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A tempestade é a mesma para todos. Mas com certeza, os barcos não

Por Paulo Roberto Guedes em 15 de julho de 2020 às 12h03
Paulo Roberto Guedes

Na última reunião do Fórum Econômico Mundial, em sua 50ª edição, realizada no início deste ano e, portanto, antes ainda do reconhecimento de que o coronavírus seria uma pandemia com impactos negativos intensos e pouco conhecidos, os maiores riscos do planeta, apontados através de pesquisa junto a mais de 800 líderes mundiais (Relatório de Riscos Globais), já eram identificados como capazes de comprometer a estabilidade e a governabilidade mundiais em curto espaço de tempo. Os riscos mais citados: a) desconfiança sobre o multilateralismo (aumento do nacionalismo), b) segurança geopolítica, c) expectativa de baixo crescimento econômico, d) guerras comerciais e tarifárias, e) polarização política, e f) impactos (ainda desconhecidos em sua totalidade) na sociedade, oriundos das novas tecnologias e do envelhecimento populacional. Também ficou claro que os organismos internacionais, tais como ONU, FMI, OMC ou Banco Mundial, em face do exacerbado nacionalismo vigente, terão muito mais dificuldades para colaborar em qualquer processo que vise a recuperação da economia mundial.

Mas dois problemas foram considerados como os mais urgentes, merecendo, portanto, atenção especial: a mudança climática e o aumento da desigualdade (é possível convivência harmônica e pacífica, enquanto 2.153 bilionários tiverem mais patrimônio do que 4,6 bilhões de pessoas?).

Especificamente com relação ao meio ambiente, ainda é possível acreditar na reversão da situação atual, desde que haja um amplo e global processo de cooperação entre todos os países, principalmente aqueles mais “poluidores”. E vale lembrar, pelo menos, dois aspectos de fundamental importância. O primeiro é o fato de que a necessidade de se proteger o “meio-ambiente” deixou de ser apenas uma preocupação e passou a ser item de negociações políticas e comerciais, pois já não há dúvidas que empresas e países estão cada vez mais dispostos a manter relações comerciais com quem pratica políticas de sustentabilidade, não hesitando em sacar, de suas listas, aqueles que assim não se comportam. As dificuldades de um acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia é um excelente exemplo.

E o segundo aspecto, como já comprovado por diversas pesquisas, diz respeito às operações que privilegiam a utilização de energia renovável ou de eficiência energética, que não só contribuem muito mais para a sustentabilidade e a proteção do meio ambiente, se comparados com a utilização dos combustíveis fósseis, como também são muito mais geradores de empregos. A McKinsey tem uma pesquisa específica tratando do assunto que mostra que gastos do governo com energia renovável e eficiência energética, em média, criam 3 vezes mais empregos do que os gastos dispendidos com combustíveis fósseis.

Mas é preciso atenção, pois dois fatos precisam ser consideradas: 1º) é o fato de que muitos governantes e executivos em todo o mundo não só ignoram os problemas gerados pela forma predatória com a qual se exploram os recursos naturais (a queimada de florestas é um deles), como também negam os males a que fica exposta toda a humanidade em face da utilização, por exemplo, de energias mais poluentes, como é o caso do combustível fóssil; e 2º) agora, diante da gravíssima pandemia instalada, alguns efeitos colaterais poderão ocorrer e não se pode descartar a hipótese de que, na medida em que todo o mundo tem como objetivo a retomada do crescimento econômico, com urgência e a qualquer custo, possa haver um certo ‘desleixo’ no trato da sustentabilidade e um abandono das metas ambientais, inclusive com aumento exagerado na utilização de combustíveis poluidores, outro dos principais responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa. Para registro: índices altos de poluição, além de agravar a crise ambiental também cria sérios problemas à saúde das pessoas.

Infelizmente, com relação a isso, o Brasil transformou-se em mau exemplo, na medida em que os altos índices de desmatamento (e de queimadas) da Amazônia do ano passado, totalmente ignorado pelo governo, estão se mostrando, segundo dados do próprio Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), muito maiores do aqueles divulgados anteriormente. E pior, uma vez que as informações relativas ao primeiro semestre de 2020 indicam níveis de desmatamento superiores aos de 2019.

