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Economia de mercado, globalização e democracia correm perigos?

Por Paulo Roberto Guedes em 29 de junho de 2022 às 9h00 (atualizado em 06/07/2022 às 14h19)
Paulo Roberto Guedes

Como já comentei em textos anteriores, o senhor Putin, com a invasão da Ucrânia, conseguiu “resgatar” a União Europeia e fazê-la, novamente, uma das regiões protagonistas do cenário mundial. O mesmo aconteceu, guardadas as devidas proporções, com a própria OTAN - Organização do Tratado do Atlântico Norte (1), que está saindo fortalecida desse episódio. 

E se rápidas e importantes sanções, com razoável grau de eficácia foram tomadas pela UE contra a Rússia, com significativo nível de consenso entre todos os 27 países que a compõem, mesmo com o risco de se perder o fornecimento de gás e petróleo vindos da Rússia, é porque a UE fez o que muitos não esperavam. A UE parece ter entendido os graves riscos que passaria a correr, caso Putin continuasse avançando como no início do conflito.

A Europa, mais especificamente, também passou a compreender, de forma definitiva e também ‘custosa’, que não pode depender, como até então, dos diversos tipos de energia fornecidos pela Rússia. Até porque, e além de tudo, são altamente poluentes e danosas ao meio-ambiente. Os ministros de energia do G-7, em recente reunião na Alemanha, ao afirmarem ser urgente realizar a transição para as energias renováveis, estabeleceram metas concretas para a instalação de “setores de eletricidade predominantemente descarbonizados até 2035”. 

À bem da verdade e por mais incrível que possa parecer, não há quaisquer dúvidas que a invasão russa coloca em ‘xeque’ não somente os valores democráticos, mas a própria Democracia (2) e, no curto prazo, também a Globalização, pelo menos da forma como a conhecemos hoje.

Aqui vale lembrar que já a partir da pandemia da Covid-19 começaram a ser criados os primeiros obstáculos à globalização, na medida em que muitos países começaram a entender não ser conveniente depender demasiadamente de produtos e serviços importados. Principalmente àquela época, com relação a produtos e insumos químicos e farmacêuticos, ou oriundos dos países mais contaminados pela doença e com dificuldades de realizarem suas exportações. Fosse pela diminuição efetiva da produção ou mesmo por terem suas estruturas logísticas totalmente desestruturadas. 

Outro ponto importante a destacar, foi o aproveitamento que os representantes da Direita mais extrema, ou de um nacionalismo exacerbado e populista, fizeram com relação ao tema, posto que políticas de defesa do mercado interno e de proteção das empresas locais começaram a surgir de forma crescente em todo o mundo.   

Acredito que mesmo considerando insumos e produtos mais essenciais, será muito difícil qualquer país ‘viver de forma totalmente independente’. Até porque a própria iniciativa privada, ao decidir sobre investimentos e a rentabilidade de seus negócios, continuará procurando a forma mais eficaz para produzir, inclusive no que diz respeito à escolha e a localização dos mercados consumidores ou fornecedores. Vale lembrar também, que a própria China, totalmente interdependente de quase todo o mundo é, atualmente, o maior protagonista da Globalização. Como muito já se disse a respeito, a melhor resposta aos problemas gerados pela globalização e o excesso de liberalismo econômico (economias sem regras e/ou controles), é buscar uma forma mais eficaz de praticá-los, adaptados às novas realidades e nos quais o combate à desigualdade seja de fato levada à sério.

De qualquer forma, todo o mundo ainda se sente inseguro, considerando que não se vislumbra o término do conflito tão breve como se deseja e todos os cenários futuros são de incertezas, inclusive nos campos econômico e financeiro, uma vez que as sanções aplicadas contra a Rússia, já começam a gerar efeitos colaterais muito rapidamente para todos (3), inclusive o Brasil (4). 

O mundo todo sofrerá consequências e muito precisará ser feito para minimizar seus efeitos maléficos, pois além de significativa diminuição da produção de um conjunto enorme de produtos, notadamente aqueles que eram produzidos na região e outros que foram ‘desviados’ para a produção bélica e a manutenção de exércitos, houve uma ruptura importante, quando não uma grande desorganização, em grande parte da cadeia mundial de suprimentos. 

