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Também na logística e no supply chain há que se discutir, sob os pontos de vista político, econômico e social, os impactos gerados pela evolução tecnológica

Por Paulo Roberto Guedes em 21 de outubro de 2019 às 11h25
Paulo Roberto Guedes

Exatamente no dia 15 de fevereiro de 2019, publiquei um artigo aqui no portal Tecnologística (“Executivos precisam entender que suas ações impactam a vida de milhares de pessoas. Compreender e capacitar-se para esse novo papel são exigências mínimas”), que procurava alertar os novos dirigentes, cada vez mais envolvidos com o avanço tecnológico (sempre necessário e desejável), tanto do setor público como do setor privado, sobre a necessidade de compreenderem “o quanto é grandioso trabalhar para o sucesso – mais do que isso, para a sobrevivência – de seus subordinados, seus familiares, suas empresas e seus países”. E concluí: “entender os reais impactos de nossas ações junto a toda a sociedade, e não somente junto às nossas empresas, é essencial, pois ao final de tudo, de um jeito ou de outro, essas ações irão impactar – para o bem ou para o mal – a vida de milhões de pessoas.

Mais recentemente, no XXV Fórum Internacional de Supply Chain, realizado pelo Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos), no final do mês passado, o que mais me chamou a atenção foi a constatação de que, mesmo em assuntos extremamente técnicos, como são os casos da logística e do supply chain, as discussões sobre política e economia também se fizeram presentes. E não de forma periférica ou superficial, como costumeiramente acontece, mas de uma forma direta, pois mesmo que muitos ainda não queiram aceitar, as atividades do setor e a forma como se dá sua evolução, criam impactos importantes, direta e indiretamente, na sociedade, na economia e na política de uma sociedade. Qualquer que seja ela.

Foi exatamente o que aconteceu na palestra do professor e Phd Dale Rogers, da Universidade do Arizona (EUA), ao falar sobre a “Evolução da Transformação Digital do Supply Chain”. Depois de comentar sobre os impactos transformadores da tecnologia, do “machine learning”, da “artificial intelligence” ou da “cognitive computing”, o professor discorreu sobre suas experiências profissionais, principalmente nos países e empresas que adotaram, de forma mais intensa, o avanço tecnológico no campo da logística.

Objetivamente, o professor Dale comentou sobre um fato incontestável: já nos últimos 20 ou 30 anos, proveniente dos avanços tecnológicos e de melhorias dos processos de produção, a diminuição no número de empregos de menor qualificação, tem sido significativamente maior do que o aumento no número de empregos de maior qualificação. Novos empregos que, além de exigirem mais conhecimento e capacitação, cobram postura mais inovativa de seus pretendentes. Em resumo, o processo de avanço tecnológico, mas diferentemente de outras épocas, tem contribuido para a efetiva diminuição do número de empregos.

Guardadas as devidas proporções, em processo idêntico àquele ocorrido nos Estados Unidos, ainda segundo Dale, é o que vem ocorrendo no Brasil, nestes 10 ou 15 últimos anos.

De fato, a compreensível busca de melhorias contínuas no desenvolvimento de processos automáticos e autônomos, de coleta, inserção e, principalmente, de análise de dados em quantidades cada vez maiores, bem como a computação cognitiva e a inteligência artificial, exigem aperfeiçoamento, aprendizado e capacitação constantes, priviligiando claramente as pessoas melhores formadas que, em um país como o Brasil, geralmente e com as exceções de sempre, pertencem às classes mais ricas, desempregando de forma importante aquelas menos preparadas, pertencentes, quase que automaticamente, às classes mais pobres.

Por outro lado, e também parece não haver dúvidas quanto a isso, na medida em que a produção de bens econômicos e a prestação de serviços tem maiores partipações do Capital e da Mão-de-Obra Qualificada, quase toda a remuneração correspondente tende, de forma crescente inclusive, a privilegiar esses dois fatores de produção.

Mas isso ocorre também nos países desenvolvidos, num processo inexorável e persistente, no qual as tarefas mecânicas, rotineiras ou que, via avanço tecnológico, vão sendo substituídas pelas “maquinas”, expulsam do mercado de trabalho, mão-de-obra menos qualificada. O professor Dale, ao mencionar esse tipo de “desemprego estrutural”, atreveu-se a comentar, precisa e devidamente, os impactos políticos, econômicos e sociais que essa evolução tecnológica tem gerado. Negativamente e com possibilidades de aumentar, caso não se compreenda o fenômeno de forma abrangente e correta. Dale, inclusive, citou o economista francês Thomas Piketty, que há 5 anos atrás escreveu o livro “O Capital no Século XXI”.

