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Avaliação da influência de aspectos logísticos, fiscais e ambientais no projeto de redes de distribuição física

Por Hugo Yoshizaki el 22 de mayo de 2011 a las 17h11 (atualizado em 02/06/2011 às 16h20)
Hugo Yoshizaki

Qual o impacto da política fiscal brasileira nas emissões de carbono e na definição de um projeto de redes de distribuição?

Objetivo

Este trabalho visa avaliar o impacto de certos benefícios fiscais na estratégia de localização de fábricas e centros de distribuição, assim como a influência de uma variável ambiental (emissão de CO2) nos critérios de decisão.

Para atingir o objetivo acima, foi desenvolvido um modelo matemático que incorpora os trade-offs existentes na otimização logística e as políticas brasileiras de incentivo fiscal. O incentivo fiscal em análise é baseado no crédito presumido de ICMS, que é um percentual aplicado sobre o valor base das notas fiscais de venda.

O fator determinante para se chegar a uma conclusão definitiva sobre os impactos causados por estes incentivos ao projeto de malha é a adequação dos parâmetros do modelo (custos, distâncias, demandas, etc.) para a realidade dos negócios, utilizando-se dos mecanismos de estudo de caso. Neste trabalho foi preparado um caso do projeto de uma rede para uma empresa de bens de consumo não duráveis, com atuação em todo o território nacional. Para garantir a confidencialidade, locais, demandas e produtos foram propositadamente alterados. Isto não afeta as conclusões gerais do estudo, pois foram usados dados e custos reais de mercado.

Por fim, acrescentou-se uma variável de decisão relativa ao custo de neutralização das emissões de carbono no modelo formulado para avaliar uma questão ambiental na otimização da malha logística. Pretende-se, com isso, tornar o modelo mais aderente à realidade empresarial atual, que está cada vez mais consciente e atenta aos seus impactos sobre o meio ambiente, em particular o aquecimento global.

Este artigo é baseado na dissertação de mestrado do segundo autor, realizada sob orientação do primeiro.

Introdução

As empresas brasileiras vivem atualmente um momento extremamente desafiador, caracterizado pela busca por maior competitividade, maior rentabilidade, melhor oferta de produtos e serviços e melhor posicionamento frente a seus concorrentes.

Na literatura tradicional, a composição do custo logístico total se dá através da soma dos custos de estoque, armazenagem, compra e transporte, e se observa que tipicamente o impacto fiscal é desconsiderado na definição do lucro máximo (ponto de inflexão do custo total).

Avaliação da influência de aspectos logísticos, fiscais e ambientais no projeto de redes de distribuição física
figura-1

A carência de informações mais detalhadas sobre os custos logísticos e tributários no Brasil torna frequente a utilização de modelos matemáticos simplificados ou ferramentas de software desenvolvidas no exterior. O grande problema é que esses modelos ou ferramentas não representam adequadamente a nossa atual realidade, tornando difícil, entre outras coisas, a comparação dos resultados desses modelos e ferramentas com as decisões de gestão tomadas por empresas.

Esta interação entre custos logísticos totais e aspectos tributários vem sendo analisada por diversos autores brasileiros, como Yoshizaki (2002), Silva (2007) ou Carraro (2009), e incorporada à decisão dos empresários sobre o modelo de distribuição de suas empresas. Ainda que não exista muita literatura relacionada ao tema ou que as decisões de localização não sejam apenas relacionadas ao planejamento fiscal, diversas empresas já abriram, fecharam e transferiram fábricas e centros de distribuição levando em consideração os benefícios fiscais que poderiam capturar (Amaral, 2004).

Uma dimensão de sustentabilidade foi incorporada pela agregação, no custo total, do custo para compensar a emissão de gases do efeito estufa pela frota de veículos utilizada, empregando-se valores da Bolsa de Clima de Chicago para tonelada de carbono equivalente.

