A expectativa de redução do produto interno bruto (PIB) brasileiro em cerca de 3% em 2015, seguido por outra esperada queda de algo em torno de 1% no próximo ano, conforme os últimos noticiários, faz com que as empresas no Brasil revejam seus planos de negócios, apontando para baixo as projeções de demanda por suas mercadorias e serviços. Consequentemente, diversas delas já estão sofrendo os efeitos dos esforços visando à maximização do caixa, a redução do nível de estoques e o menor trânsito de produtos, salvo alguns setores que devem se sair melhor nesse período, como é o caso das empresas que atuam no agronegócio.
Este cenário desafiador gera um efeito dominó na demanda por serviços dos operadores logísticos de uma forma geral, gerando, consequentemente, impacto negativo nos seus negócios pela redução de volumes transportados e armazenados, considerando que os contratos dos operadores logísticos para esses tipos de serviço têm componentes variáveis de volume que determinam o complemento ou redução da receita ao final de cada mês.
Para se ter uma dimensão da importância dos operadores logísticos no mercado brasileiro que sofrem atualmente os impactos presentes e futuros da redução do PIB, um estudo da Associação Brasileira de Operadores Logísticos (Abol), intitulado Operadores Logísticos: Panorama Setorial, Marco Regulatório e Aspectos Técnico-Operacionais, concluído em 20 de março desse ano, com a participação da KPMG, da Mattos Filho Advogados e da Fundação Dom Cabral, estima que o setor é composto por cerca de 160 empresas de médio e grande portes, boa parte delas de estrutura familiar, respondendo por uma receita bruta anual de cerca de R$ 44 bilhões, e cujas organizações têm um faturamento médio anual aproximado de cerca de R$ 278 milhões por empresa.
Portanto, são empresas que ainda não são classificadas como sendo as da categoria de grande porte (faturamento bruto anual superior a R$ 300 milhões), conforme a Lei 11.638/07, e que, por isso estão obrigadas a terem os seus demonstrativos financeiros auditados por um auditor independente registrado na Comissão de Valores Mobiliários. Consequentemente, são em sua maioria organizações que não estão acostumadas a ter os processos operacionais e demonstrativos financeiros revisados por um terceiro, visando à certificação de seus números ou, simplesmente, identificação de oportunidades de melhoria operacional e financeira. O estudo da Abol é o primeiro levantamento sério feito no Brasil sobre o tamanho desse setor e relata os principais desafios das empresas que fazem parte dessa importante cadeia de negócios, que contribui expressivamente para o incremento do PIB brasileiro.
Neste cenário de redução de PIB, conjugado com os aumentos das taxas de inflação, de juros e de risco de crédito, menor demanda por produtos, mercadorias e serviços, e com o aumento da pressão dos clientes por redução dos custos logísticos, está cada vez mais difícil continuar operando. Conforme levantamento da área de Deal Advisory Insolvency da KPMG, no período de janeiro a setembro desse ano, houve 949 pedidos de recuperação judicial no Brasil para as empresas em geral, dos quais 15 foram de operadores logísticos.
Em todo o ano de 2014, foram 828 pedidos de recuperação judicial nas empresas em geral e dez nos operadores logísticos, enquanto em 2013 foram 874 nas empresas em geral e nove nos operadores logísticos. Em comparação com o ano passado, apenas esses nove meses de 2015 representaram um incremento de 15% nos pedidos de recuperação judicial nas empresas em geral versus um incremento de 50% nos operadores logísticos. Portanto, observamos um aumento bastante importante nos pedidos de recuperação judicial por empresas do setor logístico que, por conta de desafios externos e internos, não vêm conseguindo continuar operando sem o artificio do instrumento da recuperação judicial.
Assim, se do lado externo fatores como a redução do PIB, pressão dos clientes visando à redução dos custos logísticos, diminuição dos prazos de entrega, redução dos níveis de estoques e a consequente diminuição dos períodos de armazenagem são cada vez mais sensíveis, do lado dos operadores logísticos determinadas condições internas podem estar reduzindo as oportunidades de melhoria da gestão, em especial das empresas familiares.
De forma geral, os operadores logísticos são empresas espartanas em sua essência, pois primam pela redução de gastos em geral visando a contribuição para a geração de caixa. São empresas que pouco investem em escritórios sofisticados (geralmente sua área administrativa fica junto à atividade operacional, longe dos centros das cidades) e em integração de sistemas, embora se utilizem de sistemas de gestão de armazenagem e transporte que atendam aos requerimentos legais e fiscais. De forma geral, administram as operações tendo como ferramenta principal a gestão do caixa, ou seja, o quanto se tem e se espera ter no saldo de conta corrente ao final de um ciclo sazonal de atendimento de seus clientes.
Neste sentido, investimentos em sistemas atualizados de armazenagem e transportes integrados com os sistemas financeiro e contábil, investimento em processos que disponibilizem indicadores de performance confiáveis, investimentos na renovação da frota de veículos e na melhoria de processos internos de armazenagem acabam sendo postergados. Como consequência, processos de medição da performance operacional via indicadores-chave não são implementados.
Assim, a máxima de que quem não mede não gerencia pode estar de fato presente em boa parte das empresas familiares do setor logístico. Se por um lado determinadas empresas não estão revisando os seus processos continuamente, se não estão medindo a sua performance adequadamente, por outro lado fica difícil encontrar os caminhos internos para redução dos custos e aumento das margens sem aumentar o risco de perdas de clientes e da qualidade nos níveis operacional e administrativo.
Outro ponto bastante presente nas empresas familiares em geral, e não menos naquelas que operam o setor logístico, é a ausência de um plano estratégico de crescimento, principalmente no contexto atual de menor crédito disponível conjugado com o incremento das taxas de juros e redução da demanda em geral. É sabido que os períodos de baixo crescimento econômico não duram para sempre, e se preparar para quando o cenário melhorar é o desafio atual.
Conforme mencionado acima, o aumento do número de pedidos de recuperação judicial neste ano mostra que esse desafio é ainda maior. Nesse sentido, economizar os recursos ou obter crédito para a renovação da frota ou o aumento da área de armazenagem para quando novos clientes forem adicionados à carteira de clientes é um limite presente, já que adicionar um novo cliente normalmente representa a necessidade de investimento significativo em capital intensivo.
Assim, o que se observa nas empresas familiares em geral, e não menos as do setor logístico, é um cenário sem muitas saídas caso os fatores externos não melhorem em razão de não conseguirem enxergar internamente os meios e as oportunidades para aperfeiçoar a gestão do seu negócio.
Vale lembrar que, muitas vezes, essas empresas acreditam que o gasto nessa categoria de investimento, voltado para a atualização de sistemas, para a maior confiança nas informações financeiras e visando à implementação de indicadores de performance é alto ou o retorno é incerto. Existem soluções compatíveis ao tamanho e perfil de cada entidade em termos de custo e esforço, das mais simples às mais complexas. Cabe aos seus gestores fazerem uma reflexão sobre suas organizações em contraposição aos cenários atual e futuro, pois mesmo que processos possam estar funcionando muito bem, mudanças na conjuntura econômica exigem a revisão dos mesmos.
Dário Vieira de Lima
Sócio-diretor de Auditoria da KPMG no Brasil dvlima@kpmg.com.br Tel.: 11 2856-5300