No livro Piketty demonstra com clareza e números reais (ele consolidou números e informações coletadas em vinte países dos últimos duzentos anos), que “o crescimento econômico e a difusão do conhecimento ao longo do século XX impediram que se concretizasse o cenário apocalíptico preconizado por Karl Marx, mas, ao contrário do que o otimismo dominante após a Segunda Guerra Mundial costuma sugerir, a estrutura básica do capital e da desigualdade permaneceu relativamente inalterada”, traduzindo-se “numa concentração cada vez maior da riqueza, um círculo vicioso da desigualdade que, a um nível extremo, pode levar a um descontetamento geral e até ameçar os valores democráticos”. Piketty, entre outras, fez duas observações não menos importantes e que devem no levar a refletir: 1ª. “a evolução dinâmica de uma economia de mercado e de propriedade privada, deixada à sua própria sorte, contém forças de convergência importantes, ligadas sobretudo à difusão do conhecimento e das qualificações, mas também forças de divergências vigorosas e potencialmente ameaçadoras para nossas sociedades democráticas e para os valores de justiça social sobre os quais elas se fundam”, e 2ª. “se deve sempre desconfiar de qualquer argumento proveniente do determinismo econômico quando o assunto é a distribuição da riqueza e da renda. A história da distribuição da riqueza jamais deixou de ser profundamente política, o que impede sua restrição aos mecanismos puramente econômicos”.

Em entrevista concedida ao jornal Valor em junho de 2019 (“Políticas para combater a Desigualdade”), a diretora geral do FMI, Christine Lagarde, afirmou: “o crescimento inclusivo é um dos maiores desafios do nosso tempo”, pois “o lado amargo da nova realidade é que, apesar do crescimento econômico, um número excessivo de pessoas está ficando para trás”. Analisados as economias mais avançadas, constatou-se uma clara tendência, desde 1990 e até agora, de aumento da desigualdade. “Mas se olharmos para as economias emergentes e em desenvolvimento, o quadro é mais complexo”.

O Relatório de Desigualdade Global, produzido pela Escola de Economia de Paris, indica que no ano passado a população 1% mais rica ficou com 28,3% dos rendimentos brutos globais, enquanto a população 50% mais pobre, com apenas 13,9%. No Brasil, em 2018, o índice Gini, que mede o grau de concentração de renda de um país (de zero a um, quanto mais próximo de um, maior é a desigualdade), chegou a 0,55. Número bastante alto, considerando que na grande maioria dos países desenvolvidos o índice não chega a 0,45. No Japão, Canadá, Alemanha, Noruega, Dinamarca e Suécia, por exemplo, esse índice está entre 0,25 e 0,30.

Outros indicadores têm apontado para o fato de que, na composição de renda total do brasileiro, a participação do salário tem diminuído, dando lugar, inclusive, para o aumento de receitas oriundas de transferências e benefícios pagos pelo governo, em suas diversas formas. O rendimento oriundo do trabalho, em 2018, não ultrapassou os 72,5%, sendo o restante composto por aposentarias/pensões/pensão alimentícia/doações, 21,7%, e outros,5,8%. É óbvio que alcançar o equilíbrio das finanças públicas tende a ser cada vez mais difícil, caso esse tendência permaneça.

Nesta crise pela qual passa o Brasil, um dos maiores problemas – se não o maior, posto que apresenta impactos sociais gravíssimos – é o desemprego que, entre outros, tem dois fatores preponderantes agindo simultaneamente: um oriundo da grande evolução tecnológica, que gera grandes transformações nos diversos setores produtivos de nossa economia (“desemprego estrutural”), talvez muito pouco discutido aqui no País, e outro que advém do baixo crescimento econômico, fruto da crise que, por sua vez, tem como principais causas a falta de investimentos e a queda substancial do consumo das famílias. O consumo das famílias representa mais de 60% do PIB nacional, quando este é analisado pelo fluxo da demanda!

O professor Paul Collier, da Universidade de Oxford, em seu livro “O futuro do capitalismo” (“um livro ambicioso, que faz pensar”, segundo Bill Gates), consegue mostrar que o processo de concentração de renda, generalisado em quase todo o mundo, não é inerente ao capitalismo, mas sim a uma “falha de funcionamento que pode e deve ser corrigida”. E, ao contrário de propostas nostálgicas e de retorno ao passado, defendidas por populistas nacionalistas que adotam políticas cada vez mais excludentes, ele sugere a restauração da política e da sociedade inclusiva como caminho para que se crie um mundo mais ético, no qual o Estado, a Família e a Empresa desenvolvam papéis igualmente éticos.

Pois é. Queiramos ou não, a discussão sobre política, sociedade e economia – e já era tempo – também chegou na logística e no supply chain. Um capitalismo mais ético exige esforços de todos.

Também na logística e no supply chain há que se discutir, sob os pontos de vista político, econômico e social, os impactos gerados pela evolução tecnológica
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