Há muitas décadas o Brasil é visto como um país em desenvolvimento, mas o status de nação desenvolvida sempre foi uma meta distante, uma promessa futura quase inatingível. Enquanto isso, nosso país se posicionava na contramão em vários setores estratégicos, como é o caso da infraestrutura de transporte. Primeiro, por optarmos pela prioridade ao rodoviarismo, deixando de lado o modal ferroviário, comprovadamente o mais eficiente para transportar grandes volumes de carga e a longas distâncias. E também por não levar em conta, suficientemente, a integração dos diversos modais, para a formação de corredores logísticos adequados às características do território brasileiro.
Nos demais países de dimensões continentais, como Canadá, Estados Unidos, Rússia e China, as ferrovias têm uma participação de 40% a 60% na matriz de transportes. Já no Brasil, a participação do transporte sobre trilhos ainda é de apenas 25%, sendo que as rodovias movimentam cerca de 60% de todas as cargas no território nacional. Essa grave distorção gera custos econômicos, ambientais e sociais.
No aspecto econômico, os dados são extremamente significativos. O preço do transporte de cargas reflete-se diretamente no Custo Brasil, afetando a competitividade dos nossos produtos no exterior e até mesmo no mercado interno. Segundo pesquisa do instituto ILOS, o transporte rodoviário tem um custo médio em torno de R$ 216 mil por TKU (toneladas/quilômetro útil), enquanto no modal ferroviário esse custo é de R$ 38 mil, mais baixo que o aquaviário, estimado em R$ 49 mil por TKU. Quanto mais extensa e bem traçada for a nossa malha, integrando todos os modais, menor será o custo e maior a eficiência.
Um detalhe importante nesse cenário é a interiorização da nossa produção agroindustrial. A fronteira agrícola e pecuária está se expandindo para as regiões Centro-Oeste e Norte, enquanto a indústria de base e de bens de consumo cresce bastante na região Nordeste. Isso já fez com que a distância média percorrida por cargas no Brasil aumentasse em 11% nas ferrovias e em 16% nas rodovias, entre 2006 e 2012. Ou seja, estamos indo mais longe, em busca de cargas e transportando produtos no território nacional.
Do ponto de vista ambiental, as ferrovias também levam ampla vantagem. Para se ter uma ideia, uma única composição com uma centena de vagões é capaz de substituir 350 caminhões. Menos motores de combustão em funcionamento significam menos consumo de combustíveis e menor emissão de poluentes. Segundo o Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o consumo de combustível por tonelada transportada em uma ferrovia moderna equivale a apenas 1/5 do consumo em uma rodovia igualmente moderna.
O Instituto ILOS, por sua vez, comprova que os trens de carga emitem 70% menos dióxido de carbono (CO2) e 66% menos monóxido de carbono (CO) do que os caminhões; ou seja, a emissão dessas substâncias nas rodovias é três vezes maior, se comparada às ferrovias. Além de poluir mais, a sobrecarga das rodovias, principalmente em um cenário de crescimento econômico, produz lentidão, buracos e risco de acidentes, com prejuízo para os próprios caminhoneiros. Com os investimentos que estão sendo programados pelas concessionárias para as malhas ferroviárias nos próximos cinco anos, será possível aliviar a movimentação nas rodovias em mais de dez mil caminhões, diminuindo a poluição do ar, a poluição sonora e os congestionamentos nas estradas e nas cidades.
No campo social, os investimentos na infraestrutura de transporte já estão trazendo inúmeros benefícios para a população. Cresceu 148,8% a oferta de empregos diretos e indiretos nas ferrovias de carga. Em 2011, o setor passou a empregar 41.455 trabalhadores, mais que o dobro do total de 16.662 empregos registrado em 1997, isso sem contar a crescente demanda de mão de obra na indústria ferroviária nacional, para a fabricação de vagões, locomotivas, equipamentos especiais e centenas de componentes. Além disso, a construção das novas malhas, expandindo consideravelmente as operações ferroviárias no Brasil, deverá gerar milhares de novos postos de trabalho.
Com a revitalização do setor, que vem ocorrendo desde 1996, quando foi implantado o modelo de concessões das ferrovias de carga, cresce a cada ano a necessidade de engenheiros especializados, técnicos, maquinistas e outros profissionais voltados ao segmento. Para atender à demanda de mão de obra especializada em função do crescimento do mercado e surgimento de novas tecnologias, as concessionárias investem fortemente em capacitação profissional, oferecendo cursos indoor e firmando convênios com universidades e escolas técnicas, inclusive o Senai – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial.
