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Resiliência climática e infraestrutura logística: juntos reconstruiremos o Rio Grande do Sul

Vidas perdidas, cidades imersas, paisagens e moradias completamente destruídas: a tragédia causada pelas enchentes do Rio Grande do Sul nos mobiliza e conscientiza para importância de adotar medidas de resiliência climática em todo Brasil
Por Mariana Avelar em 6 de junho de 2024 às 15h21
Mariana Avelar

Os efeitos da mudança climática são sentidos globalmente e, em não raramente, afetam de forma mais intensa populações vulneráveis. Eventos climático extremos tem sido cada vez mais apontados como riscos relevantes para toda sociedade, e impactam especialmente toda a cadeia de valor logística.

A recente tragédia do Rio Grande do Sul, com enchentes sem precedentes em todo o estado, provoca a reflexão coletiva de como devemos prevenir e mitigar o risco de eventos semelhantes no futuro. Não se trata de simplesmente apontar culpados, mas de instar os responsáveis a adotar todas as medidas que possam preservar vidas e negócios em face de eventos climáticos extremos. 

Em entrevista sobre a tragédia do RS ao Canal Corporativo, Frederico Bussinger afirmou a “importância de, quando se lida com águas, consultar-se primeiro a experiência”.  Nesses casos além da redução do aquecimento global e medidas de descarbonização, é preciso enfrentar a materialização dos riscos dos efeitos da mudança climática que já estão em curso.
Os riscos climáticos que afetam o setor logístico surgem justamente da interseção entre a ocorrência de eventos climáticos e componentes da infraestrutura. 

O endereçamento desses riscos – desde as políticas públicas aplicadas ao setor logístico até a gestão dessas infraestruturas – é um desafio que merece maior atenção dos setores público e privado. É nesse aspecto que ações em prol da resiliência climática ganham centralidade no debate. Para avançar no debate da resiliência climática, convém recapitular análise comparativa de definições realizadas pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento em Framework and Principles for Climate Resilience Metrics in Financing Operations. 

Nesse framework destaca-se que alguns aspectos sobre “resiliência deve permitir que os sistemas funcionem e até floresçam face a choques e stresses, que a maioria das definições inclui componentes de limitação dos danos causados por perturbações e de recuperação de choques, e que a gestão da mudança é fundamental, mas apenas algumas definições incorporam mudanças transformadoras”.  

Ainda segundo o framework do BID, “a resiliência climática poderia ser associada a um conjunto de verbos diferentes, como absorver, acomodar, adaptar, antecipar, resistir, lidar, melhorar, aprender, manter, preservar, recuperar, reorganizar, responder, restaurar e transformar. Estes verbos podem, consequentemente, ser associados a um conjunto de atributos específicos da resiliência climática, como proteção, robustez, preparação, recuperação, diversificação, redundância, integração/conexão e flexibilidade, que podem ser entendidos como características de um sistema resiliente às alterações climáticas”.

Considerando em especial esses atributos de resiliência e o desenvolvimento de métricas para medir seu avanço e implementação, passamos a divulgar experiências já testadas bem como achados de pesquisas relevantes para o desenvolvimento de políticas públicas e ações de responsabilidade ambiental por parte de organizações privadas com objetivo de endereçar riscos climáticos.

Canal de informações oficiais
Antes de passar as ações propriamente relacionadas ao desenvolvimento de resiliência climática, é importante destacar a necessidade de mecanismos de gestão de crise em casos de tragédias. Em especial, destaca-se a implementação de canal para divulgação de informações oficiais, a qual serve a três propósitos básicos: informar a população afetada, possibilitar a articulação da sociedade civil que deseja contribuir e por fim, preservar a integridade das informações, combatendo ações de desinformação.

No caso do Rio Grande do Sul, o canal SOS Rio Grande do Sul traz informações e serviços do governo do Rio Grande do Sul em resposta aos efeitos das enchentes de 2024, inclusive com os dados para recebimento de doação via PIX e do estado atualizado da malha logística.

Igualmente importante tem sido o Repositório de informações geográficas para suporte à decisão - Rio Grande do Sul 2024, site que conta com mapas para o público em geral e mapas para acesso avançado, além de bancos de dados e análises que ajudam a tomada de decisão e planejamento da reação a tragédia. 