Evidente que transformações nas cadeias de valor também geram impactos no próprio processo de globalização, não raras vezes, colocando em confronto os interesses regionais e os interesses globais. Agenda Nacional versus Interesse Global é, em muitos casos, a nova questão que se apresenta. As discussões da comunidade europeia, com respeito a outras providências a serem tomadas com relação à guerra da Ucrânia ilustram essa ‘dicotomia’. 

Parece que o Sr. Putin errou e nada evoluiu como anteriormente - invasões da Georgia (2008) e da Criméia (2014) – pois como escrevi em outro artigo, publicado no Portal do Guia do TRC dia 07/03/22 (“A invasão da Ucrânia pela Rússia, a Democracia e o Brasil”), a Ucrânia, assim como outros países que eram totalmente influenciados pela antiga União Soviética, optou por ficar mais próxima do mundo ocidental e democrático e “fugir” da influência de países com características autoritárias.

Mas todo cuidado é pouco, pois como escreveu Thomas Friedman, em reportagem do New York Times publicada no Estadão dia 22/03/22 (“Plano A de Biden contra plano B de Putin”), caso não possa “ocupar e manter toda a Ucrânia por meios militares e simplesmente impor seus termos de paz”, o Sr. Putin, além de atacar áreas residenciais, como já acontece, na pior das hipóteses poderá lançar mão de planos mais drásticos, incluindo-se aí, a utilização de armas químicas e nucleares. 

É preciso, portanto, viabilizar uma “saída” para Putin e a China tem papel fundamental, pois ela não tem qualquer interesse – assim como todo o mundo – em um prolongamento da guerra (5), posto que é um país com extrema interdependência à quase todo o mundo ocidental, em termos comerciais, financeiros e econômicos. A China, assim como os EUA e a UE, sabem que expandir a interdependência entre países é uma necessidade estratégica. Ou melhor, geoestratégica. 

Relatório Global Trends 2040, do Conselho Nacional de Inteligência dos EUA indica que “os desafios que os riscos geopolíticos criam vão piorar”. Diz o relatório que “nas próximas duas décadas, a competição pela influência global provavelmente atingirá seu nível mais alto desde a Guerra Fria”, na medida em que os diversos atores, notadamente China, Rússia, EUA e EU, competirão “para promover suas ideologias, objetivos e interesses”. Como todos sabemos, na mesma proporção em que os atritos políticos se sucedem, interna ou externamente entre nações ou regiões, também aumentam as possibilidades de termos operações e atividades pessoais e empresariais afetadas em seus desempenhos.

Adicione-se a tudo isso, os terríveis impactos que serão gerados às economias europeias e aos países, direta ou indiretamente, envolvidos no conflito. Os riscos de recessão na Europa e até mesmo nos EUA não estão descartados, assim como, e já se constata, inflação alta e mais duradoura do que outras. Sem dúvida, a desorganização da produção e das estruturas logísticas correspondentes, são fatos incontestes e os ‘danos’ são percebidos em todo o planeta.

O mundo ocidental já sabe que a Democracia, o Estado de Direito e a Economia de Mercado, incluindo aqui o fenômeno da globalização, ainda se mostram como o melhor caminho para a prosperidade global, e que isso somente é possível dentro de um ambiente de segurança e de respeito às instituições mundiais vigentes. Mas é preciso reconhecer seus defeitos e criar uma nova ordem, posto que as outras alternativas apresentadas são piores. 

Henry Kissinger, ex-assessor para assuntos internacionais de diversos governos norte-americanos, em seu livro “Ordem Mundial”, publicado pela Objetiva em 2015, escreveu que “uma nova ordem mundial de Estados que afirmem a dignidade individual e uma forma de governo participativa, e que cooperem em âmbito internacional segundo regras previamente acordadas, pode ser o objeto de nossas esperanças e deveria ser motivo de nossa inspiração”. E que para se obter uma “genuína ordem mundial, seus componentes, ainda que mantendo seus próprios valores, precisam adquirir uma segunda cultura que seja global, estrutural e jurídica – um conceito de ordem que transcenda a perspectiva e os ideais de uma única região ou nação” (grifos meus). Não é tarefa fácil, mas deveria ser o objetivo de todos nós, incluindo os estadistas do mundo atual. O Brasil está preparado?