Já com relação à desigualdade social e ao injusto processo de distribuição de renda, as dificuldades são maiores, pois se o avanço tecnológico e a automação continuarão liberando contingentes cada vez maiores da mão-de-obra menos preparada e ainda não adaptada ao “novo”, a crise do coronavírus criará dificuldades adicionais. Em época de pandemia, países mais vulneráveis, cujos déficits orçamentários se encontravam altos, estão aumentando seus gastos e terão dificuldades para fazer investimentos e manter políticas sociais, com consequências humanitárias ainda mais desastrosas.

Sabe-se também, que ambos problemas – mudança climática e aumento da desigualdade – possuem, mesmo antes do coronavírus, três características comuns: dificuldade para atender todos os atores envolvidos, falta de decisão política para implementar as soluções já disponíveis e aceitas, e resultados razoavelmente pequenos diante dos enormes desafios existentes (1).

Consultados ainda no mês de maio pelo Fórum Econômico Mundial, a respeito dos impactos da pandemia, 350 analistas de riscos, definiram quatro “zonas críticas”: (a) os riscos das transições econômicas e mudanças estruturais; (b) os riscos de paralisia e retrocesso na agenda do desenvolvimento sustentável; (c) os traumas decorrentes das rupturas sociais; e (d) os riscos derivados da adoção abrupta da tecnologia. Na mesma pesquisa, agora junto a executivos seniores das maiores multinacionais do mundo, para que indicassem suas maiores preocupações com relação ao coronavírus e suas consequências próximas, as principais respostas foram: (a) possibilidade de grave recessão econômica, prolongada e que abrangeria todo o mundo; (b) aumento no número de falências de grandes empresas e pequenos e médios negócios, seguida por uma onda de consolidação da indústria, que concentraria ainda mais o poder nas mãos de poucas e diminuindo a concorrência; e (c) aumento dos ataques cibernéticos e das fraudes, não só em função da mudança nos padrões do trabalho, mas também pelo provável aumento dos trabalhos em casa (“home office”) e dos próprios desafios impostos à tecnologia. Como se vê, aos problemas antigos ainda não solucionados, outros novos foram adicionados.

Portanto, em todo o mundo, a pandemia veio piorar o que já não estava tão bom. No caso do Brasil, em particular, o que já estava ruim ficou muito pior, como tenho tentado explicar em diversos artigos anteriores, e como reconhece a maioria de especialistas que analisam, de forma independente, a situação econômica do Brasil.

Recentemente o ministro da economia Paulo Guedes, assim que tomou conhecimento dos péssimos resultados do desempenho da economia brasileira, pediu para que não se fizessem críticas ao governo, pois “estamos todos no mesmo barco e não podemos deixa-lo afundar”. Para finalizar: “a crise gerada pela pandemia, além de ser uma variável externa e fora de nosso controle, afetou negativa e intensamente, todas as variáveis macroeconômicas ao mesmo tempo”.

Pois é. Mas vale destacar que se o desgoverno Dilma gerou e instalou uma crise econômica sem precedentes, a política econômica deste governo, pelo menos até agora e sem qualquer plano claro e objetivo para a recuperação do país, não tem ajudado muito. Embora fossem feitas dezenas de discursos a respeito das inúmeras reformas estruturais ‘milagrosas’ (quando aprovadas irão gerar centenas de milhares de empregos), exceto à da Previdência, trabalhada principalmente pelo Congresso Nacional, nenhuma outra foi sequer apresentada pelo governo federal. Á bem da verdade, as medidas adotadas sempre foram na direção de privilegiar o “Deus Mercado”, pois segundo o ministro, é o único caminho para resolver os problemas econômicos, uma vez que o Estado, eternamente perdulário e ineficiente, apenas atrapalha. Pois é, só mesmo uma crise deste tamanho para mostrar o quão míope (e antiga) é essa forma de se compreender a ciência econômica.