As comunidades ao longo das ferrovias também têm sido beneficiadas por diversas ações de responsabilidade social das concessionárias e pela maior qualidade e segurança das operações. Em 15 anos de concessões ferroviárias, o índice de acidentes caiu 81,2%, passando de 75,5 para 14,2 por milhão de trens.km. Esse resultado é consequência de investimentos maciços em campanhas de segurança, tecnologia, treinamento e manutenção. É um índice que deverá se alinhar aos parâmetros internacionais com a construção de novos contornos urbanos, vedações e viadutos, além de soluções para passagem em nível, beneficiando diretamente cerca de dois milhões de habitantes, em mais de 13 municípios.
Diversificação de cargas
Todos esses fatores econômicos, ambientais e sociais indicam que o setor ferroviário de cargas, após a desestatização, tem contribuído decisivamente para que o Brasil supere a distorção de sua matriz de transportes e, com isso, ganhe maior competitividade logística. Graças aos investimentos das concessionárias, que já superam a cifra dos R$ 30 bilhões, as ferrovias alcançaram novo patamar de desempenho nos últimos 15 anos e vêm consistentemente aumentando sua produção. Nesse período, a produção ferroviária cresceu 111,7% – um índice duas vezes maior que a taxa de crescimento do PIB brasileiro (54%).
Esse salto de produção foi acompanhado de uma maior diversificação da carga transportada. O minério de ferro e o carvão mineral são as cargas mais comuns nas ferrovias brasileiras, representando 76,61% do volume total transportado, mas a participação de outros tipos de carga vem aumentando consistentemente. Entre 1997 e 2011, a movimentação de carga geral cresceu 76,2%. Neste último ano, o agronegócio foi responsável por aproximadamente 11,51% da movimentação e os produtos siderúrgicos registraram 3,77% de participação, enquanto os derivados de petróleo e álcool alcançaram uma cifra de 2,79%. Já os insumos da construção civil e cimento representaram aproximadamente 1,41% do estimado no transporte sobre trilhos.
O transporte de cargas conteinerizadas aumentou mais de 83 vezes desde a desestatização do setor. Se levarmos em consideração apenas o ano de 2011, o transporte de ¬contêineres cresceu 23,7%, passando de 232.424 TEU (Twenty Foot Equivalent Unit) para 287.458 TEU. É importante lembrar que esse crescimento poderá ser ainda maior se forem solucionadas as atuais dificuldades para o transporte intermodal, como a defasagem do sistema tributário e as precárias condições de acesso ¬ferroviário aos portos, além da importância de se implementar o conhecimento de transporte eletrônico (CTe). Intensificar a intermodalidade é fundamental para a melhor utilização da infraestrutura de transportes, o que reduzirá o Custo Brasil, equacionando o uso das vantagens de cada modal, inclusive quanto ao consumo de energia e impactos ambientais.
O aumento da eficiência energética é outro resultado altamente positivo da nova gestão das ferrovias de carga no Brasil. As locomotivas estão consumindo menos combustíveis e algumas já são movidas a biodiesel. A maior eficiência reduz os custos operacionais, conferindo sustentabilidade econômica ao negócio, tanto para o transportador quanto para os clientes, ao contrário do que ocorria nos tempos da extinta Rede Ferroviária Federal (RFFSA). O modelo estatal, como se sabe, gerava perdas operacionais da ordem de R$ 1 milhão por dia, acumulando – entre 1994 e 1997 – um prejuízo de R$ 2,2 bilhões.
A desestatização das malhas ferroviárias teve forte impacto positivo nas contas públicas desde o primeiro momento: entre 1996 e 1998, os valores apurados nos leilões das malhas da RFFSA totalizaram R$ 1,76 bilhão. Este foi apenas o início de um processo de desoneração dos cofres públicos, pois, desde então, o que só dava prejuízo passou a ser lucrativo para todos os setores envolvidos, inclusive a União e toda a sociedade.
