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Nova regra para mistura de biodiesel entra em vigor neste sábado (1) e divide opiniões

Mistura mínima de 12% de biodiesel no diesel representa esperança de maior sustentabilidade, porém ainda levanta preocupações no mercado de logística
Por Gabriela Medrado em 31 de março de 2023 às 12h30 (atualizado em 03/04/2023 às 11h58)
Nova regra para mistura de biodiesel entra em vigor neste sábado (1) e divide opiniões
*Com edição de Raphael Minho

O setor de combustíveis inicia o segundo trimestre com uma mudança importante na mistura de biodiesel. A partir deste sábado (1), a mistura mínima de biodiesel no diesel deixa de ser de 10% e passa para 12%, conforme aprovado pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) em 17 de fevereiro. O cronograma de aumentos graduais do conselho prevê que a mistura deve chegar a 15% até 2026.

A medida vem dividindo opiniões desde fevereiro, nas semanas que antecederam a reunião do CNPE. Enquanto empresários do agronegócio e produtores de biocombustíveis comemoram o aumento na mistura estabelecida por lei, alguns players dos setores de transportes e logística ainda encaram a medida com cautela.

A Confederação Nacional dos Transportes (CNT) foi uma das primeiras a se posicionar em nota contra a possibilidade do aumento, ainda em fevereiro. As ressalvas foram desde um possível aumento no preço dos combustíveis, culminando em inflação, a preocupações em relação à segurança do biodiesel para o maquinário dos veículos.

A previsão do Ministério de Minas e Energia é de que o novo mandato de biodiesel aumente em 2 centavos o preço do diesel na bomba para o consumidor. 

Em resposta à CNT, a Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio), a União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio) e a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) lançaram uma nota conjunta acusando a confederação de "disparar inverdades" em uma estratégia de "enganação da opinião pública".

A tréplica veio em uma outra nota conjunta assinada por 9 entidades representantes do setor de transportes: a própria CNT, Brasilcom, Abimaq, Anfavea, Abicom, SindTRR, Fecombustiveis, NTC & Logística – Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística e Fenabrave.

As associações travam uma disputa sobre a sustentabilidade do biodiesel, e se o seu uso em maiores concentrações é seguro e economicamente viável no Brasil.

Sustentabilidade
Um dos argumentos levantados pela CNT foi que o aumento do mandato de biodiesel pode não ser tão sustentável quanto parece.

A confederação alegou em nota que uma porcentagem maior do combustível pode diminuir a eficiência energética dos motores, aumentando o consumo. "Isso faz com que os veículos passem a emitir mais poluentes, especialmente óxido de nitrogênio", afirma a confederação.

No entanto, estudos realizados no Brasil e no mundo afirmam que tanto o biodiesel puro como misturas no diesel diminuem a emissão de particulados. A Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), com apoio técnico da ANP, MME e da Embrapa, apresentou que o biodiesel pode reduzir de 70 a 94% das emissões de gases de efeito estufa.

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Um estudo da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) na região metropolitana de São Paulo constatou que a mistura de 12% de biodiesel no diesel B evita 277 mortes por ano e faz com que a população deixe de perder dez dias de vida desde o nascimento.

O aumento na mistura de biodiesel faz parte do compromisso brasileiro com a descarbonização, marcado pela assinatura do Acordo de Paris pelo Brasil e em consonância com os esforços internacionais pela redução das emissões de carbono.

O programa Renovabio, instituído pela  Lei nº 13.576/2017, estabeleceu metas nacionais anuais de descarbonização para o setor de combustíveis, incentivando o aumento do uso de biocombustíveis na matriz energética de transportes do país.

Problemas em veículos
Outra preocupação em relação ao novo mandato do diesel B é sobre a sua segurança para os veículos. O biodiesel é produzido atualmente no Brasil através do processo de transesterificação. Os óleos vegetais que servem de matéria-prima possuem triglicerídeos que são transformados em ésteres e glicerina. O processo forma uma borra com resíduos poluentes. "Na prática, esse sedimento danifica peças automotivas, bombas de abastecimento, geradores de hospitais, máquinas agrícolas e motores estacionários", afirma o CNT.

