Devido à originalidade do tema sobre a logística de distribuição com veículos elétricos, todos os eventos relacionados ao assunto na Europa estão lotados. É interessante como ainda persistem dúvidas em uma prática que já é uma realidade no Velho Continente, desde os veículos elétricos compartilhados até a distribuição urbana em larga escala. Neste artigo procuro justificar o porquê e as questões que envolvem uma tecnologia que veio para ficar.
Começando pela justificativa: mais da metade da população mundial – 3,9 bilhões de pessoas – vivem em cidades. A expectativa da Organização das Nações Unidas (ONU) é que esse número cresça rapidamente nas próximas décadas. De acordo com o órgão, por volta de 2050 teremos 6,4 bilhões de pessoas vivendo no ambiente urbano. Já é possível imaginar uma das consequências desse fato: a necessidade de um aumento e o consequente estresse em muitos equipamentos urbanos, desde a necessidade de moradias, uso da energia, sistemas de saneamento, segurança pública, gestão do lixo, transporte e mobilidade, entre outros.
Somente o item transporte atualmente é responsável por aproximadamente 30% da emissão de gases de efeito estufa e 95 % da energia utilizada hoje ainda vem da queima de combustíveis baseados em petróleo, notadamente gasolina e diesel. Também é de conhecimento geral que tais gases são responsáveis pelo estranho comportamento do clima, desde calor e frio extremados, situações que já vêm afetando diretamente a vida das pessoas.
As cidades devem continuar sendo abastecidas de mercadorias e serviços. Se mantidas as formas de distribuição atuais, teremos um crescimento exponencial do uso de veículos comerciais. Considerando que a frota de veículos continue utilizando combustíveis fósseis, o resultado inevitável serão cidades inviáveis de se viver observando apenas o aspecto da poluição ambiental. Portanto, para reverter esta situação, dentro do repertório de soluções uma das alternativas é o uso da eletricidade para veículos comerciais. O que, pelo mesmo motivo, já vem acontecendo gradativamente com veículos particulares.
De fato, o transporte elétrico possui o único combustível que é, ao mesmo tempo, eficiente, sustentável, seguro, escalável, acessível e principalmente disponível em simples tomadas nas cidades. Apesar do investimento inicial de aquisição ser superior aos veículos de combustão tradicional, os veículos elétricos apresentam custos de energia e de manutenção consideravelmente menores.
Em muitos países existem subsídios que amortizam os custos iniciais, objetivando reduzir o tempo de conversão da frota para veículos elétricos e preservar a qualidade de vida de uma população consciente de seus benefícios.
No entanto, enquanto a tecnologia das baterias é fundamental para o sucesso dos veículos elétricos, a disponibilidade de pontos de recarga dessas baterias tem a mesma importância, porque aumenta o alcance de uma viagem e a eficiência na distribuição de mercadorias e serviços.
Independente da tecnologia utilizada nas baterias, a autonomia dos veículos elétricos ainda é um fator limitante nas operações logísticas. Essa autonomia depende de um conjunto de fatores:
A degradação diminui a vida útil da bateria e exige a troca prematura da mesma, que devido ao seu custo pode anular os benefícios econômicos do veículo elétrico. Uma carga total na bateria exige maior tempo e tem como contraponto menor degradação. As cargas parciais podem ser mais rápidas e contribuem para a degradação da bateria.
Recomenda-se uma carga total quando o veículo estiver na base no final de uma jornada de trabalho. Muitas vezes isso acontece enquanto se está carregando o veículo para uma próxima viagem, geralmente à noite. Em países com uma cobrança diferenciada de energia durante períodos do dia, usa-se realizar essa carga em períodos mais favoráveis em termos de custo. Durante o trajeto pode ser necessário realizar uma parada para recarga em uma estação de carga elétrica. Essas paradas devem ser rápidas para não prejudicar o serviço planejado, portanto utilizam-se recargas parciais.
Estações que podem abastecer mais de um veículo diminuem o tempo parado e improdutivo do mesmo. Esse é um fator importante quando o veículo estiver fora da base realizando o trabalho. Distâncias de até 80 km, adequadas para a logística urbana, estão dentro da cobertura normal de uma carga total da bateria. Distâncias acima de 80 e até 300 km devem sofrer recargas parciais durante o trajeto.
A temperatura externa também influencia. Observa-se que nos dias de maior calor a bateria apresenta melhor desempenho, embora com maior degradação. Na Europa percebe-se muito bem esse fator devido às diferenças relevantes de temperatura durante algumas estações do ano, principalmente no inverno.
Embora o veículo elétrico possa ser recarregado em estações de carga elétrica durante o percurso, também sabemos que o maior número de recargas curtas poderá degradar a bateria. As baterias modernas possuem um dispositivo eletrônico que permite aferir a quantidade de energia restante, denominado state of charge, ou situação da carga da bateria, em português. Tal dispositivo pode enviar essa informação para uma central de monitoramento da frota ou mesmo ser consultado pelo motorista, da mesma forma que o indicador de reserva do tanque de combustível orienta algum tipo de ação.
São muitos os pesquisadores que estão se debruçando com o objetivo de encontrar soluções que adaptem os algoritmos utilizados atualmente para planejar de forma ótima as rotas para os veículos comerciais elétricos à bateria. A essência da função objetivo na distribuição é sempre a mesma, ou seja, minimizar o número de veículos empregados e seus trajetos em tempo ou km. Mas no caso do veículo elétrico devem ser considerados parâmetros conhecidos antes do despacho, como situação geral de carga da bateria, distância em km da viagem, localização das estações de carga elétrica, avaliação da necessidade de desvio de trajeto e tempo para recarga.
Outros parâmetros devem ser obtidos dinamicamente, como situação real da carga da bateria, paradas imprevistas no trânsito, temperatura ambiente, desvios não planejados, retenções maiores no local do cliente etc.
Devido a todos esses fatores os algoritmos de otimização de rotas devem ser basear em roteirização parcialmente dinâmica, que é uma combinação de um planejamento antes do despacho do veículo elétrico com ajustes no plano de rotas devido aos fatores externos mencionados.