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Direito de preferência à autorização ferroviária e as polêmicas de sua (não) regulamentação: uma história de muitas faces

Por Mariana Avelar em 19 de novembro de 2024 às 9h49
Mariana Avelar

Ao regular o direito de preferência para obtenção de autorizações ferroviárias, a ANTT poderá remendar lacunas do marco regulatório das ferrovias ou, ao contrário, comprometer sua efetividade.

O marco legal das ferrovias modernizou o arcabouço regulatório do setor e, entre outros aspectos, introduziu a figura da autorização ferroviária. Ao instituir a exploração privada de infraestrutura ferroviária, buscou endereçar assimetrias regulatórias e, com algum sucesso, possibilitar a composição de interesses e posições jurídicas dos diversos agentes do setor.

Um ponto de preocupação na elaboração do marco foi evitar a vulnerabilidade das concessões já estabelecidas, viabilizando um grau de flexibilidade que permitisse a elas algum nível de proteção diante da inserção de novos competidores em mercados anteriormente exclusivos.

Uma das "compensações" previstas foi o direito de preferência das concessionárias ferroviárias para obtenção de autorizações dentro de sua área de influência. Esse direito poderia ter sido extinto com o veto presidencial ao artigo 67 da Lei nº 14.273/2021, mas o veto foi posteriormente derrubado, restabelecendo o direito de preferência.

Assim, o direito de preferência permite que a concessionária obtenha autorização ferroviária para empreendimentos situados dentro da área de influência de sua concessão. Esse direito é garantido apenas nos cinco primeiros anos da vigência do marco legal das ferrovias e só pode ser exercido se a concessionária aceitar as mesmas condições propostas pelos requerentes originais ou pela proposta vencedora.

A lei estabelece dois aspectos do direito de preferência: um material e outro formal. O aspecto material se refere à restrição geoespacial, pois cabe à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) definir a área de influência da concessão. O aspecto formal define o prazo de exercício do direito: nos cinco primeiros anos de vigência do marco legal, a ANTT deve oferecer um prazo de até 15 dias corridos para que a concessionária manifeste seu interesse em exercer o direito de preferência.

Quanto a este último aspecto, embora a lei permita discricionariedade ao mencionar "até quinze dias", entende-se que a agência deve justificar a concessão de um prazo inferior, considerando a alta complexidade dos processos de autorização e as deliberações necessárias para o exercício desse direito.

Pense comigo: quantos casais conseguem decidir pela compra de um imóvel em quinze dias? Considere os passos: pesquisa, comparação de valores e condições, levantamento de recursos e alinhamento de preferências. Agora, maximizemos esse exemplo para a decisão de aderir, ou não, a uma autorização ferroviária que envolve investimentos substanciais: quinze dias seriam suficientes para uma decisão dessa magnitude?Entretanto, esse está longe de ser o maior desafio para a operacionalização do direito de preferência.

Uma dúvida recorrente é se a concessionária interessada poderia participar de chamamento público para autorização de ferrovia em sua área de influência. Na análise de impacto regulatório apresentada na Audiência Pública 7/2024, a ANTT concluiu que "a concessionária diretamente afetada pela implantação da nova ferrovia não poderá participar do processo de Chamamento Público, cabendo a ela apenas exercer o direito de preferência, assumindo a autorização nas mesmas condições da proposta vencedora".

Contudo, houve um salto interpretativo entre essa conclusão e o que efetivamente foi proposto na minuta de resolução em consulta pública. Uma série de novas exceções ao direito de preferência foi sugerida, sem respaldo claro no marco legal das ferrovias. A minuta de resolução propõe que o direito de preferência não possa ser exercido em trechos:

  • onde não houve tráfego comercial nos últimos dois anos;
  • onde tenham ocorrido descumprimentos de metas ou indicadores de desempenho nos últimos dois anos, conforme definido pela ANTT;
  • em concessões em processo de devolução ou relicitação;
  • onde o acesso à área de influência é necessário para conexão com a concessão existente ou para acesso a portos.

A agência justifica essas exceções como barreiras contra comportamentos oportunistas das concessionárias. Mas, convenhamos: não seria mais adequado combater esses comportamentos com uma combinação de estratégias regulatórias já à disposição da agência?

A exploração de trechos em dificuldade operacional, sob regime de autorização, poderia ser uma maneira de resolver litígios regulatórios e racionalizar o desenho da malha ferroviária nacional. Por outro lado, há um amplo debate sobre a metodologia apropriada para definir a área de influência da concessão.

A proposta de resolução, contrariando recomendações que sugerem métricas customizadas de acordo com o porte de cada ferrovia e a dinâmica de distribuição dos polos de carga, dispôs que "considera-se a ferrovia a ser outorgada como situada na área de influência de uma concessão ferroviária existente quando estiver localizada ou adentrar em um raio de cem quilômetros contados do eixo da ferrovia".

A ausência de critérios para essa definição é evidenciada pelo item 360 da análise de impacto regulatório da AP 7/2024, que aponta: "apesar de não ter sido identificada metodologia que resultou na definição dessa distância de 100 km (em vez de 50 km, 30 km ou qualquer outro valor), esse valor se mostra como um possível referencial". Não parece uma justificativa adequada para uma agência comprometida com boas práticas regulatórias, baseadas em dados e evidências.

Em entrevista à Agência Infra, o gerente substituto de regulação ferroviária da ANTT, Marcus Vasconcellos, ressaltou que a área de influência não foi "tirada da cartola", uma vez que a agência tomou como referência um EVTEA elaborado pela Valec. Vasconcellos também observou que "o artigo 67 tem mais dois anos e meio de vigência. Se a metodologia for muito complexa e exigir estudos, pode ser que o estudo fique pronto próximo ao término da vigência do artigo".

Concordo: a regulamentação do direito de preferência tem demorado mais do que o desejado, e há um risco real de que o direito prescreva antes de sua regulamentação efetiva. Tal postura desrespeita um direito legalmente atribuído às concessionárias e aumenta a litigiosidade no setor. A atuação da ANTT, portanto, pode ser crucial para restaurar ou comprometer o frágil equilíbrio entre os regulados do setor ferroviário.

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