que isso, sem ela as demais atividades não conseguiriam permanecer em funcionamento.
Temperatura elevada na operação
Na Friozem, operador logístico especializado na cadeia do frio que tem os alimentos dentre os produtos que transporta, por exemplo, mesmo com o fechamento de restaurantes, bares e lanchonetes, os volumes movimentados não apresentaram queda. Fábio Fonseca, presidente da companhia, explica que, nos clientes dos setores citados, as demandas caíram muito, chegando até a zerar em alguns casos, mas em compensação as atividades varejistas aumentaram consideravelmente, mantendo a média total dos volumes operados.
Mas é claro que, assim como aconteceu com a vida de bilhões de pessoas, o Covid-19 também mudou o dia a dia da logística, seja no que diz respeito à operação em si, como no exemplo da Friozem, que observou as cargas movimentadas se alterarem para atender o contexto e as demandas atual, como no que diz respeito à rotina de trabalho. “Deixamos de fazer as atividades não essenciais no momento para evitarmos aglomerações, como reuniões com clientes e fornecedores, treinamentos internos, inventários etc.”, destaca Fonseca.
Se no dia a dia de quem está trabalhando em casa as mudanças nos hábitos de higiene e prevenção já são importantes, dentro de uma operação logística elas tomam uma proporção muito maior, não somente para garantir a saúde pessoal de cada funcionário da companhia, mas também dos itens que são manuseados e vão chegar até o varejo e, consequentemente, até o consumidor final. “Redobramos todos os cuidados com higiene, orientando os colaboradores, colocamos álcool em gel em grande quantidade e em muitos locais e tiramos a temperatura de 100% das pessoas que entram na unidade logo na portaria. Colocamos 100% das pessoas em grupo de risco em férias ou home office”, diz o executivo.
Mas ainda que a logística esteja a todo vapor e represente um respiro aprazível em meio a tantas notícias a respeito do mundo dos negócios, as consequências da atual crise ainda devem ser analisadas com bastante equilíbrio e seriedade. Mesmo em meio à maratona que a operação atual representa, Fonseca faz um alerta. “Estamos muito preocupados com a condição financeira de alguns clientes. Isso pode trazer grandes impactos para a nossa indústria”. Ainda que os operadores logísticos que trabalham com temperatura controlada lidem com itens que estão em alta no momento, como alimentos e remédios, existem diversos outros tipos de produtos envolvidos na atividade, e a reação em cadeia provocada pelo coronavírus deve atingir também a cadeia logística como um todo no médio e longo prazos.
Entregas em alta
O isolamento social adotado para controlar a contaminação do vírus é um dos maiores causadores dos problemas enfrentados pela economia no momento, já que a maioria esmagadora dos estabelecimentos comerciais – de pequenos comércios a shopping centers inteiros – foram obrigados a fechar suas portas. Mas esse mesmo fator está impulsionando grandemente outra faceta da logística: as compras online e a entrega direta ao consumidor.
De acordo com dados da Ebit, divisão voltada ao e-commerce da Nielsen, empresa global de mensuração e análise de dados, as vendas online cresceram 18% de 9 a 15 de março, semana que abriga o Dia do Consumidor, justamente no dia 15, na comparação com o mesmo período de 2019, movimentando R$ 1,41 bilhão. Apesar da data sazonal, os maiores volumes foram registrados com produtos do setor de alimentos e bebidas, com acréscimo de 33%, o que denuncia o coronavírus como ao menos uma das causas do crescimento. Com o prolongamento do confinamento, parece óbvio que a tendência é que esses números aumentem ainda mais.
Bruno Tortorello, CEO da Jadlog, empresa de transporte de encomendas que realiza coletas e entregas porta a porta em todo o território nacional, explica que a experiência nos países europeus, via DPDgroup, a quem a Jadlog pertence, mostra que realmente há um impacto positivo no e-commerce. “As pessoas estão evitando sair, então compram desde um livro ou uma escova de dente até papel higiênico. Alguns segmentos chegaram a dobrar seus volumes. Basicamente, são os bens de consumo, seguidos de materiais de estudos.”
O executivo conta que, portanto, a empresa mantém suas operações em pleno funcionamento, e também destaca os cuidados tomados para conter o avanço da doença. “Permanecemos focados em monitorar possíveis impactos em decorrência do Covid-19. Com o intuito de manter a saúde e o bem-estar de funcionários, franqueados, clientes e consumidores, a Jadlog criou um comitê específico de monitoramento e passou a adotar um protocolo de prevenção, que está sendo cumprido pela empresa, em sua sede e filiais, e pelas franquias.”
Ele explica que foram reforçadas as informações sobre o vírus e sobre as medidas de higiene e proteção. As equipes de limpeza foram reforçadas, para aumentar a frequência de limpeza, principalmente em banheiros e demais áreas comuns, incluindo torneiras, maçanetas e corrimão, bem como nos veículos. O álcool gel foi disponibilizado nas áreas operacionais e administrativas para aumentar a frequência de higiene das mãos, a quantidade de pessoas foi limitada em salas e refeitórios, há uma equipe de saúde aferindo a temperatura dos funcionários, parceiros e fornecedores. Houve ainda a suspensão de viagens corporativas e da presença em eventos por parte de todos os colaboradores e franqueados, e a intensificação de reuniões por meio de videoconferência e do home office para as atividades que permitem tal modalidade de trabalho.
“Acreditamos que as medidas adotadas pelas autoridades governamentais e de saúde foram corretas e a expectativa é que a epidemia seja melhor controlada por aqui. Em termos econômicos, pacotes anunciados pelo governo para minimizar os impactos do coronavírus são muito bem-vindos e devem ser ampliados, para garantir o bem-estar das pessoas e a perenidade das empresas”, completa Tortorello.
