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A solução está na caixa

Por Redação em 15 de agosto de 2005 às 17h54 (atualizado em 12/05/2011 às 11h22)

O sucesso de um país passa pela eficiência logística. Esta é maior com o multimodalismo. E este é sinônimo de contêiner. Não é exagero dizer que a força econômica de uma nação está diretamente ligada ao volume destas caixas de aço que ela movimenta. É um fato no mundo todo. E está mais claro agora no Brasil, onde a legislação que cria a figura do Operador de Transporte Multimodal (OTM) determina que só será assim considerado aquele que garantir o trânsito da carga consolidada da origem ao destino. Ou seja, fazer os produtos passarem aos poucos de um modal para outro durante uma viagem, apenas para reduzir custos com frete, não é exatamente uma vantagem logística. Intermodalidade efetiva é promover o fluxo mais rápido utilizando os melhores meios. E essa agilidade só é obtida quando o carregamento está unitizado.

Baseado nesta constatação, o Centro de Estudos em Logística do Coppead/UFRJ realizou uma pesquisa, sob coordenação do seu diretor, professor Paulo Fernando Fleury, para identificar a quantas anda o uso do contêiner no Brasil em comparação com outros países. Os resultados não só surpreendem, positiva e negativamente, mas apontam claramente a direção que o governo deve dar aos seus investimentos em infra-estrutura.

A primeira observação é que a unitização é um fenômeno mundial que vem crescendo vertiginosamente, no ritmo do comércio internacional. O Brasil não está alheio a essa evolução, porém ainda tem um longo caminho a trilhar para ganhar o que pode nesta área.

O País mais que dobrou suas receitas com exportações na última década. De R$ 43,5 bilhões em 1994, passou a R$ 96,5 bilhões em 2004. É importante lembrar que, deste montante, 55% foram produtos manufaturados e mais 14% semi-manufaturados. Os produtos primários, que respondem por dois terços do volume movimentado, têm importância menor na balança comercial. "Os grãos e minérios, que são os maiores usuários da infra-estrutura logística, corresponderam a menos de 30% do total das receitas com exportações", aponta Fleury.

A relação entre os rendimentos para o País e o uso da malha de transporte é inversamente proporcional. Cada tonelada de calçados exportada equivale a US$ 15,4 mil, enquanto o mesmo volume de soja gera US$ 220. "O produto que mais consome investimentos em infra-estrutura traz 70 vezes menos divisas para o País do que o setor calçadista", conclui o professor.

Mais que o PIB

A solução parece simples e batida: aumentar as exportações de industrializados. O Brasil vem fazendo isso, mas poderia estar ganhando muito mais, se desse conta de escoar um volume maior. Os números apontam o quanto ainda podemos crescer. Há dez anos, o mundo movimentava 128 milhões de TEUs (unidade de medida correspondente a um contêiner de 20 pés). Em 1998, já eram 169,6 milhões - um crescimento de 32%. Quatro anos depois, foram mais 57%, chegando a 266 milhões de TEUs. E a evolução continua.

Basta comparar esse quadro com o das exportações mundiais para entender a importância da unitização no atual cenário. O volume de vendas entre os países cresceu 16,2% entre 1997 e 2002; já a movimentação de contêineres aumentou 65,7%.

O transporte da carga unitizada também vem se multiplicando no Brasil. Em 1994, o País exportou 1,1 milhão de TEUs. Esse número dobrou em 1998 (2,2 milhões). E em 2002 chegamos a 3,5 milhões - um acréscimo de 72%. Em 2004, o volume foi de cinco milhões e nos próximos dois anos devemos chegar a sete milhões.

A comparação com os índices da economia nacional não deixa dúvidas sobre o momento da multimodalidade: o PIB brasileiro cresceu 13,97% entre 1999 e 2004; o comércio exterior teve uma grande evolução, de 63,72%, mas a movimentação de contêineres deu um impressionante salto de 131,94% neste período - o que corresponde a dez vezes a taxa de crescimento do País.
O mesmo fenômeno é notado nas nações desenvolvidas. Em 1994, os Estados Unidos já exportavam 19,7 milhões de TEUs. Chegaram a 23,3 milhões em 1998; 29,5 milhões em 2002 e alcançaram 35,7 milhões de TEUs no ano passado. Diminuímos a diferença em relação aos americanos, que movimentavam 20 vezes mais que nós há uma década e hoje estão "apenas" sete vezes à frente.

No caso dos EUA, a unitização também é maior que o crescimento econômico. Enquanto o PIB local aumentou 14,5% entre 1999 e 2004 e o comércio exterior, 32,6%, a movimentação de contêineres saltou 44%.

Longe dos líderes

Mesmo com esta sensacional arrancada da multimodalidade, nosso desempenho ainda é pífio no cenário global. O maior porto da América do Sul, o de Santos, é somente o 53° do mundo no ranking de entradas e saídas de cargas unitizadas, com 1,6 milhão de TEUs por ano. Hong Kong, que é o líder, movimenta 20,8 milhões de TEUs.

