Os debates referentes aos acessos do Porto de Santos (SP), tanto relacionados aos gargalos quanto às melhorias propostas, executadas ou simplesmente deixadas de lado, sempre fizeram parte do dia a dia daqueles que operam no complexo portuário instalado no litoral sul do estado de São Paulo.
Apesar de algumas coisas já terem sido colocadas em prática, as discussões e os estudos continuam tendo muita relevância. No não tão longínquo ano de 2012, por exemplo, ainda eram discutidas e tinham início as, naquela época, novas intervenções na Avenida Perimetral da cidade de Santos (leia mais aqui). Temas relacionados à dragagem do canal de acesso, então, são quase que diários. A mais recente notícia (acesse aqui) explica mais uma fase do Estudo e Pesquisa de Obras para a Otimização Morfológica, Náutica e Logística do Canal de Acesso do Porto de Santos, elaborado pela Universidade de São Paulo (USP) por meio dos laboratórios do Centro de Gestão em Estudos Navais (CEGN) e do Tanque de Provas Numérico (TPN).
Há, contudo, novidades, como a conclusão do projeto Hidrovia da Baixada Santista Modal Logístico (leia mais aqui), que tem como meta criar opções de acesso ao complexo portuário. Mas vale notar que, via de regra, os modais debatidos são sempre os mesmos: o rodoviário e o aquaviário, seja marítimo ou hidroviário.
E as ferrovias? O transporte por trilhos no Porto de Santos, modal com altíssima capacidade de transporte, sempre foi deixado em segundo plano. Um movimento com a participação do setor privado, porém, promete mudar essa realidade. A Rumo-ALL, que coordena os trabalhos, juntamente com a MRS Logística e a VLI, sob a gestão da Portofer – operadora ferroviária do Porto de Santos – e a Paragon Decision Science, que desenvolve ferramentas a fim de facilitar as decisões em ambientes de negócios complexos, combinando equipe, matemática, tecnologia e experiência, conceberam e colocam em prática, agora, ações referentes ao projeto Modelagem e Simulação da Malha Ferroviária do Porto de Santos para a Avaliação da Capacidade.
Trabalhos complementares
O CEO da Paragon, Luiz Augusto Franzese, explica que o trabalho teve início no final do ano de 2016. “Ele surgiu por conta de alguns pontos identificáveis e que dão importância a esse projeto, como o fato de o Brasil não possuir uma malha ferroviária desenvolvida, não utilizar bem a existente e haver concentração de cargas no Porto de Santos com dependência do modal rodoviário, que muitas vezes atrapalha o trânsito na cidade e em toda a região”, afirma.
O gerente de Estratégia Operacional da Rumo, Sinuê Brondi, vai além. Na opinião dele, a malha ferroviária em Santos opera próxima do limite de capacidade. Ele conta, entretanto, que antes de a Paragon iniciar os planejamentos do projeto, as três operadoras já realizavam estudos. Em 2015, por exemplo, se uniram e começaram a avaliar e dimensionar os investimentos necessários para ampliar a capacidade do sistema. Dessas reuniões surgiu o Plano Diretor da Baixada Santista. Além dos investimentos, o plano também prevê uma série de procedimentos que regem a operação no local.
O executivo diz que as companhias sempre desenvolvem ações para melhorar os processos. “A vantagem das três estarem unidas é que há cooperação entre elas para superar os gargalos já existentes e obter sinergia de operação da malha ferroviária em Santos”, diz.
Brondi conta que todas as decisões são planejadas em conjunto, tanto para os horizontes de longo prazo quanto na programação do dia seguinte. No horizonte diário, existe uma célula que funciona 24 horas por dia e conta com um representante de cada uma das três ferrovias. Essa célula toma as decisões de curto prazo, que garantem o máximo aproveitamento do sistema. No longo prazo, as áreas pares das três empresas conduzem encontros periódicos nos quais as avaliações de capacidade são discutidas e os planos de ação traçados e acompanhados.
Franzese destaca que esse trabalho realizado em conjunto pelos operadores é fundamental, uma vez que não adianta um deles estudar e implementar uma novidade se o elo seguinte, ou que atua em paralelo, não fizer nada. O executivo lembra, contudo, que mesmo atuando em sintonia, com relação aos modelos de simulação de capacidade, cada operador empregava o seu, todos fornecidos pela Paragon, mas de forma individual. “Nesse formato, cada um possuía apenas os dados referentes à sua operação, não tendo acesso à operação dos outros dois”, revela.
Ele conta que, após identificar esse ponto, a Portofer firmou um acordo com a Paragon para adotar um modelo único de simulação. “O grande trunfo desse projeto foi a decisão de as três empresas apostarem nele”, avalia.
