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É possível transportar mais e poluir menos

Por Paulo Roberto Guedes em 25 de novembro de 2019 às 16h13 (atualizado em 29/11/2019 às 12h10)
Paulo Roberto Guedes

De acordo com as mais recentes pesquisas, do total dos gastos logísticos brasileiros a maior parte é com transporte. Dados levantados pelo Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos), relativos a 2018, indicam que enquanto o transporte (em todos os seus modais) representam 65% custo logístico, os Estoques chegam aos 25%, a Armazenagem a 7% e Administração, 3%. Os custos logísticos, como um todo, representam cerca de 11,7% do PIB nacional (algo próximo aos R$ 802 bilhões), enquanto a média mundial está em torno de 11%.

O custo do transporte, no Brasil, e ainda segundo os dados do Ilos, para 2018, estão estimados em R$ 521 bilhões (7,6% do PIB) e o modal rodoviário, sem dúvidas, é aquele que soma o maior valor entre todos os demais: R$ 445 bilhões, ou seja, 85,4% do custo do transporte nacional.

Em termos de TKU (tonelada transportada por quilometro útil), as participações de cada modal de transporte são um pouco diferentes: Rodoviário: 60,0% (1.046 bilhões de TKU), Ferroviário: 23,3% (407 bilhões de TKU); Marítimo/Hidroviário, 13,2% (231 bilhões de TKU), Dutoviário: 3,4% (60 bilhões de TKU) e Aéreo: 0,1% (700 mil TKU).

Considerando que nossa matriz de transportes é preponderantemente rodoviária, e os motivos para a explicação desse fato serem os mais diversos possíveis, o Brasil ainda se vê obrigado a ter que utilizar as rodovias como principal canal para movimentar mercadorias. Há que se fazer uma observação importante: apesar de seus vários problemas, tais como roubo de cargas em excesso e o elevado número de acidentes, o modal rodoviário consegue operar com certa eficiência e cumprir o papel logístico a ele reservado (1).

E o Brasil, ao contrário do que é entendido por muitos, ao ser comparado com outros países, mesmo em termos de infraestrutura rodoviária deixa a desejar. De acordo com dados publicados pelo Ilos, no último Fórum em setembro deste ano, para um território de 8,5 milhões de quilômetros quadrados, o País conta com apenas 213 mil quilômetros de estradas asfaltadas. A Alemanha, 21 vezes menor, tem 230 mil quilômetros. Os EUA, com 9,1 milhões de quilômetros quadrados, isto é, 7% maior que o Brasil, possui 4,474 milhões de quilômetros de estradas asfaltadas, ou seja, 21 vezes mais.

Aproveitando o momento de reunião da cúpula dos países do Brics, mais algumas comparações: China, com 9,6 milhões de quilômetros quadrados, tem 4,774 milhões de quilômetros de estradas asfaltadas, a Índia, com 3 milhões de quilômetros quadrados, 3,502 milhões de quilômetros de rodovias asfaltadas e a Rússia, com 17 milhões de quilômetros quadrados, asfaltou 1,054 milhão de quilômetros de rodovias.

Por outro lado, quando discutimos os principais responsáveis pela emissão de CO2 (dióxido de carbono), as estatísticas são claras a indicar que, depois da Agropecuária e Mudanças do Uso da Terra, com participação de 73% do total, e a Energia, com 9,7%, o transporte é o terceiro maior “poluidor”, representando cerca de 9%. Os dados são da Mckinsey e da FGV, relativos a 2016. E o modal rodoviário, que como dissemos é responsável por 60% do total de TKU realizado no Brasil, em 2018, foi responsável por 85% das emissões de dióxido de carbono, tendo os demais modais juntos, responsabilidade de apenas 15%.