  1. A OTAN é uma organização criada com objetivo de defender militarmente, e de forma coletiva, todos os seus associados em caso de ataque externo. Fazem parte da OTAN os EUA, o Canadá e mais 28 países europeus.

2. Putin “falhou em seu objetivo de nos dividir, em minar nossa crença no direito fundamental das nações soberanas de escolherem seu destino e seus aliados”, escreveu no Estadão (17 pp) o Encarregado de Negócios da Embaixada e Consulado dos EUA no Brasil. E finalizou: “na disputa entre democracia e autocracia, soberania e subjugação, não se enganem: a liberdade vai prevalecer”.

3. Em artigo publicado no “braziljournal.com/opinião” (“As sanções contra a Rússia e a nova arquitetura financeira global”), Roberto A. Attuch Jr, ex-diretor do Credit Suisse e do Barclays e fundador da Ohmresearch, escreveu que “o congelamento pelos EUA de parte das reservas russas trouxe a especulação de que o mesmo possa eventualmente acontecer com os US$ 3 trilhões de ativos chineses em títulos americanos. O nível de interdependência e até mesmo simbiose entre as duas maiores economias do mundo nos diz que caso essa possibilidade seja sequer considerada, “all bets are off”. O colapso nos mercados faria 2008 parecer uma brincadeira”, pois dadas as enormes incertezas existentes, tudo “dependerá do futuro político da Rússia e de sua relação com a China. Mas é possível que o uso das sanções financeiras tenha atingido seu ápice e estejamos caminhando para uma nova arquitetura financeira global”.

4. Empresas suspensas na rede Swift (“Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication”), que nada mais é do que um sistema de padronização de comunicação entre bancos, notadamente com relação às transferências de valores, não tem como realizar operações financeiras – e comerciais – com outras empresas, posto que os fluxos financeiros são suspensos. De forma simples: o dinheiro dos importadores brasileiros não chega aos exportadores russos e o Brasil tem mais de 60% dos seus fertilizantes e adubos importados da Rússia. Dados da Secex (Secretaria de Comércio Exterior) indicam que o Brasil, em 2021, importou da Rússia, mercadorias que alcançaram o valor de US$ 5,7 bilhões, com expectativa de, em 2022, elevar esse valor ao dobro.

5. E como escreveu no Estadão dia 14 pp, o Sr. Wang Huiyao, presidente do Center for China and Globalization, “quanto mais a guerra durar, mais revigorará a aliança ocidental em torno da ideia de um confronto de valores entre Oriente e Ocidente, aproximando ainda mais EUA e EU e aumentando os orçamentos militares em todo o mundo”. Ainda, segundo o senhor Wang, “esse cenário não é bom para a China, que prefere manter laços econômicos lucrativos e concentrar seus recursos no desenvolvimento interno”.

“O desafio chinês - A cumplicidade com a Rússia pode ter vantagens geoestratégicas para a China, mas é incompatível com a ordem global” é o título do editorial do Estadão do dia 19 pp.: “A China está alinhada com a Rússia em sua hostilidade às democracias liberais. Pouco antes da invasão, ambas declararam uma “amizade calorosa” e “sem limites”. Uma vitória rápida teria servido à China, favorecendo sua narrativa da decadência americana e preparando o cenário para uma invasão a Taiwan. Mas uma combinação da resistência ucraniana, da inaptidão russa e de uma enérgica coordenação ocidental frustrou esses planos” e o “prolongamento da guerra ameaça a globalização econômica”. 

Economia de mercado, globalização e democracia correm perigos?
Paulo Roberto Roberto Guedes, sócio-diretor da Ripran Consultoria e conselheiro da Abol
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