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A interdependência entre educação, desenvolvimento e democracia

Por Paulo Roberto Guedes el 6 de agosto de 2018 a las 15h07 (atualizado às 15h08)
Paulo Roberto Guedes

Nos campos da política à economia, da saúde à segurança pública, da educação à geração de empregos, ou da infraestrutura à urbanização, são muitos os problemas para o Brasil resolver. E, dado o lamentável estado em que se encontra o país atual, todos com urgência e merecendo a atenção de qualquer governo.

Quando se discute economia, por exemplo, é quase automático abordar os baixos índices de produtividade que caracterizam grande parte do processo produtivo brasileiro e que diminuem nossa competitividade.

Recentes estudos do Banco Mundial (“Emprego e Crescimento: A agenda da produtividade”), por exemplo, dão conta que, caso a produtividade brasileira fosse similar à dos Estados Unidos, a renda per capita no Brasil aumentaria 2,7 vezes se comparada com a atual. E o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), em seu documento “Desafios de uma Nação”, aponta que seria preciso que o Brasil, além de dobrar os investimentos em infraestrutura, multiplicasse por três (de 0,5% ao ano para 1,5% ao ano) a expansão da produtividade, caso queira, em 2050, dobrar a renda per capita do brasileiro.

Já o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ao preparar seu novo programa de linhas de financiamento para o desenvolvimento (constante no documento “Visão 2035 – Brasil, país desenvolvido”, publicado em março deste ano), explicita: “crescimento (econômico) acima de 2% aa, de forma sustentada, só com grandes saldos de produtividade”. E mais adiante: “uma das razões da baixa produtividade brasileira é a baixa qualidade da educação básica”.

O economista Eric Hanushek, doutor em economia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e professor da Universidade de Stanford, nos EUA, fez um estudo em cerca de 80 países e constatou que “a boa formação escolar de uma população explica em torno de 75% do Produto Interno Bruto (PIB)”. “E olhe que estamos tratando apenas de conhecimento básico mesmo – matemática, linguagem, ciências e a capacidade de juntar as peças e solucionar problemas simples”.

O coordenador do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), matemático Marcelo Viana, por sua vez, em entrevista feita para a Revista Veja, de 27 de abril 2016, quando comentava sobre a relação entre educação e ciências e o PIB, também demonstrou ter o mesmo entendimento, quando afirmou que, segundo estudos feitos na Inglaterra, “uma boa base educacional e científica na área (matemática, no caso), aumenta o PIB do país em cerca de 10%. Isso ocorre porque, graças à matemática de excelência, a produtividade se eleva em campos como a computação e as engenharias, que fazem girar a roda da economia criando empregos muito acima da média”.

A educadora e coordenadora pedagógica do Grupo Horizontes, Neda L. M. Branco, diz que “investir na linguagem como centro do processo educativo e responsável pelo universo vocabular, pela leitura significativa e pela comunicação, tanto oral, quanto escrita, é primordial, pois só através dela é que o indivíduo terá acesso a todas as áreas do conhecimento. Linguagem e pensamento são conceitos correlatos”. O que se espera do ensino básico, continua a educadora, é que se possa “promover a emergência de seres pensantes, capazes de entender plenamente o que ouvem e o que leem, para agir de forma operatória sobre enunciados lógicos e científicos, bem como para proceder à intelecção e análise de textos de qualquer gênero”.

Segundo a diretora sênior global de Educação do Banco Mundial, em artigo publicado no Estadão de 29 de novembro de 2015, quando comentava as informações do Relatório do Banco Mundial (Sustentando Melhorias no Emprego e nos Salários no Brasil: uma Agenda de Competências e Empregos), “o desenvolvimento de competências como leitura, interpretação de textos, raciocínio matemático e de aplicação de um repertório científico e cultural em problemas da realidade é importante para qualquer caminho profissional posterior”. “Essas competências devem ser trabalhadas nas escolas regulares e reforçadas em cursos profissionais ao longo da vida de cada indivíduo”.