Brondi completa dizendo que, devido à complexidade do sistema ferroviário do Porto de Santos, se fazia necessário o apoio de uma consultoria externa. “Depois de avaliar algumas possibilidades, concluímos que a utilização do sistema Arena, em conjunto e com o apoio da Paragon, era a melhor solução. Desse ponto em diante conduzimos discussões nas quais dimensionamos os esforços necessários para a modelagem. Nossa meta era a obtenção de resultados fiéis à realidade em uma janela de tempo reduzida”, relata.
Escopo
Firmado o termo de cooperação, as empresas envolvidas começaram o trabalho mais minucioso de detalhamento. O gerente Comercial da Paragon, Gustavo Telles, diz que a ideia era desenvolver um modelo de simulador com uma operação virtual que possibilitasse o estudo de melhorias e a descoberta de quem se beneficiaria com as alterações propostas. “A identificação desses pontos permitiu o rateio dos custos de possíveis obras”, explica.
O trabalho inicial consistiu em sintetizar na Portofer as demandas a fim de definir o que seria um modelo matemático que representasse o Porto de Santos. Para centralizar as ações, a Rumo-ALL foi a companhia escolhida para consolidar os dados dos operadores e fazer a interface com a Paragon durante o desenvolvimento do projeto. “Isso foi fundamental, pois são eles que têm todas as informações necessárias para que possamos modelar o sistema. Outro fator que contribuiu para o desenvolvimento do projeto foi a equipe dedicada que foi montada pela Rumo”, lembra Franzese.
Ao todo, cinco profissionais das operadoras ferroviárias foram alocados para acompanhar de perto a elaboração do sistema – dois especialistas em simulação, dois especialistas em operação da Portofer e um gestor –, além de outros colaboradores envolvidos nas movimentações em Santos, que foram acionados eventualmente para solucionar questões específicas.
Definidas as funções, a Paragon começou a desenvolver um modelo de simulação dentro do software Arena, da Rockwell Automation – utilizado por 95% da malha ferroviária do Brasil e pelo governo federal –, que permitisse à equipe dos operadores estudar de forma analítica qual a real capacidade máxima do sistema. Dessa forma, os dados poderiam ser analisados e seriam gerados resultados em um laudo conclusivo preparado pela Paragon, baseado em uma programação fornecida pela Rumo, em que seria possível diagnosticar diversas variáveis, como capacidade do sistema, quantidade de trens, tempos de ciclo, tempo mínimo entre os trens, janelas de entrada no sistema, interação entre os players, chegada nos terminais e vias duplas e singelas.
Primeiras ações
A primeira fase do projeto foi nomeada de Definição do Problema. De acordo com Telles, os envolvidos verificaram e entenderam todas as estruturas dos terminais instalados na margem esquerda e na margem direita (27 ao todo) para estabelecer como criar um modelo que contivesse as características de cada um deles, parametrizadas de maneira genérica – capacidade e desempenho, levando em conta o tipo de produto com que lida, dentro de um único código.
Depois disso, numa segunda etapa, foi iniciado o planejamento do projeto, com a definição do sistema logístico dos operadores. Nesse ponto, os profissionais da Paragon começaram a vislumbrar o funcionamento e a movimentação ferroviária. “Com as informações passadas pelas empresas, começamos a entender, por meio de uma visão sistêmica, as programações operacionais dos trens”, recorda Franzese.
O trabalho exigiu dedicação. Telles afirma que foi necessário decupar a operação das empresas, pois para transformar a prática numa operação virtual era preciso entender tudo aquilo que elas faziam no dia a dia, na operação real. “Começamos na programação e, a partir daí, fomos entender o que era e como funcionava uma locomotiva e um vagão em cada terminal de cada uma das empresas. Fizemos reuniões com equipes distintas e visitas físicas. Ao todo, o entendimento do sistema logístico levou três meses”, lembra.
O detalhamento permitiu à empresa que desenvolve o sistema de simulação identificar interferências, período de sazonalidade e quebras. Com isso, o passo seguinte foi direcionado para a formulação do modelo conceitual, que basicamente trata-se de uma documentação que descreve como o sistema funciona: de que forma o trem chega, quais são os tipos de trens, quais são as prioridades, quais os tipos de produtos transportados, como são os terminais, entre outras coisas. “Criamos um documento que contém toda a inteligência de como o sistema opera, e ele foi especificado e validado por todos os players”, cita Franzese.
Ao todo, o projeto levantou 344.432 variáveis do sistema ferroviário no Porto de Santos, que permitem 59 bilhões de combinações diferentes entre si. “O modelo conceitual foi discutido primeiro internamente na Rumo e depois aberto e debatido entre as três operadoras. A aprovação foi feita pelo gestor do projeto e pelos especialistas operacionais envolvidos”, diz Brondi.
