A modernização do setor de transporte rodoviário de carga, responsável por mais de 60% do tráfego de mercadorias no Brasil, é estratégica para melhorar o sistema logístico do país. Visando esse objetivo, um conjunto de ações que envolve o governo federal, empresas e entidades representativas do setor tem sido adotado. Entre as iniciativas, destacam-se as medidas para ampliar a utilização do pagamento eletrônico de frete, um serviço moderno e eficiente que contribui para combater um esquema de sonegação de impostos estimado em R$ 12 bilhões ao ano pela Consultoria Deloitte.
O pagamento eletrônico de frete foi instituído para substituir a carta-frete, uma forma de pagamento ilegal de frete que ainda é adotada nas estradas brasileiras e que abre brechas para a sonegação de impostos. Com o fim do esquema que drena recursos públicos, o governo federal poderá aumentar o seu orçamento para investir na manutenção, conservação e ampliação das estradas brasileiras, reduzindo o gargalo logístico. Além disso, a título de comparação, a cada ano seria possível construir 41 hospitais com 255 leitos cada um, utilizando-se os R$ 12 bilhões sonegados anualmente, conforme estimativa da Deloitte.
A extinção da carta-frete também é considerada um importante passo para regulação do transporte de cargas, nevrálgico para o país. Para impulsionar a utilização da modalidade eletrônica de pagamento, a Ampef (Associação dos Meios de Pagamentos Eletrônicos de Frete) e a CNTA (Confederação Nacional dos Transportes Autônomos) fecharam uma parceria para criar uma Câmara de Conciliação, um fórum que passou a operar em setembro de 2020 para o caminhoneiro autônomo tirar dúvidas e resolver problemas referentes ao pagamento eletrônico de frete.
Câmara de Conciliação: ágil e eficiente
A Câmara de Conciliação foi lançada no 36º Fórum Permanente para o Transporte Rodoviário de Carga (Fórum TRC), ocorrido em agosto de 2020, evento que tem o objetivo de discutir ações do Ministério da Infraestrutura e de entidades do setor. Desde o início do funcionamento da Câmara, foi possível verificar as vantagens deste fórum, dentre elas a agilidade para a solução de questionamentos apresentados pelos caminhoneiros.
No primeiro caso atendido pela Câmara, o problema foi resolvido em menos de 48 horas. Segundo a queixa de um caminhoneiro, havia ocorrido um desconto indevido de cerca de R$ 1,2 mil no saldo de um frete. Seguindo o procedimento, a CNTA contatou a Ampef, que, por sua vez, intermediou o problema junto à Instituição de Pagamento Eletrônico de Frete (IPEF) envolvida, resultando na redução do desconto para R$ 400. A efetiva implantação do pagamento eletrônico de frete garante formalidade ao caminhoneiro autônomo, o elo frágil desta cadeia. Ao receber por meio desta modalidade, toda a renda dele passa a ser declarada e contabilizada. Isso facilita, por exemplo, o acesso destes profissionais a linhas de financiamento para aquisição de novos caminhões, possibilitando a renovação da frota de veículos dos caminhoneiros autônomos cuja média de tempo de uso chega a 21 anos. Além disso, o caminhoneiro recebe o pagamento integral pelo serviço, tem comprovante de renda e direito à aposentadoria.
Leis e regulamentos para acabar com a carta-frete
A Lei nº 12.249/2010 estabeleceu a proibição de uso da carta-frete, conforme o artigo 128 que alterou o artigo 5ºA da Lei nº 11.442/2007. Na resolução 3.658, de abril de 2011, a ANTT definiu que o pagamento passaria a ser efetuado de forma eletrônica. Em maio do mesmo ano, a ANTT instituiu a aplicação de multas a transportadoras que continuassem a utilizar a carta-frete como forma de combater um "instrumento ajurídico", de acordo com um parecer do jurista Ives Gandra Martins. Segundo o jurista, a carta-frete "fere o ordenamento jurídico do país" e "enseja regime de semi-escravidão, aprisionando o caminhoneiro a seu contratante".
A carta-frete é apenas um pedaço de papel com o valor do frete que o contratante entrega ao caminhoneiro a título de pagamento pelo carreto. O valor não é registrado e funciona como um vale que o carreteiro deve trocar em postos de combustíveis previamente selecionados pelo contratante, por combustível, alimentação e hospedagem. Grandes distorções ocorrem nos postos predeterminados, como a cobrança de ágio nos preços para os que pagam com carta-frete e a venda casada nas transações. Calcula-se que, ao final de cada viagem contratada, o caminhoneiro recebe em dinheiro cerca de 30% do que foi estabelecido pelo serviço de frete.
Com a mudança das regras legais, as IPEFs têm de informar a cada transação com o Transportador Autônomo de Cargas (TAC), de maneira on-line, todos os dados do frete ao governo federal (carga, destino, valores). Desta forma, os órgãos públicos, como o Ministério da Infraestrutura e a ANTT, conseguem ampliar o controle da movimentação de cargas nas estradas e os valores que estão sendo transacionados no transporte, o que contribui para uma maior fiscalização e tributação pela Receita Federal.
Banco Central definiu novo marco legal para pagamentos eletrônicos
Outra ação importante que contribui para a modernização do setor é o novo marco regulatório instituído pelo Banco Central para arranjos de pagamento eletrônico, que começou a vigorar em dezembro de 2014, disciplinando o setor de cartões de pagamento eletrônico, dentre eles o de frete. As IPEFs foram obrigadas a obter a habilitação do Banco Central para operar, evitando o ingresso de empresas de fachada e coibindo a sonegação, a lavagem de dinheiro e o Caixa 2 promovidos pela prática da carta-frete. Graças a este conjunto de iniciativas, o governo federal, empresas e entidades representativas passam a atuar, de forma coordenada, de modo a garantir a contínua melhoria do sistema de transporte de cargas do país, essencial para o crescimento econômico. Seguindo os passos para modernizar o setor de transporte rodoviário de carga, a criação da Câmara de Conciliação alinha-se, desta forma, ao compromisso de combate à ilegalidade e de valorização do trabalho do caminhoneiro autônomo com a ampliação do sistema de pagamento eletrônico de frete.