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O porto é do governo, mas o custo da fila é de todos nós

Por Alessandro Scapol Compatangelo em 10 de setembro de 2018 às 14h35
Alessandro Scapol Compatangelo

Duas regrinhas básicas de como reagir frente a uma boa notícia:

Regra 1: uma boa notícia deve sempre ser comemorada.

Regra 2: uma boa notícia deve ser muito bem avaliada.

Dito isso, vamos comemorar: o volume movimentado nos portos brasileiros cresceu mais de 29% entre os anos 2010 e 2017. Avanço importante para uma estrutura fundamental na economia de qualquer país costeiro. E podemos observar, pelo gráfico abaixo, um crescimento consistente ao longo dos anos. No entanto, pelo mesmo gráfico notamos que o crescimento do volume de cargas nos portos privados foi de 32,9%, quase 50% maior que o observado nos portos públicos.

Fonte: Anuário 2017 Antaq
Fonte: Anuário 2017 Antaq

Vamos agora para a regra de número 2: esse aumento de volume significa que melhoramos a produtividade portuária na mesma proporção? Infelizmente não. E ainda há muito a ser feito, especialmente nos portos administrados pelo governo.

Existem vários aspectos para avaliar a produtividade de um porto, sendo que um deles é o tempo de espera para um navio atracar. E esse tem sido um problema que afeta de forma mais intensa exportadores e importadores de cargas a granel, cargas essas que representam 85% de todo volume escoado. Em alguns casos o tempo de espera por um berço de atracação ultrapassa 30 dias.

O problema das filas de navios acaba sendo invisível para a maior parte da população, pois diferente dos caminhões, os navios formam filas bem longe do alcance de nossos olhos.

Um navio parado, aguardando berço para atracação, gera problemas que vão além do alto custo da diária paga pelos exportadores e importadores. Alguns armadores, por exemplo, já evitam passar por determinados portos brasileiros. E quando aceitam, cobram um frete mais alto para compensar os problemas com o aumento do tempo de viagem. Isso porque um navio normalmente passa por vários portos desde sua origem até o destino final, como forma de otimizar o volume embarcado. Atraso em qualquer um dos portos prejudica toda a sequência de viagem, gerando transtorno para dezenas de outros clientes.

O fato é que o Brasil ainda é muito dependente da estrutura dos portos públicos, responsáveis por mais de 30% do volume total movimentado. O problema é que o governo não tem recurso suficiente para investir. E os investimentos, quando ocorrem – muitas vezes de forma tardia –, acabam sendo insuficientes. Na verdade parte importante desses investimentos acaba mesmo sendo patrocinada pela própria iniciativa privada, por ser a maior interessada na produtividade dos portos.

Então quando recebemos a notícia de que 30% do volume é escoado por portos públicos, não significa dizer que 30% seja escoado graças ao poder público. A estrutura é pública, mas parte importante dos recursos/investimentos acaba vindo mesmo da iniciativa privada.

Voltando à questão das filas, e para melhor ilustrar, vamos a um exemplo real. Um caso onde a solução para reduzir o tempo de atracação dos navios e, portanto, aumentar a produtividade do porto, depende apenas e tão somente da construção de um píer. O custo de investimento seria da ordem de US$ 140 milhões. Mas por conta da indisponibilidade de novos berços de atracação a empresa X gasta anualmente US$ 40 milhões com demurrage (valor pago relativo à diária do navio parado), a empresa Y gasta US$ 5 milhões e outras empresas menores juntas gastam um total de US$ 5 milhões. Sendo assim, todas as empresas perdem um total de US$ 50 milhões por ano somente com o pagamento de estadias dos navios para os armadores. Como o investimento para resolver o problema seria de cerca de US$ 140 milhões, significa dizer que, em cerca de três anos, o investimento se pagaria.

Não precisa ser um especialista na área financeira para saber que esse é um investimento muito interessante. Sem contar os outros benefícios de se ter um porto mais produtivo, como a oportunidade de aumento do volume de exportação e o incentivo para a instalação de novas empresas na região.

Então a pergunta é por que os investimentos mais urgentes não são patrocinados pela própria iniciativa privada? E a resposta é: via de regra, tudo aquilo que é possível acaba de fato sendo financiado pelas empresas. O problema é que mesmo quando as empresas resolvem investir na estrutura portuária (que não seria o seu papel), enfrentam barreiras burocráticas que emperram todo o processo.

Para resolver essas e outras questões precisamos de um Ministério dos Transportes que trabalhe cada vez mais próximo às associações de classe do setor produtivo. Existem muitos estudos já elaborados por essas associações e não precisamos perder mais tempo fazendo benchmarking mundial, tentando aplicar as melhores práticas no Brasil. Afinal, como diz o ditado popular, o ótimo é inimigo do bom. Temos bons projetos e existem recursos privados prontos para serem investidos. Mas o excesso de burocracia no processo de licitação das áreas portuárias, nas aprovações de novos projetos e na renovação dos terminais em operação tem travado essa agenda urgente de investimentos. Não é razoável, por exemplo, levar mais de dois anos para aprovar apenas um projeto de terminal privado.

Equivalente a dizer que o sucesso de cada país depende da educação de sua população, podemos dizer que a competitividade de cada país depende essencialmente da sua capacidade de escoar a produção e receber seus insumos. A logística no Brasil custa cerca de duas vezes mais do que a logística nos Estados Unidos, em relação ao PIB dos países.

Ao governo cabe o papel de criar mecanismos para agilizar os leilões de áreas portuárias, renovações de contratos vigentes e aprovação de novos terminais privados. Nesse exato momento existem bilhões de dólares prontos para serem investidos pela iniciativa privada, dependendo apenas de questões burocráticas que têm travado essa importante agenda de crescimento do país.

Mas essa mudança de patamar passa também necessariamente por nomear um ministro dos transportes e seus diretos com reconhecido conhecimento técnico no setor e pela manutenção dos mesmos por um longo prazo. Nos últimos cinco anos tivemos cinco ministros diferentes na pasta dos transportes. Sem visão técnica de longo prazo continuaremos a assistir apenas belas apresentações em PowerPoint com projetos para levar o Brasil aos padrões do porto de Rotterdam, quando por hora o que precisamos mesmo é de apenas mais um píer naquele porto público.

O porto é do governo, mas o custo da fila é de todos nós

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