Portanto, pode-se concluir que ganhos de produtividade somente poderão ser obtidos a partir da capacitação de pessoas, uma vez que, de forma direta, são elas as responsáveis pelo sucesso das atividades voltadas à inovação, ao desenvolvimento da tecnologia, da ciência e das pesquisas.

Para isso, uma das receitas defendidas por muitos especialistas é unir o setor produtivo às escolas, convencendo estas últimas de que, além do relevante papel na educação dos jovens, via transmissão de conhecimentos, elas também precisam produzir conhecimentos voltados ao processo produtivo, notadamente as universidades e os cursos técnicos, com programas específicos que estimulem a inovação, o empreendedorismo, a sustentabilidade e o gosto pela pesquisa. Nesse ponto, permito-me reforçar: a união entre a classe empresarial e os responsáveis pelo direcionamento da educação precisa ocorrer desde o ensino médio, pois é fundamental estimular os alunos, principalmente os adolescentes, que ir à escola não é uma “coisa ruim”, podendo se transformar, além de útil, em uma atividade agradável. E isso, repito, em todos os níveis educacionais, pois o prosseguimento na vida escolar ficará totalmente comprometido caso a base não esteja com os mesmos objetivos e a mesma qualificação. Escolas com alto padrão de ensino, nas quais os alunos não ficam somente decorando datas e fórmulas, mas aprendendo a resolver problemas, estão diretamente ligadas ao aumento da produtividade e, consequentemente, ao crescimento de um país. Profissionais capazes e bem formados são instrumentos de empreendedorismo, inovação e de aumento da produtividade.

Infelizmente o Brasil está atrasado! Além de termos, ainda, um número altíssimo de analfabetos (segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios [PNAD] do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], são mais de 12,8 milhões de brasileiros, isto é, 7,2% da população brasileira com mais de 15 anos), são péssimas as colocações do Brasil nas avaliações de desempenho educacional. Nos níveis médio e fundamental (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes [Pisa], Índice de Desenvolvimento da Educação Básica [Ideb], ou Exame Nacional do Ensino Médio [Enem]) nossas avaliações são desastrosas. E quando analisamos os resultados dos exames realizados pelos recém-formados, um verdadeiro vexame (Ordem dos Advogados do Brasil [OAB] e Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo [Cremesp] são exemplos). Sem considerar, é claro, o baixo percentual de alunos que concluem o ensino superior: segundo dados do Censo de Ensino Superior do Ministério da Educação (MEC), em 2016 foi de apenas 43,1%.

Segundo relatório do Banco Mundial (“Competências e Empregos: Uma agenda para a juventude”), publicado no início deste ano, metade dos jovens brasileiros com idade entre 19 e 25 anos têm futuro ameaçado, pois possivelmente poderá não participar dos melhores empregos gerados no país. O relatório ainda aponta uma triste realidade: 52% desses jovens estão com produtividade muito inferior às medias mundiais e com suas formações atrasadas. “É uma população que vai ser vulnerável, vai ter mais dificuldade de achar emprego e corre maior risco de cair na pobreza”, comentou Martin Raiser, diretor do Banco Mundial no Brasil.

É óbvio que a baixa qualidade do estudante brasileiro tem a ver, entre outras causas, com as dificuldades encontradas pelo corpo docente que, com baixa remuneração e falta de perspectivas, precisa trabalhar muito mais do que pode, sacrificando, inevitavelmente, a qualidade do ensino, na medida em que ele tem menos tempo para estudar, fazer cursos de formação, de aperfeiçoamento didático, de desenvolvimento de novas metodologias de ensino e, até mesmo, para preparar melhor suas aulas e dar maior atenção aos seus alunos. Segundo o Instituto Nacional de Estudo e Pesquisa (Inep) do MEC, mesmo em São Paulo, estado mais rico da federação, entre os professores do ensino fundamental (1º ao 5º ano), 44,6% trabalham em mais de uma escola.

