A reboque do traumático evento da greve de caminhoneiros que aconteceu entre maio e junho deste ano, o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei 4860/16, que cria um novo marco regulatório para o transporte de carga no país. O Projeto de Lei 75/2018 (nova numeração) tem o objetivo de normatizar questões como a problemática dos eixos suspensos no pedágio, a responsabilização criminal dos motoristas e o pagamento do frete em atraso, entre outros diversos pontos. É uma tentativa de trazer uma baliza protetora aos interesses dos transportadores, tornando sua relação com os embarcadores e tomadores de transporte mais transparente e segura. Majoritariamente, é algo positivo. Mas a redação da lei está repleta de paradoxos. E o problema diz respeito justamente ao universo dos seguros.
Os grandes alicerces da legislação para embarcadores e transportadores não sofreram grandes mudanças. Desde 1966, no Brasil, o embarcador é obrigado a contratar seguro para os eventos de caso fortuito, ou força maior. Os transportadores, da mesma forma, também sempre estiveram obrigados a contratar o seguro de Responsabilidade Civil. Então, do ponto de vista legal, as obrigações de cada um se completavam.
Mas até onde o transportador deve responder por roubo, assalto e desvio de carga? Segundo consultoria jurídica, a jurisprudência foi ao longo do tempo se sedimentando no consenso de que se não houver vulneração de uma falha grave no programa de gerenciamento de risco imposto ao transportador, este não pode responder por aquele roubo. Nesse caso, a conta iria para o embarcador, que absorveu o risco patrimonial daquele bem.
Agora, isso vai mudar. Segundo o artigo 12 da Lei 4860, o seguro de Responsabilidade Civil de Desvio de Carga (RC-DC) deverá ser obrigatoriamente contratado pelo transportador. O que era conhecido como instrumento de dispensa de direito regresso (DDR) está, portanto, expressamente vetado por lei – alteração brutalmente significativa nas rotinas do cotidiano do transporte de cargas.
O texto da lei, no entanto, é contraditório. Os parágrafos 3o e 4o do artigo 12 isentam o transportador em determinados casos, tornando optativo o que inicialmente era obrigatório.
Na prática, isso quer dizer que, caso haja uma declaração formal por parte do embarcador, é possível dispensar a obrigação da contratação do RC-DC, imposta anteriormente. Isso pode dar margem a inúmeras discussões e disputas judiciais, mas parece uma condição de escape necessária a ambas as partes. Isso porque o transportador, agora obrigado a contratar o RC-DC, talvez não queira mais se comprometer a transportar uma carga de alto valor num trajeto de alto risco, sem que a carga esteja protegida pelo tomador/embarcador no âmbito securitário.
A nova lei também impõe a inserção do plano de gerenciamento de riscos (PGR) no contrato de seguro da transportadora e formaliza a maneira como os embarcadores debitam os transportadores por avarias. Outra coisa explicitada na lei é a perda total: agora, está assegurado ao transportador e à sua seguradora o salvado. E em casos de danificação do produto por atrasos ou outros imprevistos, o transportador responde pelo valor do frete, salvo disposição ao contrário.
Há ainda questões de difícil aplicação prática, como a discutida no artigo 14, que determina o descanso obrigatório dos motoristas. Muitas vezes, aos motoristas, não são recomendadas a realização de certas paradas, devido à alta periculosidade do trecho. Isso leva a mais um cenário de possibilidade de disputa: como ele vai obedecer, ao mesmo tempo, a lei de jornada e o plano de gerenciamento de risco?
Não há como dar caminhos definitivos para uma lei que ainda está em gestação. Quando isso for devidamente aprovado no aspecto legal, ainda vamos carecer de um prazo razoável para receber da Superintendência de Seguros Privados (Susep) a regulamentação. Vale também lembrar que o transportador continua sem se responsabilizar por avarias particulares e que o Seguro de Responsabilidade Civil de Desvio de Carga só ampara sua responsabilidade nos casos de roubo, extorsão, furto ou sequestro concomitantes com o veículo transportador (ao menos, conforme redação vigente deste seguro). Ou seja, desvios de carga sem extravio do caminhão poderão não ser cobertos.
Muitas empresas já estudam alternativas de não dependência do transportador rodoviário clássico como hoje é feito. Mas a mensagem que fica é: preservem suas relações com seus transportadores e suas respectivas seguradoras. Quando temos uma alteração de marco legal dessa proporção, que muda toda a contratação de um mercado, é preciso tomar os devidos cuidados para que a formatação dos seguros seja bem-feita, garantindo a proteção patrimonial do cliente da forma mais sustentável possível, assim como o devido ampara da responsabilidade civil dos transportadores -, ambos carecem de modelos eficientes e adequados de transferência de riscos, tudo em conformidade com as legislações vigentes.