Simultaneamente a tudo isso, ‘contendas’ políticas gratuitas criadas pelo presidente e parte ‘ideológica’ de seu ministério, o insistente ‘flerte’ com o autoritarismo, a negação da ciência e o total descaso com relação aos reais problemas do meio ambiente e da sustentabilidade, tem agravado ainda mais esse cenário. A se acrescentar o fato de que a pandemia, ainda em crescimento (2), principalmente por falta de uma liderança nacional e convergência de objetivos, está longe de ser resolvida, agravando sobremaneira as condições de vida e de saúde da imensa maioria da população brasileira (3). Enquanto parte do mundo procura compreender os principais impactos da pandemia na vida das pessoas, da economia e da sociedade, já como pré-requisito ao desenvolvimento das estratégias futuras, o Brasil, às vezes irracionalmente e outras emocionalmente, quando não politicamente no mal sentido da palavra, ainda discute sobre o grau de importância do isolamento social ou da cloroquina. E quanto mais durar a pandemia, mais será demorada a retomada do crescimento e desenvolvimento econômicos. Quanto a isso, não há dúvidas! Será que há interessados em manter uma crise econômica sem precedentes? E em nome do que e de quem?

O fato é que, mesmo depois de adotada providências (4) para que se atenuassem alguns dos impactos negativos da pandemia, o desemprego aumentou, assim como o número de desalentados (pessoas com 14 anos ou mais que desistiram de procurar trabalho porque não acreditam encontra-lo) e da força de trabalho potencial que, por diversos motivos, não está ocupada (5). Consequências imediatas: queda substancial da massa de salários e do nível de consumo das famílias, conforme demonstram as pesquisas do iPC Maps (Índice de Potencial de Consumo). As projeções do iPC, para este ano, indicam um retrocesso real expressivo na rubrica “Consumo das Famílias” (principal variável macroeconômica que compõem o lado da Demanda na composição do PIB) que, em 2020, ficará próximo daquele obtido em 2010, isto é, de 10 anos atrás!

A expressiva maioria de brasileiros, além de amargar todos os problemas gerados pela crise econômica, política e social que já se arrasta por mais de seis anos, sofrerá como ninguém os nefastos impactos da pandemia. Esses mesmos impactos também serão observados pelas pequenas e médias empresas (6), coincidentemente, aquelas que mais geram empregos.

Portanto, diferentemente do que disse o ministro da Economia Paulo Guedes, não estamos todos no mesmo barco, mas com certeza estamos no mesmo mar agitado e na mesma tempestade. E até que tudo isso passe, barcos menores, mais velhos e antigos, que não usufruem das vantagens oriundas das modernas tecnologias de navegação, com manutenção comprometida e ainda com tripulações e passageiros, além de despreparados, com saúde comprometida, terão menor resistência e deverão sucumbir. Inevitavelmente, como aliás já se constata com a perda de mais de 72 mil vidas.

Os riscos são reais e iminentes, com possibilidades de se alcançar um desastre ainda maior, posto que é clara a falta de rumo e liderança, não só para o enfrentamento da pandemia, mas para que o Brasil estabeleça um plano consistente no qual consiga estabelecer caminhos alternativos para voltar à “nova normalidade”, cujo combate ao desemprego e à desigualdade parece ser fundamental. Ah, é sempre bom lembrar, respeitando-se a Constituição e o Estado Democrático de Direito.

(1)   Em artigo específico, publicado pelo Estadão dia 22/12/2019 (“Precisamos transferir recursos dos países ricos aos mais pobres”), o jornalista Guilherme Sobota, ao entrevistar o historiador Yuval Noah Harari, escreveu: “A contínua automação vai beneficiar os países líderes em campos como inteligência artificial e robótica, como os EUA e a China. Os piores efeitos se darão em países em desenvolvimento, que dependem de trabalhos manuais baratos – o tipo de trabalho mais fácil de automatizar. Haverá novos postos, mas será preciso outras formas de treinamento e habilidades. Os países ricos têm os recursos necessários para o retreinamento da força de trabalho. Os países em desenvolvimento e mais pobres serão atingidos duas vezes. Primeiro, pelo choque da automação, e depois pelo fato de não terem os recursos para treinar sua força de trabalho. O que eles podem fazer? Novamente, é um campo em que será preciso cooperação global para salvar os elos mais frágeis da corrente”;

(2)   O Brasil, com dados acumulados até o dia 14/07/2020, já chegou a 1.998.959 pessoas contaminadas e 72.921 pessoas mortas, conforme estatística apresentada pelo Consórcio dos principais Jornais e TVs do Brasil. Números aterrorizantes, sem dúvida.