Esse cenário, matriz de transporte significativamente rodoviária, faz com que o Brasil tenha que conviver com índices de poluição razoavelmente ‘desconfortáveis’ e custos logísticos muito altos, quando comparados com as médias mundiais. É o transporte rodoviário, sem dúvida, o modal que mais emite CO² e o que mais custa por tonelada transportada por quilômetro útil. E reconhecendo que essa realidade não poderá (nem tampouco deverá) ser mudada no curto prazo, uma vez que faltam investimentos (2) para que outros modais tenham suas redes expandidas, passa a ser imprescindível a busca de outras soluções que reduzam custos operacionais e impactos ambientais negativos.

Aliás, mesmo no que diz respeito às rodovias, os investimentos tem sido muito baixos implicando, inclusive, em queda de suas qualidades. Segundo a Confederação Nacional do Transporte (CNT), em média, as estradas brasileiras classificadas como ótimo ou bom chegam apenas a 43%. Quando se trata de estradas públicas isso é muito pior: somente 34% alcançam essa classificação. E, diante das informações e estudos realizados, a CNT é taxativa ao afirmar que as condições das estradas brasileiras elevam os tempos das viagens e os custos de transporte. O aumento médio de custos nas estradas é de 26,7%, sendo 30,5% nas rodovias públicas e 9,9% e nas estradas privadas. Ressalte-se que a Fundação Dom Cabral, em estudos específicos realizados, mostra que a empresa brasileiras gasta em média, com a logística, 12,4% de sua receita líquida.

Fica parecendo óbvio, portanto, que a busca de uma matriz de transporte mais equilibrada, na qual os demais modais também sejam protagonistas, exige planejamento e disciplina, cuja atividade “multimodal” seja, de fato, levada em consideração. É imperioso, consequentemente, que as políticas públicas voltadas ao desenvolvimento da infraestrutura de transporte sejam elaboradas de forma integrada, sistêmica e prioritariamente. Além de contribuírem para a redução de grande parte do “custo” Brasil, essas políticas também possibilitarão que se trilhe um caminho mais curto para a diminuição das emissões de CO².

Mas enquanto a retomada concreta de investimentos em infraestrutura de transportes não vem, a contribuição das empresas de transporte e de operações logísticos é cada vez mais essencial.

Mesmo considerando que o tema “proteção ao meio ambiente” ainda seja algo recente, não devidamente enraizado na cultura nacional, e que o setor de transportes ainda é um setor que sofre um nível de competição muito grande, às vezes até predatório, e que não ajuda para que seja prioritária a inclusão, em suas atividades, de técnicas mais modernas de combate, controle e diminuição dos níveis de poluição, há que se fazer algo.

E aqui, permito-me fazer algumas sugestões que estão, sem dúvida, no limite de atuação das próprias empresas e não exigem esforços ‘espetaculares’:

a)      Adequar as políticas empresariais às políticas ambientais já existentes, quando possível adiantar-se a elas e atender as exigências dos seus clientes nesse “mister”;

b)      Aumentar os níveis de eficiência em todos os processos operacionais, melhorando a produtividade dos equipamentos operados direta ou indiretamente nas atividades de transporte e instituir índices de medição correspondentes às emissões de gazes de efeito estufa (GEE), inclusive com a realização de inventários e respectivas auditorias independentes;

c)      Desenvolver novas práticas e procedimentos operacionais (3) que tenham como principal objetivo a diminuição dos níveis de poluição em quaisquer atividades da empresa;

d)     Estimular (4) todos os seus fornecedores, notadamente os prestadores de serviços de transporte, a: (i) observar corretamente a política ambiental estabelecida, respeitando as normas e os procedimentos instituídos; (ii) adotar as melhores práticas operacionais que, entre outras exigências, devem contemplar aumento de produtividade e maior eficiência energética.

Evidente que a realização de programas desse tipo exigirá um gerenciamento eficiente e, de preferência, ligado diretamente à alta direção da empresa, pois como se trata de programa fundamental e, por que não, prioritário, será preciso que todos, funcionários, fornecedores, clientes e demais colaboradores, entendam esse “sinal”.