Além do forte investimento na revitalização do transporte ferroviário de cargas no Brasil, as concessionárias já recolheram mais de R$ 15 bilhões aos cofres públicos. Desse montante, R$ 9,57 bilhões referem-se ao pagamento de impostos e Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) sobre as operações ferroviárias, enquanto R$ 5,52 bilhões correspondem à arrecadação proveniente do pagamento das parcelas de concessão e arrendamento da malha. Só em 2011, o valor recolhido aos cofres públicos pelas concessionárias foi de R$ 1,58 bilhão.
Olhar para o futuro
Após 15 anos de concessão, o setor está revitalizado e opera hoje com excelentes níveis de segurança e eficiência. Agora, precisamos olhar para a frente. Todos sabem que o desenvolvimento do País nas próximas décadas depende essencialmente de investimentos maciços na infraestrutura, inclusive na logística de transporte de cargas. Investimentos que precisam acontecer desde já, para que tenhamos condições de atender plenamente às demandas da competitividade no cenário internacional.
Felizmente, o horizonte tornou-se mais promissor com a retomada do comprometimento governamental no sentido de implantar um sistema integrado de transporte, que tem como espinha dorsal a construção de ferrovias estruturantes, como a Norte-Sul (que permitirá a conexão entre todas as regiões brasileiras), a Oeste-Leste (ligando Ilhéus a Barreiros, na Bahia), a Centro-Oeste (da cidade goiana de Uruaçu até Vilhena, em Rondônia), a ampliação da malha em Santa Catarina (do extremo Oeste ao litoral do Estado), a Transnordestina (interligando o interior de vários Estados a três importantes portos do Nordeste) e o Ferroanel de São Paulo (que vai dar agilidade ao escoamento de cargas para o Porto de Santos) – além de uma série de investimentos potenciais programados pelas concessionárias em suas respectivas malhas, para os próximos anos.
Diante dos desafios de viabilizar a expansão e consolidar a modernização da malha ferroviária, continua sendo imprescindível a parceria do Governo Federal com as empresas do setor, que dependem da sustentabilidade econômica de suas operações. Há, infelizmente, alguns obstáculos no caminho dessa opção: primeiro, as concessões atuais terminam dentro de 15 anos e, a menos que esse prazo seja ampliado, os vultosos investimentos não teriam como assegurar retorno aos novos capitais que precisam ser aplicados; segundo, uma postura estatizante mal dissimulada parece ignorar as bem-sucedidas experiências internacionais, que recomendam para o transporte ferroviário um modelo integrado de operação a cargo de cada concessionária. Se os resultados inquestionáveis da revitalização das ferrovias em nosso país comprovam o acerto do modelo de concessões, devemos preservar a segurança jurídica e, consequentemente, os investimentos realizados.
O prazo remanescente dos contratos de concessão das ferrovias de carga não é compatível com a indução de grandes investimentos de longo prazo de maturação, que hoje se impõem como extremamente necessários, diante das novas demandas do País. Nesse ponto, a extensão do prazo de concessão seria benéfica para todos. Para o governo, permitiria a realização imediata de investimentos críticos sem comprometimento de recursos públicos. Para as concessionárias, propiciaria maior competitividade e eficiência das cadeias produtivas atuais, viabilizando esses investimentos.
Outro problema é a aplicação mais rigorosa e equitativa das exigências regulatórias. O transporte ferroviário está sujeito a rigorosas normas operacionais, metas de desempenho, procedimentos de integração, limites mínimo e máximo de tarifas etc., enquanto outros modais ainda funcionam quase à revelia do órgão regulador, seja quanto à segurança dos veículos, ao uso inadequado dos combustíveis, ao traçado dos itinerários, às condições de trabalho dos profissionais, ao precário respeito à conservação das vias e à ignorância das normas ambientais.
Daí, ser ociosa a discussão em torno de paradigmas tarifários ou metas de volume de transporte, enquanto não valer igualmente para todos os modais o padrão regulatório que hoje prevalece apenas para um ou dois segmentos. A segurança do retorno dos investimentos, associada à equidade no tratamento pelo poder concedente entre os competidores da matriz de transportes representa um importantíssimo fator de aprimoramento de todo o sistema intermodal brasileiro, que somente assim será capaz de contribuir substancialmente para o desenvolvimento do País.
Rodrigo Vilaça
Presidente-executivo da ANTF
Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários
Tel.: (61) 3226-5434
rodrigo.vilaca@antf.org.br