A modelagem do software
O diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Paragon, Marcelo Fioroni, explica que o trabalho de concepção do modelo, dividido entre margem esquerda, margem direita e chegada dos trens, utilizou dados de operações reais ocorridas no Porto de Santos em 2016.
Ele conta que duas categorias de informações foram adicionadas ao software para iniciar a concepção do modelo de simulação. Uma, de processos, estava relacionada ao funcionamento do porto. “Esse ponto era muito importante para construirmos o modelo, pois precisávamos saber de que forma são tomadas as decisões quanto às operações ferroviárias, como em que direção o trem irá operar quando chegar ao porto”, detalha. Já a segunda categoria de informações, chamada de cenário, mostra números, como a frequência com que o trem chega e que tipo de material movimenta.
Fioroni salienta que esse foi o início do processo e serviu para ajustar o modelo. “Imputamos as informações já validadas e especificadas e fomos rodando o sistema para comparar se o desempenho dele era igual ao que ocorria na realidade do porto. Víamos que havia diferenças, pois alguns dados ainda eram desconhecidos, mas conversando com os operadores ferroviários fomos agregando mais informações, mais detalhes ao software”, descreve.
A atribuição das informações, o levantamento de novos dados e a readequação do modelo de simulação levaram um mês. A primeira versão do sistema de simulação era restrita à margem esquerda e apresentava um grau de detalhes reduzido. Depois de concluída essa etapa, modelagens mais especificas das simulações da margem esquerda e da margem direita foram replicadas e realizadas em paralelo.
Franzese relembra um aspecto, em sua visão, muito importante. “À medida que modelávamos, entregávamos uma cópia do modelo em desenvolvimento aos operadores ferroviários. Isso porque eles são clientes diferenciados, pois também possuem o software. Realizamos esse projeto a quatro mãos. Nossa equipe desenvolvia a modelagem, simulava e entregava aos operadores para que eles também pudessem simular.”
Brondi explica como as empresas avaliavam e participavam das alterações. Segundo ele, até a metade do caminho, a maioria das alterações visava destravar as operações. Como o simulador é complexo, existiam várias possibilidades de decisão que levavam o modelo a travar em situações específicas. Vencidas essas barreiras, continua o executivo, as alterações ocorreram visando aumentar a aderência dos resultados simulados aos resultados reais.
O trabalho foi longo. Fioroni lembra que até a conclusão do modelo final foram desenvolvidas 227 versões de modelos preliminares. O passo seguinte, que durou quatro meses, compreendeu a verificação e a validação do projeto, ou seja, garantir que aquilo que rodava no simulador estava de acordo com o que acontecia de fato no porto. “No momento de verificar e validar o modelo final de simulação, analisamos a aderência à realidade operacional, avaliando as dimensões de tempos de espera e capacidade de processamento de vagões e trens”, resume.
Os resultados se mostraram positivos. Fioroni divulga que foi obtida uma acuracidade dos dados, quando comparados às operações reais, de 99% na margem esquerda e de 98% na margem direita. Vale lembrar que a exigência dos operadores era de que o índice fosse de 95%. “Entregamos o modelo final em dezembro de 2017, preparado para simular os mais diferentes cenários”, garante o executivo.
Projeções
Brondi afirma que depois de o modelo final de simulação ter sido entregue, a aplicação foi imediata. Os resultados são compartilhados e discutidos entre as três empresas.
Hoje o simulador é utilizado em dois horizontes: longo prazo e curto prazo. “O longo prazo utilizamos para avaliar, sequenciar e priorizar os investimentos de expansão da capacidade. No curto prazo avaliamos o impacto em tempo e capacidade das diferentes distribuições de volume entre os terminais portuários e entre as ferrovias”, diz. O executivo salienta que já existem dados referentes à capacidade do sistema em diferentes configurações de demanda, como nos picos das principais safras de soja, milho e açúcar. Sem revelar detalhes, Brondi conta que, graças ao modelo de simulação, foram realizados investimentos a fim de sanar gargalos de capacidade mais latentes.
O trabalho é contínuo e algumas melhorias estão previstas no plano estratégico. “Várias soluções foram mapeadas e estão sendo testadas, tanto sobre os ganhos que podem gerar quanto sobre o momento em que se tornam necessárias”, cita. Quanto aos plano de investimento, o gerente de Estratégia Operacional da Rumo diz que eles estão em andamento e, muito provavelmente, serão revisados em consequência dos resultados de simulação.
Fábio Penteado