Para a confederação, na experiência anterior do Brasil com o mandato B13 já foi possível observar problemas: "Há diversos relatos de panes súbitas em ônibus e caminhões, que se desligaram sozinhos durante o funcionamento em rodovias".

A Aprobio, a Ubrabio e a Abiove afirmam que no Brasil "nenhum dano a máquinas e motores foi comprovado pela ação direta ou indireta da utilização do biodiesel, nas misturas até 15% em alguns casos 20%", e lembram que as especificações do biodiesel no Brasil, definidas pela RANP 45/2014, são mais rigorosas que na Europa.

Em 2019, foi publicado um estudo de longa duração supervisionado pelo Ministério de Minas e Energia e com participação de grandes fabricantes de veículos no Brasil. O estudo apresentou testes com as misturas B15 e B20, e a maioria das empresas teve resultados positivos ou satisfatórios. O parecer geral foi favorável ao aumento do uso de biodiesel para até 15%.

No entanto, algumas empresas tiveram ocorrências específicas, como Mercedes-Benz, Volkswagen, Scania e Renault. Dentre as queixas, estavam entupimento dos injetores, contaminação do óleo lubrificante, menor duração do óleo e obstrução do filtro de combustível, possivelmente causados pela oxidação do combustível.

A Anfavea concluiu por não recomendar o aumento, pedindo alterações na especificação do combustível que garantam mais estabilidade. A AEA também recomendou a manutenção da mistura B10.

A reportagem da Tecnologística entrou em contato com o Ministério de Minas e Energia (MME) para obter esclarecimentos sobre as divergências apontadas acima, mas a pasta não quis se pronunciar sobre o tema.

Comunidade internacional
Seguindo o cronograma aprovado pelo Renovabio, o Brasil chegou até o mandato B13 em 2021. A previsão era chegar até 14% de mistura do biodiesel no mesmo ano, mas o número recuou para 10%, após uma decisão do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), na tentativa de frear o aumento no preço dos combustíveis.

Chegar aos 15% este ano era uma expectativa do mercado desde a criação do programa, e vista como uma forma de incentivar o mercado produtor do biocombustível.

O Brasil atualmente é o 3º maior produtor de biodiesel do mundo, atrás apenas da Indonésia e dos EUA. A Indonésia passou a adotar o mandato B35 em fevereiro deste ano. Nos EUA, a regulação varia de acordo com o estado e pode chegar a até 20% de biodiesel, como é o caso do Minnesota nos meses de abril a setembro de cada ano.

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No restante do mundo, as posições são variadas: a comunidade europeia adota a mistura B7, enquanto o Japão e a Índia utilizam a mistura B5. Já na Argentina, a mistura máxima de 12,5% foi estendida por tempo indeterminado desde 2022.

Alternativa
As porcentagens de mistura de biocombustíveis parecem ser altamente influenciadas pela capacidade de produção de cada país, um fator que parece impulsionar o Brasil na corrida pelos combustíveis verdes.

As entidades do setor de transportes e cargas assinantes da nota conjunta, no entanto, apontam uma acomodação dos produtores brasileiros com a tecnologia atual do biodiesel, baseada na transesterificação. "Com a mesma soja e demais biomassas que se faz o biodiesel de base éster é possível fazer o diesel verde (HVO), este, sim, sustentável e funcional".

O HVO (óleo vegetal hidrotratado), assim como o biodiesel, pode ser produzido a partir de óleos vegetais, gorduras residuais, como o óleo de cozinha, e gorduras animais. Mas neste caso, os óleos entram em contato com hidrogênio sob alta pressão.

O novo biocombustível já é encontrado em postos na Europa, Ásia e América do Norte, e promete emissões de poluentes inferiores ao biodiesel. "A verdade é que os atuais produtores de biodiesel não querem perder o lucro fácil e rápido do biodiesel de base éster, nem investir na modernização do processo industrial para produzir diesel verde”, completa a nota.

O HVO já é produzido e estudado pela Petrobras, mas ainda não tem regulamentação no Brasil. Já para o biodiesel, a estimativa do Ministério de Minas e Energia é que a produção nacional passe dos atuais 6,3 bilhões para mais de 10 bilhões de litros anuais, entre 2023 e 2026.

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