  • Benchmarking de ações para resiliência climática

Ações de resiliência climática para transportes terrestres
Na seara de ações voltadas aos transportes terrestres merece destaque o programa Adapta Vias, projeto do Ministério dos Transportes, no âmbito do Memorando de Entendimento firmado com a Agência Alemã de Cooperação Internacional - GmbH no Brasil.

O programa em questão aborda principais impactos e os riscos da mudança climática sobre a infraestrutura de transportes existente no país e futuros projetos de rodovias e ferrovias, e indica cinquenta e oito ações para preservar a infraestrutura viária brasileira.

O principal foco do estudo foram os três tipos de impacto mais relevantes para as ferrovias e rodovias, quais sejam os deslizamentos, erosões e altas temperaturas. No caso das rodovias, foram analisados adicionalmente os impactos de alagamentos e queimadas.

O relatório indica medidas de adaptação e mitigação por modal, bem como soluções inspiradas ou originadas no próprio ambiente natural, conhecidas como soluções baseadas na natureza (SBN). O uso do Adaptavias e seu aprimoramento de acordo com peculiaridades locais tem grande potencial para incrementar a resiliência dos transportes terrestres brasileiros.

No âmbito das rodovias, também merece ser ressaltado estudo conduzido pelo Banco Mundial , que apresenta ferramentas especialmente voltadas à capacidade de resiliência a “desastres relacionados a risco geológico da infraestrutura de rodovias federais no Brasil”.  O relatório aplica metodologias inovadoras com objetivo de promover a revisão da capacidade de gestão de riscos de desastres em rodovias.

São especialmente analisados aspectos da capacidade institucional e coordenação, planejamento de sistemas, projetos de engenharia, operação e manutenção, medidas não-estruturais e planejamento de contingência. Propôs-se estudo de caso da rodovia federal BR-101, via exposta intensamente a riscos de deslizamento. De outro lado, as metodologias aplicadas incluem o uso de veículos aéreos não tripulados para monitorar o risco de deslizamento nas estradas, o mapeamento de áreas de risco de movimentos de massa e a metodologia de Tomada de Decisão Sob Incerteza (DMU), esta última fundamental para realização de análises econômicas eficazes para avaliação dos benefícios econômicos advindos do incremento da resiliência da infraestrutura rodoviária.

Ações de resiliência climática no setor portuário
Dentre as iniciativas ligadas ao universo dos portos, merece destaque a série de estudos desenvolvidos pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários- ANTAQ em parceria com a organização alemã GIZ (Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit). O grupo de trabalho apresentou relevante diagnóstico dos principais portos públicos brasileiros e a última etapa dessa iniciativa resultou na apresentação de guia metodológico para a condução e levantamento de risco climático e medidas de adaptação para infraestruturas portuárias, a qual pode ser adaptada pelas autoridades portuárias em suas próprias análises de impacto climático e no desenvolvimento de estratégias para mitigar os riscos identificados. Tal guia indica expressamente que “conhecer os riscos climáticos é fundamental para a orientação de potenciais medidas de adaptação visando aumento da resiliência das infraestruturas e redução dos efeitos climáticos adversos sobre a operação”.

A conexão das questões climáticas portuárias com outros aspectos mais amplos é também essencial e nesse sentido, novas ações já podem ser vislumbradas. A GIZ e a ANTAQ assinaram recentemente um Memorando de Entendimento (MoU) para cooperação em programas nacionais internacionais relacionados à sustentabilidade e a novas fontes energéticas verdes, com destaque na cooperação em “áreas de interesse mútuo relacionadas à produção de hidrogênio verde, medidas sustentáveis nos portos, adaptação às mudanças climáticas na perspectiva das relações Porto - Cidade, descarbonização e novas fontes energéticas”.

Destaca-se ainda boas práticas desenvolvidas por operadores portuários. É o caso de estudo conduzido pelo Porto do Açu para analisar vulnerabilidades e riscos aos quais estão expostos a infraestrutura e operações críticas do porto. Foram identificados possíveis impactos das mudanças nos parâmetros médios e extremos de ondas, ventos, nível do mar e precipitação. Em artigo que publica os resultados desse estudo Silva et al (2022) concluem que ainda que o risco de eventos extremos aplicáveis ao Porto do Açu seja baixo, “o desenvolvimento e a manutenção‏ de um sistema de monitoramento  meteoceanográfico na área do porto, capaz ‏de medir, processar, armazenar e apresentar‏ em tempo real, com confiabilidade, os ‏parâmetros altura de onda, nível do mar, ‏correntes, ventos, índice pluviométrico etc, mostra-se tão relevante para o suporte ‏às atividades do dia a dia atuais no porto, ‏como também para o melhor entendimento ‏das mudanças ao longo do tempo”. Mais uma vez a importância de implementar modelos de gestão baseados em dados fica evidente.