"Só poderemos aumentar esse volume e, conseqüentemente, nossas exportações de alto valor, se melhorarmos os acessos aos portos, pois os terminais de contêineres já fizeram o possível com investimentos em modernos equipamentos para operações de carga e descarga", assevera Fleury.
E os gargalos não estão apenas nas estradas e ferrovias que levam aos portos brasileiros. O calado dos canais está cada vez menos adequado aos navios de grande porte que já operam nos principais portos do mundo. A média de contêineres transportada por embarcação nos Estados Unidos é de 3,3 mil TEUs - chegando a seis mil TEUs por viagem em portos como o de Los Angeles. No Brasil, esse volume é de 2,2 mil TEUs.

Outro problema para o governo brasileiro pensar urgentemente é o das ferrovias - um modal que ainda está longe de contribuir o que pode para o transporte de carga geral unitizada. Enquanto os portos brasileiros movimentaram, no ano passado, cinco milhões de TEUs, os trens carregaram apenas 159 mil. E isso porque o volume de contêineres transportados em via férrea vem crescendo: 8,5% em 2001; 33% em 2002 e 20,3% em 2004. "As concessionárias priorizam os grandes volumes, mesmo dependentes de picos, como a safra da soja, quando poderiam firmar contratos de longo prazo com a indústria, com carga de alto valor garantida para o ano todo", diz o professor.
Nos Estados Unidos, o movimento da carga geral em ferrovias cresceu 8,4% em 2002, 10,3% no ano seguinte e mais 8,6% em 2004. Mas lá os trens transportam dez milhões de TEUs por ano, quase cem vezes o que transporta o sistema ferroviário brasileiro.

Outro dado que faz toda a diferença: no Brasil, o maior volume carregado em via férrea é o do minério de ferro, e o maior faturamento é o da soja. Os americanos tinham o carvão como principal carga ferroviária até 1998 (25% do total contra 18% em contêineres), mas em 2003 os produtos unitizados ultrapassaram os granéis e, no ano passado, essa relação era de 23% para a carga geral ante 21,5% de carvão em termos de receita.

Um dos fatores que multiplicaram o uso da ferrovia pela indústria americana foi o advento do vagão doublestack, que transporta dois contêineres de cada vez, empilhados um sobre o outro. "Enquanto eles dobraram a capacidade de carga por comboio, nós enfrentamos o problema da bitola estreita, de um metro de largura, que impede esse tipo de configuração", explica Fleury.

Privatizem os acessos

A pesquisa do CEL/Coppead ouviu os responsáveis pelos dez terminais privados de contêineres que operam nos portos brasileiros - os de Rio Grande (RS), Itajaí e São Francisco do Sul (SC), Paranaguá (PR), Santos (SP), Sepetiba e Rio de Janeiro (RJ), Vitória, Salvador e Suape (PE).

A conclusão é de que o grande entrave às exportações brasileiras ainda está nas mãos do governo, que não privatizou os acessos marítimos e terrestres aos portos e pouco faz para melhorá-los. Numa escala de um a cinco, os diretores de terminais deram nota três aos acessos rodoviários aos seus portos, a mesma com a qual avaliavam o quadro há três anos. E pior: acreditam que o cenário será quase o mesmo no próximo triênio, evoluindo para uma nota 3,6. No modal ferroviário, a avaliação melhorou de 3 para 3,6 nos últimos três anos e, acredita-se, chegará a 4,4 em 2008.

Os problemas mais críticos dos portos brasileiros, segundo os entrevistados, são a falta de investimento governamental e das concessionárias nos acessos e o avanço de favelas sobre as linhas férreas. Numa escala de zero a cinco, eles deram nota abaixo de 2,5 para o nível de melhoria nestes itens nos últimos anos.

Também apontaram como gargalos a largura das rodovias (como no caso de Sepetiba) e a falta de áreas de estacionamento. "Portos como o de Santos nem têm linhas segregadas para trens, que rodam na mesma faixa dos caminhões. Resolver é possível, como fez Los Angeles, onde havia 150 cruzamentos de ruas com a ferrovia. Fizeram um acesso subterrâneo para o porto de 36 quilômetros, com quatro linhas paralelas. Isso custou US$ 2,2 bilhões", relata o professor.

Segundo ele, o modelo de gestão estatal dos acessos fracassou porque as administrações portuárias têm de priorizar seus recursos para a mão-de-obra, mesmo cobrando para fazer dragagens - cerca de US$ 200 mil por ano. "Está claro que o contêiner domina o comércio internacional. Já melhoramos muito neste ponto, mas nosso quadro hoje se assemelha a um sanduíche, com um recheio de ótima qualidade, que é a operação nos terminais, mas entre duas fatias de pão murchas, uma do acesso terrestre e outra do marítimo. Ou o governo privatiza os acessos aos portos ou teremos graves problemas de crescimento no país", vaticina.
(André Sales)

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