O mercado de veículos elétricos de carga já é uma realidade. A eletrificação das frotas chegou faz um tempo e não tem volta. No mundo, já observamos embarcadores investindo fortemente em frotas elétricas e montadoras investindo cada vez mais na linha de montagem para oferecer produtos de todas as configurações com este novo modelo de “combustível".
Mas e no Brasil, como andam as coisas? De que forma embarcadores, frotistas e montadoras observam este movimento? O que os players tem a dizer, quais as demandas e como se organizam para fomentar a utilização dos veículos elétricos no país?
O mercado de elétricos hoje
O gerente executivo de Estratégia Corporativa e Excellence Program da Volkswagen Caminhões e Ônibus, Walter Pellizzari Junior, afirma que meios de transporte e sustentabilidade podem, sim, caminhar juntos. “No começo tudo era novidade, seja para nossa empresa, para o mercado e também para nossos clientes.”
O executivo reconhece, contudo, que existe uma série de barreiras, mas que a criação do e-Consórcio, bem como o acordo junto à Ambev, foram ações mandatórias para a montadora mostrar que estava caminho certo. “Para incentivar o início da eletrificação, focamos em lançar um veículo para o segmento de distribuição urbana, justamente por entendermos que os benefícios serão maiores, tanto para as cidades como para o meio ambiente”, explica o gerente executivo.
O diretor de Marketing e Sustentabilidade da BYD Brasil, Adalberto Maluf, vai nesta mesma linha quanto ao modelo oferecido. “Durante a pandemia, o comércio eletrônico teve um grande crescimento, potencializando o mercado de logística urbana. No Brasil, empresas nacionais e multinacionais que já estimulavam práticas ESG ampliaram suas apostas na mobilidade elétrica para consolidar e ampliar sua atuação na logística verde.”
Segundo o executivo, ao mesmo tempo a indústria automobilística reposicionou os preços dos veículos a combustão em patamares maiores em função da falta de semicondutores e houve aumentos nos preços dos combustíveis. Somados esses dois fatores, continua, a diferença de preço entre os veículos elétricos e os a combustão foi reduzida e, consequentemente, o tempo de retorno dos investimentos nos elétricos melhorou o custo total de propriedade. “Mesmo os elétricos sendo mais caros na aquisição, cada vez mais se mostram competitivos quando computados todos os custos de operação e manutenção no médio prazo”, pontua Maluf.
Desafios para a aplicação em território brasileiro
O mercado é promissor, mas alguns aspectos devem ser levados em conta e ainda são barreiras para a introdução dos veículos no país. Na Volkswagen Caminhões e Ônibus, Pellizzari conta que o primeiro desafio, superado, foi encontrar os parceiros certos para a aquisição do produto. Além disso, continua, a companhia teve a tarefa de auxiliar o cliente durante o uso dos veículos e o fim da vida dele.
“Tivemos a preocupação de proporcionar para os nossos clientes um consultoria completa, avaliando desde a aplicação, carregadores e toda a infraestrutura elétrica. Até a forma utilização do veículo, a definição da entrega urbana como primeiro mercado, foi escolhida para que não necessitássemos de pontos de carregamento na rota, somente nos centros de distribuição ao final do dia. Novidades como olhar em conjunto com nossos parceiros as instalações necessárias para nossos clientes, são elementos que trouxemos”, diz o gerente executivo de Estratégia Corporativa & Excellence Program da Volkswagen Caminhões e Ônibus.
Pellizzari ressalta que ainda existem muitos desafios para acelerar a mobilidade elétrica, como as taxações idênticas aos veículos de motorização a diesel, que em conjunto com o preço de aquisição mais alto do elétrico dificultam o ganho de escala. “Mesmo assim, acreditamos que o veículo elétrico veio para ficar e já é uma realidade.”
O gerente executivo completa dizendo que no caso dos veículos elétricos é preciso pensar em como aumentar o seu uso, otimizando sua carga, diminuindo o tempo parado e permitindo que estes ativos rodem em locais e horários que o veículo a diesel não pode ser utilizado. “Como gargalos, temos o volume ainda baixo de produção, que reduzem a economia de escala, bem como a maior exposição ao dólar”, pontua.
Já Maluf, diretor de Marketing e Sustentabilidade da BYD Brasil, lembra que o Brasil é um dos poucos países do mundo que sobretaxam os veículos elétricos em comparação aos similares a combustão. Além disso, reforça, o país não tem, ainda, uma política favorável à mobilidade elétrica, que possa unir os esforções da indústria, da academia e das empresas. “Precisamos de uma Política Nacional e de uma Política Industrial em pró da mobilidade elétrica, visando assim, uma efetiva transição da nossa indústria para as tecnologias do futuro e, em especial, das tecnologias de baixo carbono que vem transformando o setor automotivo mundo afora.”