Ações transversais
Além das ações específicas por modais, diversas ações transversais para condução e levantamento de risco climático, bem como para implementação de medidas de adaptação para essas infraestruturas tem sido desenvolvidas. Merecem destaques como projetos como o Apoio ao Brasil na Implementação Efetiva da Agenda Nacional de Adaptação à Mudança Climática – (PROADAPTA), o Programa Políticas Sobre Mudança do Clima (POMUC), a Proteção e Gestão Integrada da Biodiversidade Costeira e Marinha (TERRAMAR) e o International Hydrogen RamP-Up Programme  (H2UPPP).

E justamente por isso, tal material é um valioso instrumento para aprimoramento da governança da infraestrutura portuária. Como destacado por estudo de Indicadores para Governança da infraestrutura recentemente desenvolvido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico  (OCDE) boas práticas de governança da infraestrutura devem contemplar, dentre outros aspectos, a avaliação de dados e indicadores de resiliência climática para informar com evidências os processos em que governos priorizam, planejam, coordenam, orçam, entregar, regular e avaliar o investimento em infraestrutura, abrangendo todo o ciclo de vida de um dado projeto.

Dentre os projetos voltados a implementação de infraestruturas para prevenção de desastres em enchentes, merece destaque o Canal de Descarga Subterrânea Externa da Área Metropolitana de Tóquio, cuja implementação total ocorreu em 2006.
A rede de túneis de concreto e fossas foram construídas para evitar inundações e outros efeitos decorrentes de tempestade extremas e tufões, e custaram cerca de dois bilhões de dólares à época, conforme destaca reportagem da Bloomberg. Há muito a aprender com a experiência nacional e internacional.

Caminhos possíveis
Como visto setor logístico já tem investido em iniciativas que permitam a consideração do risco climático no desenho dos seus projetos e tal incentivo vem também da atuação de entidades financiadoras, que tem condicionado crédito à sustentabilidade e avaliação das infraestruturas a serem financiadas. Uma tendência em crescimento é a adoção de ações de certificação para avaliação da adequação ambiental de empreendimentos.

Em termos de boas-práticas e padrões voluntários de governança e autorregulação, merecem destaque o Protocolo de Engenharia PIEVC para Avaliação de Vulnerabilidade da Infraestrutura e Adaptação à Mudança Climática (versão Junho de 2016) (ENGINEERS CANADA, 2016), e inclui parâmetros da ISO 14091:2021 – Adaptação à mudança climática - Diretrizes sobre vulnerabilidade, impactos e avaliação de risco.

Já no âmbito das políticas públicas e da condução da gestão dos portos, releva que sejam levadas em consideração medidas de adaptação customizadas aos riscos climáticos atuais e futuros no contexto do setor portuário. As medidas podem ser estruturais ou não estruturais e algumas delas são particularmente interessantes pois benéficas mesmo no contexto em que o risco vislumbrado não se materializar (medidas de não arrependimento). 

Algumas medidas de adaptação identificadas envolvem desafios orçamentários pois redundam na proposta de investimentos, a exemplo da realização de obras para aumento das dimensões das infraestruturas de abrigo em portos. 
Outras medidas, de outro lado, possuem predominante natureza operacional, como por exemplo a inclusão das projeções de aumento do nível do mar em futuras concepções de infraestrutura. 

A incorporação desses elementos no desenho de projetos públicos, sobretudo na adaptação de EVTEAS de arrendamentos portuários, é de suma importância. Investimentos de tal monta em prevenção são muitas vezes retirados de pauta ou não priorizados em favor de obras com maior apelo imediato. Ocorre que diante da iminência da emergência climática, obras de prevenção são vitais ao funcionamento de todas as infraestruturas.

Todos os esforços devem passar por análise de custo-benefício, mas não podem tardar. O futuro da infraestrutura logística depende da rápida incorporação de medidas capazes de incrementar sua resiliência climática e a forma mais eficiente de fazê-lo passa pela formulação de planos de ação baseados em evidências científicas. Esperamos ter contribuído com boas fontes para desenvolvimento dessas ações.


*Mariana Avelar, membro da Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.

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