A importância da hidrovia para o desenvolvimento e a integração multimodal da Brasil e da América do Sul é um tema recorrente na logística. Entra governo e sai governo, o assunto está sempre em pauta. Isso não que dizer, contudo, que necessariamente ações práticas vêm sendo tomadas.
É fato que o modal há algum tempo é relegado para o segundo plano, cenário bastante preocupante se levarmos em conta as características geográficas brasileiras, com grandes bacias hidrográficas e rios extensos que, sim, permitem a integração nacional, além do estreitamento de relações com países vizinhos.
Mas por que então as hidrovias no Brasil não deslancham, mesmo com o já conhecido potencial brasileiro? Estudos do Departamento Hidroviário (DH), órgão vinculado à secretaria de Logística e Transportes do Estado de São Paulo, por exemplo, apontam que o Brasil tem 42 mil km de vias com potencial de navegação. O que falta para inserir as vias navegáveis num plano de governo e que iniciativas são necessárias para que a questão saia do campo teórico?
Na opinião do secretário de Logística e Transportes do Estado de São Paulo, João Octaviano Machado Neto, é preciso colocar na agenda do país as questões hidrográficas. O assunto deve ser uma pauta nacional, de Estado, já que o Brasil possui a infraestrutura adequada. Para ele, os governos abriram mão de seu papel de planejamento. “Não há projetos a médio e longo prazos. Estamos à mercê do mercado”, diz.
O secretário garante que pelo menos São Paulo está fazendo a sua parte. “Estamos fazendo uma releitura dessa matriz por questões econômicas e ambientais”, pontua. Neto conta que a secretaria já realiza uma análise para retomar a hidrovia e desenvolver uma nova logística em São Paulo.
O coordenador da Divisão Técnica de Logística do Instituto de Engenharia, José Wagner Ferreira, reforça o que diz o secretário quanto à importância de planejar e elaborar propostas consistentes. “Nosso intuito é avançar, queremos resoluções que sirvam para o futuro”, salienta.
José Reis, diretor do DH, acredita que o futuro seja a integração logística com o Mercosul, além da regional, e com as hidrovias sendo protagonistas. Para isso, porém, alguns gargalos devem ser superados. Na Tietê-Paraná, ele cita, ainda há limitações de tráfego por conta das pontes. “Muitas delas possuem pilares que precisam ser removidos e adequados para que permitam a passagem das embarcações.”
Pontos de atenção
As dificuldades são bem maiores do que apenas pilares mal colocados. De acordo com informações do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT) o desenvolvimento das hidrovias esbarra em dificuldades quanto a licenciamentos. O órgão anuncia que para facilitar o contato ente os diversos players foi desenvolvida uma iniciativa denominada Diálogos Hidroviários. A meta é facilitar a interlocução com os mais variados órgãos do governo.
Frederico Bussinger, consultor do Instituto de Desenvolvimento, Logística, Transporte e Meio Ambiente (Idelt), aponta como gargalo para a integração das hidrovias a frota de embarcações aplicada, que não é diversificada. “Nossas barcaças não operam em rios com baixo calado”, diz.
Há outros pontos. Segundo ele, existem leis para o uso múltiplo das águas, mas não uma gestão da utilização, o que gera a necessidade de uma articulação intermodal. Os rios, prossegue o consultor, também precisam ser observados como organismos vivos, que possuem as suas peculiaridades, demandando soluções pontuais.
Para Bussinger, também não existem corredores logísticos de desenvolvimento, mas o aspecto central fica por conta da falta de governança para as hidrovias. “São regulações multifocais, imprevisíveis e com inexistência de compliance. Planejar é importante, mas executar e cumprir o que foi planejado pode dar o salto de qualidade que as hidrovias necessitam.”
O presidente do Instituto Brasil Logística, Clythio Backx van Buggenhout, faz um contraponto. Na opinião do executivo, as hidrovias estão se consolidando, e o país tem solucionado os gargalos enquanto as companhias operam. Mas ele também faz críticas. “Na Região Norte não temos nenhuma hidrovia, justamente por falta de infraestrutura. O que existe são apenas vias navegáveis”, define.
Pedro Victória Júnior, do Centro de Estudos Avançados em Navegação Interior (Ceani), afirma que falta uma visão integrada da logística. Ele também lembra que devem ser revisitados os modelos de investimento e concessões. “Há muitos anos só se discute ferrovia e rodovia e em detrimento das hidrovias. É preciso de alguma forma alterar essa lógica e a agenda hidroviária precisa constar nos projetos do governo, e não ficar em segundo plano, como sempre ficou”, sentencia.
Integração
Mas com todas essas questões, como estreitar as relações com os países vizinhos e fomentar a utilização das hidrovias na América do Sul? João Carlos Parkinson de Castro, do ministério das Relações Exteriores, ressalta que é necessário atualizar os marcos normativos que regulam o tráfego nas hidrovias. E o ministro lembra que as resoluções datam da década de 1970.
Segundo ele, entretanto, esse é não é um tema acolhido pelo governo peruano, por exemplo. Os governos equatoriano e colombiano, revela o ministro, receberam bem a ideia, enquanto que as tratativas com a Venezuela estão paralisadas. Já o arco norte não está sendo utilizado, com a integração junto ao Canal do Panamá não realizada devido a altas taxas.
Castro também destaca a importância do desenvolvimento da multimodalidade, com a concepção de um corredor hidroviário bioceânico, utilizando os modais rodoviário e hidroviário que são, na opinião do ministro, frentes complementares. “Devemos pensar a movimentação de cargas em escala continental”, enfatiza.
O presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), Rubens Barbosa, salienta que o sistema hidroviário brasileiro é fomentador da economia e estimula novas práticas quanto ao comércio exterior. De acordo com ele, para que esse cenário seja permanente e a integração com a América do Sul realmente ocorra, o Brasil deve se empenhar para que haja uma autoridade internacional na hidrovia e seja dado um tratamento político ao modal. “Isso trará segurança jurídica, gerando uma onda de investimentos”, afirma.
Fábio Penteado