O diretor completa dizendo que a falta de uniformidade entre as políticas fiscais dos governos estaduais dificulta a expansão das frotas elétricas pela complexidade de se atuar em vários mercados com pequenas quantidades. “Inicialmente, nós acreditamos que a eletrificação deve ocorrer nas frotas públicas, na logística verde e na mobilidade urbana das grandes cidades, onde a infraestrutura de recarga já existe e está crescendo muito. Mas para uma popularização maior da tecnologia, precisamos encontrar maneiras de financiar a expansão dos eletropostos também nas estradas para permitir viagens mais longas com os elétricos”, acredita Maluf.
O executivo diz que a BYD faz a parte dela. “Atuamos junto às principais associações de classe da indústria automobilística para sensibilizar as autoridades e a opinião pública da necessidade de equalização e simplificação da questão fiscal e jurídica.”
Quanto à infraestrutura, Maluf garante que a empresa foi pioneira em instalar e arcar com os custos da energia de dezenas de pontos de recarga públicos pelo estado de São Paulo. Para o futuro, ele adianta que a montadora irá ampliar a chegada de veículos com maiores autonomias em outros nichos de atuação, o que deve ampliar o uso dos veículos elétricos para outros setores e continuar a consolidação de uma malha de carregadores adequadas a quantidade de veículos nas ruas do Brasil.
“Acreditamos que a melhor forma do nosso cliente se convencer da mudança de conceito de frota de veículos de carga é por meio da experiência e da demonstração do custo total de propriedade. A frota elétrica de carga está voltada para centros urbanos e deve vir acompanhada de um planejamento de rota consistente, principalmente no que se refere à infraestrutura de alta capacidade de carregamento e seu ciclo de operação. Incentivos como a isenção de rodízio de São Paulo ou as metas de eletrificação da cidade do Rio de Janeiro, são grandes aliadas na popularização da tecnologia, mas ainda precisamos criar mais pontes entre políticas públicas variadas e uma visão de futuro para o setor”, acredita o diretor da BYD.
As principais demandas e o trabalho político
Pellizzari também diz que a Volkswagen aposta na atuação junto aos órgãos governamentais. “Sempre estamos em contato com os setores públicos, desde federal até municipal, pensando em como podem nos ajudar a balancear os custos maiores de aquisição e como podemos criar as zonas de exceção, para que assim um veículo que não polui e possui reduzidas taxas de ruído possa ser utilizado por mais tempo, isso inclui as zonas verdes nas cidades bem como extensões de uso noturno.”
Os clientes também demandam um trabalho específico. O gerente conta que as principais dúvidas estão relacionadas à adaptação. “Com a infraestrutura para o carregamento, é como se agora o posto de gasolina fosse dentro de casa. Além disso, outra demanda é como minimizar os custos de infraestrutura, como escolher o sistema de carregadores corretos, quais opções de energia limpa existem e como transformar o custo de infraestrutura em custo operacional. Por isso, consideramos como essencial o incentivo a políticas de substituição de veículos a diesel para elétrico e a otimização do uso destes produtos,” sugere Pellizzari.
O executivo diz também que de imediato pode-se promover a adequação de impostos ao maior valor de aquisição, bem como a liberação para o acesso a regiões e horários maiores.
Para Maluf, o principal gargalo, o que demanda ações a curto prazo, é a falta de uma Política Nacional favorável à eletromobilidade. “O país precisa de uma política industrial, de metas mais ambiciosas de eficiência energética e de redução de poluentes, que juntas, ampliam os investimentos em componentes e fornecedores dessas tecnologias no país, o que aceleraria a transição aos elétricos.”
O diretor da montadora pontua salientando que é preciso investir em soluções que ajudem na transição para um modelo de energia limpa. “O mundo caminha muito rapidamente para um novo modelo de mobilidade limpa e de energia renovável, cada vez mais descarbonizada, descentralizada e mais digital. Precisamos criar políticas públicas e mercados para que empresas e empreendedores brasileiros criem, aqui, as tecnologias de todo esse novo ecossistema de inovação que surge ao redor do veículo elétrico, integrando nossos veículos à rede inteligente de energia, e de cidades cada vez mais conectadas, justas e sustentáveis”, frisa Maluf.
O que diz e faz o embarcador
A Ambev é um dos embarcadores que mais apostam nos veículos elétricos. A empresa já recebeu, por exemplo, o primeiro caminhão elétrico, do lote de cem unidades adquiridas pela cervejaria junto à Volkswagen. Os veículos fazem parte do plano da Ambev de ter 1.600 modelos VW com essa tecnologia zero emissões na sua frota parceira até 2025. O primeiro caminhão elétrico Volkswagen a operar nas ruas, não é mais um protótipo. Trata-se de um e-Delivery 14 toneladas 6x2.