(3)   Não há quaisquer dúvidas quanto ao fato de que a pandemia afeta, negativamente, muito mais as camadas mais pobres das populações em todos os países. Melhores para aquelas que vivem em países menos vulneráveis, mais organizados, que trataram a pandemia com responsabilidade e que possuem, além de melhores salários, uma rede social importante. Pior para quem vive em países que não tem esses tipos de benefícios e privilégios sociais. As pessoas mais pobres, com certeza, são mais afetadas. Vejamos no caso do Brasil: estudos elaborados pela doutora em economia e professora da USP, Laura Carvalho, publicados no jornal Nexo de 16.04.2020 (“Como a pandemia pode aprofundar novas desigualdades”), dão conta que a ‘comorbidade’ (condição da pessoa que apresenta, ao mesmo tempo, mais de uma doença, e portanto mais suscetível ao agravamento quando contaminada pelo coronavírus, ou outra infecção qualquer) é maior entre os menos escolarizados – 54% para quem frequentou o curso fundamental e 34% para quem frequentou o ensino superior). A falta de uma assistência médica mais adequada e melhor (leitos de UTI no SUS são 5 vezes menos do que na rede privada), a falta de saneamento básico (dados apresentados pelo economista Gesner de Oliveira em palestra organizada pelo Corecon e realizada – via internet – dia 11 pp, mostram que 17% da população brasileira não são atendidas com água, 48% não são atendidas com rede de esgotos e 55% não tem tratamento de água), as péssimas condições de moradia e a falta de empregabilidade mínima e pouco tempo de estudo, entre outras ‘tristezas’, complicam a vida dos pobres ainda mais;

(4)   O governo brasileiro tem programado gastar o equivalente a 7,7% do PIB nacional, cerca de R$ 513 bilhões, para ajudar os mais necessitados, seja pessoa física ou pessoa jurídica. A considerar que parte desse recurso se constitue em financiamentos ou adiantamentos, de tal forma que “dinheiro novo” se limita a 86,4% daquele total. De todas as formas, um esforço extraordinário, considerando o desequilíbrio das contas públicas nacionais. A McKinsey estima que os países do G-20, somente com medidas fiscais, gastarão em média, o equivalente a 11% do PIB de cada um deles, ou seja, três vezes mais do que foi dispendido na crise financeira de 2008/2009.

(5)   De acordo com o PNAD, em dezembro de 2019, o total de pessoas ocupadas (93,4 milhões) representava 81,9% do total da Força de Trabalho Total (114,0 milhões), enquanto que em Março de 2020 esse percentual caiu para 79,8% (89,2 milhões de pessoas ocupadas com relação à 111,8 do total da Força de Trabalho). E o total de desempregados, desalentados e da força de trabalho potencial não ocupada, que no final de 2019 eram 25,357 milhões de pessoas, cerca de 23,93% do total da Força de Trabalho (pessoas com 14 anos ou mais disponíveis para o trabalho), no final de abril de 2020 esse total passou para 27,603 milhões, cerca de 27,04%. O aumento em apenas quatro meses, foi de 8,9%! Foram 236 mil à mais de desocupados, 1.745,2 mil de força de trabalho sem ocupação e 265,2 mil de desalentados. Resumo: mais 2,3 milhões de pessoas fora do trabalho;

Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério da Economia (Caged), em todos os setores da economia, nos meses de abril e maio de 2019, o total de admissões formais foi de 2.721.932. Nesses mesmos meses, em 2020, o número foi de 1.322.625, isto é, 51,4% menos! O total de pessoas ocupadas em maio de 2019 eram 92,5 milhões. Em maio de 2020, 82,5 milhões.

(6)   Segundo dados do Boa Vista SCPC, publicados no Estadão de 13.07.20, os pedidos de recuperação judicial, comparando-se junho de 2019 e junho de 2020, aumentaram 87%. Os pedidos de falência, aumentaram 45%. Dentre os pedidos de recuperação, 60% foram das empresas de serviços e com referência aos pedidos de falência, 93% foram das pequenas empresas.

A tempestade é a mesma para todos. Mas com certeza, os barcos não
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