E se na rede pública esse percentual é de 29,1%, na rede privada é de 53,9% no ensino fundamental (do 6º ao 9º ano) e de 54,4% no ensino médio. Outra pesquisa realizada no âmbito nacional, pelo Movimento Todos pela Educação mostra que 29% dos professores do ensino médio fazem dupla ou tripla jornada em outros lugares para complementar a renda, sendo que a maioria presta serviços, inclusive, fora da área do ensino. Ainda segundo essa pesquisa, no setor privado 38% tem jornada extra, no setor público municipal esse percentual é de 22% e no setor público estadual é de 30%.

Mas faço questão, aqui, de ressaltar comentário da antropóloga da Universidade de São Paulo (USP) Eunice Durham: “Na prática, (os professores) não sabem alfabetizar. Escrevem mal. Não sabem matemática básica e não sabem sequer ensinar aritmética. São muito mal formados, inclusive, já antes, no ensino fundamental. E não há nenhum processo para reforçar a formação”. Ana Carla Abrão, economista e sócia da Consultoria Oliver Wyman, em artigo publicado no Estadão em 1º de maio de 2018 é clara: “Os cursos de pedagogia não atraem os melhores e formam mal aqueles que atraem”. Não bastassem esses tipos de problemas ainda temos que conviver, principalmente nas universidades, com a utilização da educação para fins ideológicos, que além de ‘desorientar’ os alunos, ainda cria um clima de 'patrulhamento' que ignora os valores da tolerância e da democracia. Para piorar, segundo Maurício Guedes, engenheiro e diretor do Parque Tecnológico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em artigo escrito em 11 de abril de 2018 para o jornal Valor, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão que tem como uma de suas atribuições, financiar cursos de mestrado e doutorado, reduziu seu orçamento em 34% entre 2015 e 2017. E para 2018 as expectativas são piores! Haja atraso!

Essas mesmas carências ocorrem quando nos deparamos com as estatísticas que avaliam a Inovação no Brasil (a posição do país no Índice Nacional de Inovação, elaborado pela Universidade de Cornell, dos EUA, Insead, da França e pela Organização Mundial de Propriedade Industrial, é a 69ª entre 127 países analisados. Entre 2011 e 2016 nosso país perdeu 22 posições), ficando evidente que é cada vez mais difícil obter benefícios oriundos da “inovação” e do desenvolvimento tecnológico, a não ser pela via da importação. Aliás, como demonstram os seguidos déficits de nossa balança comercial de produtos de média/alta e alta tecnologia.

Observando agora os índices de investimento em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), um dos principais pilares do desenvolvimento de um país, o Brasil também não tem muito o que comemorar, pois a maioria das pesquisas publicadas indica que os investimentos brasileiros nessa área estão muito abaixo da média observada nos principais países do mundo. Informações do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) indicam que apenas 15% do total arrecadado em 2016 (R$ 4 bilhões) foi liberado para o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação. O mesmo desempenho ruim se vê quando se analisa o Índice de Prontidão às Mudanças (capacidade de reação às mudanças que, em tempos cada vez menores, acontecem em todo o mundo), elaborado pela KPMG: em 2017, entre 136 países, o Brasil ficou com a 79ª posição (nota 0,49 para um máximo de 1). Essa pesquisa também mostra nossas fracas notas em empreendedorismo e gastos públicos com inovação: 0,50 e 0,28, respectivamente.

Fala-se muito a respeito da Indústria 4.0 e das novas tecnologias que, sem dúvida, mudarão a sociedade, a política, economia e, mais especificamente, a forma como são “feitas as coisas”. E se o futuro chegou, interligando celulares, computadores, televisores, eletrodomésticos e todos os demais equipamentos que fazem parte da vida atual, proporcionando praticidade à nossa vida, isto também é verdade na vida empresarial. Imagine-se, por exemplo, na logística e na administração da cadeia de suprimentos, os benefícios que seriam obtidos com a utilização, de forma crescente, dessas tecnologias, seja na melhoria dos processos ou no gerenciamento mais eficaz dessas atividades.