Operações globalizadas
Infelizmente, mas também previsivelmente, nem todos os setores da logística são capazes de enfrentar a atual crise registrando crescimento. É óbvio que, por se tratar de uma situação que envolve um vírus altamente contagioso disseminado em escala global e também devido à situação de confinamento, as operações de comércio exterior apresentariam quedas, prejudicando assim os transportes aéreo e marítimo internacionais, em especial.
De acordo com a Emirates Skycargo, divisão de cargas da Emirates Airlines, sediada em Dubai, muitas companhias aéreas estão reduzindo drasticamente os voos ou encerrando completamente os serviços. A Emirates tem tido como objetivo manter os voos de passageiros pelo tempo que for possível para ajudar os viajantes a voltar para casa em meio a um número crescente de proibições, restrições e bloqueios de países em todo o mundo. Além disso, continua a manter ligações de carga aérea internacional vitais para economias e comunidades, implantando sua frota de cargueiros para o transporte de bens essenciais, incluindo suprimentos médicos em todo o mundo.
“O mundo literalmente entrou em quarentena devido ao surto de Covid-19. Esta é uma situação de crise sem precedentes em termos de amplitude e escala, geograficamente, bem como do ponto de vista da saúde, social e econômico. Até janeiro de 2020, o Emirates Group estava indo bem em relação às nossas metas atuais para o exercício. Mas o coronavírus trouxe tudo isso a uma parada repentina e dolorosa nas últimas semanas”, lamenta o xeique Ahmed bin Saeed Al Maktoum, presidente e diretor executivo do Emirates Group.
A companhia informa que continuará a operar voos de passageiros e de carga para os seguintes países e territórios até novo aviso, enquanto as fronteiras permanecerem abertas e houver demanda: Reino Unido, Suíça, Hong Kong, Tailândia, Malásia, Filipinas, Japão, Cingapura, Coréia do Sul, Austrália, África do Sul, Estados Unidos e Canadá. A situação permanece dinâmica, porém novas restrições podem ser estabelecidas.
Internamente, diversas ações foram tomadas para preservar a saúde dos colaboradores. A Emirates desencorajou fortemente seus funcionários a fazerem viagens não essenciais, implementou políticas de trabalho em casa para todos os colaboradores onde fosse viável operacionalmente, aprimorou protocolos de limpeza e desinfecção em suas instalações, introduziu triagem de temperatura e lançou campanhas educacionais internas de higiene das mãos e práticas de saúde para reduzir os riscos de contaminação.
Nas últimas semanas, a companhia aérea também implementou medidas aprimoradas de limpeza e desinfecção em todas as suas aeronaves que partem de Dubai. Os funcionários da linha de frente, como equipes da tripulação e do aeroporto, também receberam apoio para permanecer em segurança durante o trabalho, incluindo o fornecimento de desinfetantes para as mãos e máscaras, quando necessário.
“Esses são tempos sem precedentes para a indústria aérea e de viagens, mas vamos superar. Nosso negócio está sendo afetado, mas o que importa a longo prazo é fazermos a coisa certa para nossos clientes, funcionários e comunidades que servimos. Com o apoio e a união que vimos de nossos funcionários, parceiros, clientes e outras partes interessadas, estou confiante de que a Emirates pode enfrentar esse desafio e sair mais forte.”
A DSV, companhia que atua globalmente com atividades que vão da armazenagem ao transporte pelos modais rodoviário, ferroviário, marítimo e aéreo, também está sentindo os reflexos do coronavírus no comércio exterior. “Principalmente porque houve o fechamento de portos e aeroportos em locais estratégicos, como China, Europa e Estados Unidos”, diz Gustavo Silva, CEO da DSV Brasil.
E o executivo prevê que a logística internacional enfrente ainda mais dificuldades. “Há previsão de possível falta de equipamentos no modal marítimo, principalmente quando falamos do transporte refrigerado, em que a maior demanda ocorre no terceiro trimestre. Além disso, há a questão dos fretes do modal, que estão sofrendo aumentos desde já e há indícios que ocorram novas altas nos próximos meses, pois atualmente já há navios saindo da China com 98% de capacidade ocupada. Há também um impacto no modal aéreo, uma vez que, com o cancelamento de voos, há cargas paradas em todo o mundo. Isso acarretará em um acúmulo de cargas em determinadas origens e destinos mais impactados e até possível falta de produtos para abastecimento no mercado nacional. Considerando tudo isso, prevemos que o maior gargalo deva ocorrer em maio”, analisa.
Por outro lado, assim como nos demais casos citados, as operações internas da DSV continuam a todo vapor. “O que muda, principalmente, é a forma de trabalho, mesmo que não tenha havido a parada de operações. Quando se fala em mercado doméstico, há uma grande preocupação com as operações de armazenagem e distribuição. À medida que a disseminação do coronavírus é ampliada, faz-se necessário estabelecer com o cliente uma ordem de prioridade nos embarques, uma vez que a disponibilidade de equipes nos armazéns é menor.”
O CEO conta que a DSV Brasil colocou em prática um Plano de Continuidade de Negócios, que está em vigor desde o início de março, quando foram identificados os primeiros casos de contaminação no Brasil. “Nele estão bem detalhadas as ações que os gestores de cada filial ou armazém devem cumprir. Alguns exemplos: todas as medidas de higiene e prevenção recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) foram implementadas, há um questionário para todos os visitantes que visa mitigar possíveis riscos, há escritórios em que estamos operando em home office integral, outros em home office parcial, além da flexibilização na carga horária para se evitar horários de pico. É extremamente necessário que todas as empresas, não importa o tamanho, se conscientizem e tomem as medidas necessárias para preservar suas equipes e as comunidades”, alerta.
Fernando Fischer