Assim, o modelo matemático incorpora os trade-offs existentes para a otimização logística (custos de estoques, transporte e distribuição, custos fixos, etc.), as políticas brasileiras de incentivo fiscal com base no crédito presumido de ICMS e o custo relativo ao volume de emissão de carbono. Dessa forma, consegue-se quantificar a influência da redução de impostos e desta questão ambiental nos custos logísticos e seus efeitos na configuração da rede logística.

Contexto brasileiro

Apesar de a Reforma Tributária proposta pelo Governo Federal estar em andamento, a mesma ainda deve demorar oito anos para ser aprovada e implantada, o que, por si só, já daria motivos para aprofundarmos o estudo fiscal relacionado à localização. Além disso, especula-se que os benefícios fiscais não serão completamente eliminados após a referida reforma devido à existência de grandes diferenças econômicas no país, que impõem a alguns estados a necessidade de oferecer benefícios fiscais para atrair empresas e, consequentemente, gerar empregos e fomentar a economia local.

Existe ainda a pressão de grandes corporações que já se estabeleceram em locais onde existe a incidência de benefícios fiscais e que, com uma mudança nesse cenário, tenderiam a abandonar suas instalações e se mover para estados mais competitivos e/ou mais próximos de sua demanda. Essa movimentação traria sérias consequências à comunidade local, que teria sua economia fortemente afetada (Netto, 2003).

Além da influência dos benefícios fiscais, os fatores relacionados ao desenvolvimento sustentável e o tema da mudança do clima, com suas consequências para as atividades econômicas, ocupam um espaço cada vez maior nas preocupações das sociedades. Um dos fatores de destaque na busca de um desenvolvimento sustentável é a redução da emissão de gases do efeito estufa (UNFCC, 2001). Já existem mecanismos para empresas compensarem suas emissões através de um efetivo mercado de carbono, que incluem a Bolsa do Clima de Chicago e a Bolsa do Clima Européia, além dos tradicionais projetos de redução (Capoor, Ambrosi, 2008).

Incentivos fiscais

Segundo Netto (2003), existem vários tipos de incentivos fiscais, porém o autor classifica dois deles como sendo os mais importantes:

  • Crédito financeiro: consiste no financiamento subsidiado de parte ou do total dos débitos do ICMS da empresa, de modo a prolongar o prazo para quitação dos débitos relativos a este imposto;
  • Crédito presumido: o estado concede uma redução do montante do imposto devido indicado na nota fiscal (NF) sem alterar esse montante no documento fiscal, de modo que a redução é efetuada no momento do pagamento do imposto e o comprador recebe o crédito integral indicado na NF.

Podemos dizer que o crédito presumido é mais eficaz que o crédito financeiro na atração de investimentos, uma vez que esse mecanismo oferece uma redução real sobre o valor a ser pago dos tributos, ao invés de apenas postergar o prazo de pagamento.

Descrição do problema estudado

O estudo realizado (Carraro, 2009) se aplica a uma rede de distribuição física composta por três elos – fábrica, centro de distribuição e mercado (vide Figura 2) –, a partir dos quais se formulou um modelo que representa o fluxo de distribuição e que é capaz de determinar a configuração ótima da malha logística (quantidade, capacidade e localização de cada elo) com o menor custo total para a empresa.

Os fluxos são orientados da fábrica para os centros de distribuição, e destes para o mercado. Obrigatoriamente, todos os produtos devem passar pelos três elos da cadeia até chegar ao mercado consumidor final, pois este é o modelo operacional adotado atualmente pela empresa, que utiliza o seu CD para preparar os pedidos dos clientes.

O modal de transporte utilizado para todas as movimentações é o rodoviário, considerando a existência de três tipos de veículos: para a transferência entre as fábricas e os centros de distribuição são utilizados somente veículos pesados (carretas); e, para a distribuição até o cliente, caminhões menores, como trucados e VUCs (Veículos Urbanos de Carga).

Avaliação da influência de aspectos logísticos, fiscais e ambientais no projeto de redes de distribuição física
figura-2

Os diversos produtos fabricados e distribuídos foram agregados em três grupos, devido a semelhanças no aspecto produtivo. O cálculo de preço de venda, margem e demais características inerentes ao produto foram feitos de forma ponderada, de modo a respeitar o mix real da empresa.