É fato que o setor produtivo sofrerá impactos ainda não dimensionados completamente. E se de um lado essa “modernidade” no processo produtivo avança rapidamente em quase todos os segmentos da sociedade, o seu melhor aproveitamento, como não poderia ser diferente, ainda encontra alguns obstáculos. Um deles, reportado exaustivamente por executivos, técnicos e especialistas que atuam nessa atividade, é a falta de profissionais qualificados e de executivos que tenham condições de vislumbrar e trabalhar nos médio e longo prazos.

Marcos Vinícius de Souza, secretário de inovação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), ao informar que o órgão tem trabalhado muito para fazer um diagnóstico realista da indústria 4.0 no Brasil, comparando-o com outros mercados, identificou que 52% das indústrias brasileiras não usam nenhuma tecnologia digital. Já Ronaldo Fragoso, sócio-diretor de Desenvolvimento de Mercado da Deloitte, comentou que na pesquisa realizada por sua empresa, com 1,6 mil executivos de todo o mundo, dos quais 100 deles do Brasil, 60% deles não se consideram preparados para a mudança imposta pela indústria 4.0. E que no caso brasileiro há dificuldades diversas para uma correta implantação da indústria 4.0, tais como a necessidade de definir novos investimentos, dificuldades de infraestrutura e oferta de internet estável, legislação e política industrial incerta, além do desafio de qualificar a mão de obra localmente. “Compor esse ambiente tecnológico leva tempo e é um desafio. Precisamos trabalhar em uma mudança cultural”, completa Fragoso.

Resumindo: a baixa qualidade do ensino, em todos os níveis, a ineficácia dos investimentos realizados (mais do que a quantidade de recursos é preciso discutir formas mais eficazes e corretas de aplicação e controle, até porque o Brasil tem índices de investimento satisfatórios e acima até de países desenvolvidos), o pouco e ineficiente incentivo nos campos da ciência, da pesquisa e da inovação, são diretamente proporcionais às baixas qualificação e capacitação do trabalhador brasileiro, em todos os níveis e, consequentemente, obstáculos ao aumento da produtividade do trabalho, ao devido, correto e completo aproveitamento dos avanços gerados pela tecnologia, à competitividade e ao desenvolvimento. Círculo vicioso que, de forma cruel, condena qualquer país ao atraso.

Portanto, repetindo o que tenho citado em artigos anteriores, é preciso transformar nossos trabalhadores em verdadeiros profissionais, focados nos clientes, capacitados, inovadores, preparados para a solução de problemas e para o futuro, principalmente no que diz respeito aos avanços tecnológicos. Mas, também, como dito pela escritora Lya Luft, “mais educados”, pois segundo ela, “um povo educado é um povo informado, que saberá ter consciência de suas responsabilidades e escolher seu destino. Com a educação de todos, sem exceção, virão os demais benefícios necessários a um povo digno, como saúde, infraestrutura, segurança, economia equilibrada e florescente, ótimas relações com países estrangeiros e lugar de destaque entre as nações civilizadas” (“Deseducando o Brasil”, publicado pela Revista Veja do dia 3 de fevereiro de 2016). Nada mais verdadeiro!

Para que o Brasil avance, de forma concreta e sustentável, rumo ao futuro, é imprescindível, entre outras providências também urgentes, que a educação se transforme em prioridade nacional e seja considerada como estratégica e instrumento eficaz de desenvolvimento, pois não há espaço para improvisos, incompetência, demagogia ou populismo. Alie-se a tudo isso que educação de alto nível também é fundamental para a manutenção da democracia, da cidadania e da dignidade de seu povo, seja como ser humano, cidadão ou profissional. A educação ainda é, inquestionavelmente, o melhor caminho, o mais rápido e de menor custo, para se promover o desenvolvimento e se alcançar melhorias efetivas no processo de distribuição de renda e de diminuição das desigualdades. Eis aí uma boa agenda para os próximos governantes, pois enquanto isso não ocorrer, nos manteremos na posição de país do futuro.

A interdependência entre educação, desenvolvimento e democracia

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