Para o vice-presidente de Sustentabilidade e Suprimentos da Ambev, Rodrigo Figueiredo, a jornada de economia de baixo carbono da Ambev teve início há quase 20 anos, com foco na eficiência energética e mudanças da matriz para biomassa e gás natural. “De lá para cá, temos um imenso orgulho das nossas conquistas e iniciativas pioneiras para que, do campo ao copo, as nossas metas ambientais ambiciosas sejam alcançadas com rapidez. Desde 2003, já reduzimos 63% das nossas emissões como um todo.”
Figueiredo ressalta ainda que a logística é parte essencial e com o fomento de uma tecnologia 100% brasileira em um negócio firmado junto à Volkswagen Caminhões e Ônibus a companhia está inovando e criando soluções para compartilhar com todo o mercado e outras empresas.
Segundo o executivo, o objetivo da Ambev é viabilizar a utilização da propulsão elétrica na distribuição urbana e criar uma referência em sustentabilidade para o mercado logístico global.
Outra ação da montadora foi a aquisição junto à Jac Motors para a compra de mais 150 veículos do modelo iEV1200T, que serão entregues até o final do ano. Somados aos 100 caminhões elétricos da Volkswagen a Ambev planeja ter até no final deste ano uma frota com 250 unidades de elétricos circulando por cerca de 20 cidades do país, como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Brasília, Natal, Curitiba, Fortaleza e Ilhéus (BA).
“Essa parceria com a Jac é mais uma prova de que estamos no caminho certo. Os modelos têm autonomia similar de circulação dos outros veículos elétricos que já temos no portfólio. Na comparação com um veículo à combustão, eles são mais tecnológicos, sustentáveis e não geram ruído ao meio ambiente, além de contribuírem com a nossa jornada de neutralizar as emissões de gases do efeito estufa na atmosfera”, salienta Figueiredo.
Para atender a realidade e colocá-los nas ruas, os centros de distribuição da empresa que receberem os elétricos terão PitStops de Carga, estruturas desenvolvidas como bases para recarga. Os primeiros já estão sendo instalados. As cidades do Rio de Janeiro e Osasco (SP) abrigam os dois primeiros. A escolha destes locais é justificada, segundo a Ambev, pela elevada demanda diária nestas regiões e por estarem estratégica e geograficamente bem localizados.
Para abastecer os pontos de recarga, a Ambev revela que usará energia limpa, como parte das ações para atingir suas metas de sustentabilidade – ter 100% da eletricidade comprada de fontes renováveis e reduzir em 25% as emissões de carbono em toda a cadeia de valor, ambas até 2025.
Infraestrutura de abastecimento
E os pontos de abastecimento, qual a realidade hoje? Algumas empresas já vislumbram o potencial do mercado de veículos elétricos. É o caso da Renovigi que anunciou o lançamento de uma solução para o carregamento de veículos elétricos. Conhecido como RenoCharge, o equipamento é um recarregador AC de baterias de veículos elétricos ou híbridos plug-in desenvolvido em junto à Incharge, empresa brasileira que fabrica carregadores para mobilidade elétrica.
Segundo os testes realizados pela Renovigi, os resultados foram satisfatórios, aumentando a autonomia de um veículo elétrico e com curto tempo de recarga – que pode ser de 3 horas a 8 horas, dependendo da potência instalada. Esse resultado permite que essas unidades de recarga sejam instaladas em propriedades em locais remotos, distantes da rede elétrica.
O equipamento estará disponível para comercialização a partir de 2022 em dois modelos – 7,7 KWp (monofásico) ou 22 KWp (trifásico). “Como os números de veículos elétricos só crescem no Brasil e no mundo, a tendência é que logo as estações de recarga que utilizam energia solar se popularizem. Em São Paulo, por exemplo, há legislação em vigor que determina a obrigação de que novos condomínios verticais sejam obrigados a ter espaço para carregador de veículos elétricos e híbridos,” indica o acionista da Renovigi, Carlos Tadashi.
O funcionamento da estação de carregamento compreende em média 15 conjuntos de painéis que transformam a energia do sol em eletricidade. A energia gerada é armazenada no banco de baterias, formado por módulos, acoplados a um inversor que, além de monitorar a energia produzida, alimenta os veículos elétricos por meio de um carregador.
“Pesquisas mostram que até 2030 teremos de 20 a 30% de veículos elétricos na frota brasileira. Caminhamos para que esta seja uma realidade nas metrópoles e uma alternativa viável, já que para abastecer esta quantidade seria necessário uma Usina de Itaipu inteira. Com a geração solar esta questão é resolvida”, aposta o presidente da Incharge, Eduardo Pina.
Fábio Penteado