Existem três possíveis localizações para as fábricas, cada uma com capacidade para atender sozinha a toda a demanda do mercado para todos os produtos, e sete localizações para os centros de distribuição, três delas nos mesmos estados onde podem estar as fábricas e as quatro restantes próximo às capitais de maior concentração de demanda, nas regiões Sul e Nordeste.

Cada tipo de produto deve ser fabricado na sua totalidade em apenas umas das fabricas, devido às restrições das instalações das linhas de produção; no entanto, os mercados podem ser abastecidos por mais de um centro de distribuição.

As variações de estoque causadas pelas variações na malha em função do número de centros de distribuição são contabilizadas através do cálculo do estoque em trânsito, referente aos arcos da malha. O impacto do fornecimento de matéria-prima dos fornecedores para as fábricas também é considerado no custo total.

O ICMS incidente sobre as transações é 100% repassado ao mercado, porém não se considera o crédito de ICMS gerado pela compra de matérias-primas na fábrica, devido ao mesmo ser acrescido pelo fornecedor no momento da compra.

Por fim, apenas a emissão de carbono realizada pelo transporte é considerada, assumindo-se que as emissões realizadas pelas fábricas e centros de distribuição não sofrem mudança devido ao seu local de abertura ou capacidade, uma vez que 100% da demanda são atendidos.

Modelo

Um modelo de Programação Linear Inteira Mista foi desenvolvido para este problema de localização de fábricas e centros de distribuição de forma a minimizar o custo total, levando-se em consideração aspectos logísticos, fiscais e de emissão de carbono equivalentes.

Para a resolução do problema proposto foi utilizada como linguagem de manipulação algébrica o GAMS e o CPLEX 11.0 como solver, proporcionando maior flexibilidade ao modelo e possibilitando maior velocidade de adequação de cenários.

O modelo levou aproximadamente 15 segundos para chegar à resposta otimizada de cada cenário, sendo composto por 3.333 variáveis (317 variáveis binárias e 3.016 variáveis reais) e 3.498 restrições, contendo 3.917 parâmetros.

Foram elaborados seis cenários de modelagem, sendo que em cada um isolou-se uma das variáveis para se entender os impactos associados às mesmas (logísticos, fiscais e ambientais).

Vale ressaltar também que, para se chegar às conclusões finais, foi realizada uma série de análises de sensibilidade, de maneira a testar a robustez e adequação do modelo em estudo. As análises realizadas levaram em conta variações de preço, margem, valor de mercado do carbono, fornecimento de matéria-prima, demanda e nível de serviço.

Conclusões

Conforme dito anteriormente, este trabalho inova ao inserir uma parcela de custos da emissão de carbono na função objetivo, de modo a obter entendimento mais profundo dos trade-offs existentes entre os custos logísticos, os benefícios fiscais e os custos ambientais oriundos da emissão de carbono pelo transporte, em um caso típico da indústria de bens de consumo no Brasil.

O cenário com benefício fiscal aplicado simultaneamente nos estados de Minas Gerais e Goiás é baseado na estrutura otimizada, com a inclusão de dois fatores de benefício fiscal sobre o saldo de ICMS acumulado: nas operações do CD em Belo Horizonte, de 9%, e nas operações do CD em Goiânia, de 3%.

Pode-se dizer então que, a partir dos resultados analisados, os benefícios fiscais realmente impactam na localização das fábricas e centros de distribuição e que o aumento nos custos logísticos é facilmente compensado pelos benefícios fiscais incidentes em cada um dos cenários. A Figura 2 mostra o cenário base, onde não há benefício fiscal, com custo total de R$ 106,1 milhões, versus um cenário onde se permite benefício fiscal irrestrito, com custo total de somente R$ 17,1 milhões! Isto ocorre porque, apesar do custo logístico ser muito maior (R$ 128,7 milhões), a redução de impostos de R$ 111,6 milhões compensa essa logística ineficiente. A ineficiência provém do maior fluxo de transporte, também conhecido no mercado como “turismo fiscal”, isto é, o movimento extraordinário de mercadorias para a indústria se beneficiar dos incentivos.