Importante observar, que as ‘singelas’ medidas aqui propostas, além de contribuírem para que sejam diminuídos os índices de poluição gerados, também colaboram, direta e efetivamente, para a diminuição dos custos operacionais. Quem “roda” mais eficientemente, sempre com cargas e por distâncias menores, não só emite menos CO² como também gasta menos. Menor utilização de combustível não só é menos custo operacional como também é menor poluição. Aliás, argumento imbatível para convencer motoristas autônomos ou contratados a aderirem aos programas de combate à poluição.

Com planos de ação semelhantes – e outros ainda melhores e mais inovadores – temos certeza que será possível transportar mais e poluir menos, contribuindo efetivamente para que a Sustentabilidade, no seu conceito mais amplo, possa ser exercida na sua plenitude.

Para finalizar, recorro ao conceito de “sustentabilidade” definido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1987, através do Relatório Brundtland: “Sustentabilidade é o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem suas próprias necessidades”.

(1)   É preocupante, todavia, o movimento para reduzir a participação do modal rodoviário na matriz de transporte unicamente em busca de escala ou redução de impacto ambiental, sem uma análise de qual meio é o mais adequado para cada operação e, principalmente, sem a possibilidade de utilizar um modo mais lógico para cada trecho em uma mesma rota de distribuição. Por isso, faço minhas as palavras de Geraldo Viana, ex-presidente da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC & Logística), quando escreveu, em 2007, o livro “O Mito do Rodoviarismo Brasileiro”: “O Brasil não terá nada a comemorar, enquanto a diretriz mais ambiciosa da sua política de transporte for, tão-somente, a mudança da nossa matriz de transporte de cargas para propiciar a redução da participação do modal rodoviário, em benefício das demais modalidades, unicamente em homenagem a um antirodoviarismo”;

(2)   Segundo estudos elaborados por Cláudio Frischtak e João Moura (“Uma estimativa do Estoque de Capital de Infraestrutura no Brasil”), para o IPEA, o estoque de Infraestrutura de Transporte, que no início dos anos 80 do século passado valia o equivalente a 21,4% do PIB brasileiro, agora não consegue superar os 12%. E isso se deu, basicamente, por que os investimentos nesse setor caíram de forma significativa: eram equivalentes a 2,36% do PIB, nos anos 1970/1980 e estão abaixo de 1% atualmente.

(3)   Alguns projetos são fundamentais: a) “softwares” de roteirização, visando criar viagens com distâncias menores e que consumam menos combustíveis ou que aproveitem melhor a capacidade dos equipamentos de transporte; b) equipamentos que transportem maiores volumes; c) redução da idade média da frota e utilização de equipamentos de transporte que consumam e poluam menos; d) vistorias veiculares periódicas como forma de se impedir a circulação de veículos fora dos padrões aceitáveis de emissão de CO2; e) treinamento de direção defensiva e mais econômica etc.;

Certificações ISO, notadamente a 14.001, também são instrumentos importantes e que proporcionam o desenvolvimento de um plano de ação consistente e abrangente, pois o monitoramento e o controle da execução dos planos e projetos implantados são necessários.

(4)   Programas de treinamento e sensibilização junto às empresas subcontratadas e aos motoristas, da frota própria ou de terceiros, são fundamentais. Reuniões de “sensibilização”, estímulo e incentivo para que todos os motoristas participem ativamente do programa de sustentabilidade, com reconhecimento, através de premiações, os melhores fornecedores da empresa, tendo a sustentabilidade como item fundamental de medição, são complementos imprescindíveis. Uma das mensagens que mais causam impactos positivos é a indicação clara de que, as medidas de combate à poluição estão, diretamente, vinculadas à diminuição de custos. É preciso evidenciar que o melhor aproveitamento dos equipamentos de transporte, também diminui custos operacionais, posto que um dos grandes objetivos é aumentar a produtividade dos equipamentos de transporte (rodar mais, transportar mais e consumir menos).

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