Avaliação da influência de aspectos logísticos, fiscais e ambientais no projeto de redes de distribuição física
figura-3

Destaca-se também que os fluxos deste cenário estão 100% concentrados nos CDs localizados em ambos os estados com oferta de incentivo fiscal, tal como era esperado.

Além disso, constata-se que o custo da parcela referente ao carbono em nada afeta o resultado do modelo, mesmo existindo um aumento de 56,1% da emissão realizada entre o cenário puramente logístico e o cenário com existência de beneficio fiscal, como pode ser observado na Tabela 1.

 

Deve-se comentar que foram feitas análises em que os preços da tonelada de carbono equivalente foram aumentados em até oito vezes, sem mudar as conclusões acima.

Dessa maneira, conclui-se que a política fiscal existente afeta demasiadamente o meio ambiente, aumentando as emissões de carbono na atmosfera e aumentando o fluxo de veículos de carga nas rodovias do país, com efeitos negativos na segurança, na conservação das estradas e no trânsito, gerando outro importante “custo Brasil”.

Bibliografia

CAPOOR, K.; AMBROSI, P.. State and Trends of the Carbon Market 2008. Washington DC: World Bank, 2008.

CARRARO, Plínio R.. Avaliação da influência de aspectos logísticos, fiscais e ambientais no projeto de redes de distribuição física. Dissertação de Mestrado. Programa de Engenharia de Sistemas Logísticos – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.

MELO, José Eduardo Soares. ICMS: Teoria e Prática. 9ª ed. – São Paulo: Dialética, 2006.

NETTO, J.S.M.. Guerra fiscal entre os estados. Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados de Brasília, 2003.

SILVA, Mariana Bergmann da. Otimização de redes de distribuição física considerando incentivo fiscal baseado no crédito presumido de ICMS. Dissertação de Mestrado. Programa de Engenharia de Sistemas Logísticos – Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.

United Nations Framework Convention On Climate Change – UNFCCC– Protocolo de Quioto. 2ª edição – Brasília: MCT, 2001.

YOSHIZAKI, H.T.Y.. Projeto de Redes de Distribuição Física Considerando a Influência do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços. Dissertação (Livre Docência) – Escola Politécnica, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2002.

YOSHIZAKI, H.T.Y.; HINO, Celso M.; ROSIN, Rafael A.. Reforma Tributária: avaliando a influência do Novo Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na futura configuração da logística brasileira. Anais do XL Simpósio Brasileiro de Pesquisa Operacional. João Pessoa, 2008.

Hugo Yoshizaki
Professor do Departamento de Engenharia de Produção, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (POLI/USP)
Coordenador do Programa de Mestrado em Engenharia de Sistemas Logísticos da Escola Politécnica da USP (POLI/USP) e do Curso de Especialização em Logística Empresarial da Escola Politécnica da USP (POLI/USP)
hugo@usp.br
Tel.: (11) 3091-5450

Plínio Rillo Carraro
Gerente de supply chain e logística da AccentureMestre em Engenharia de Sistemas Logísticos pela Escola Politécnica da USP (POLI/USP)
plinio.carraro@accenture.com
Tel.: (11) 5188 1731

Este artigo é resultado de estudos realizados por pesquisadores do CISLog (Centro de Inovação em Engenharia de Sistemas Logísticos) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo – Poli-USP. O CISLog é um grupo de pesquisa que tem como finalidade congregar, integrar, organizar e consolidar diferentes competências e capacidades em logística no âmbito da Poli. Entre outras iniciativas educacionais, o CISLog atua no Programa de Mestrado em Engenharia de Sistemas Logísticos (www.sistemas.logisticos.poli.usp.br) e no Curso de Especialização em Logística Empresarial da Escola Politécnica da USP.

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