O mundo em que vivemos vem apresentando várias mudanças e de uma maneira tão rápida que às vezes nos deixa assustados com a evolução dos acontecimentos. A economia mundial, por exemplo, está passando por profundas transformações e de maneira bastante dinâmica. O eixo do poder econômico que sempre se concentrou em tornos dos EUA e países Europeus está se deslocando para os países emergentes.
Muitos são os exemplos que poderíamos utilizar para apresentar como evidências deste argumento, mas devido à limitação de espaço neste texto, serão discutidas três situações relacionadas a dados macroeconômicos. Vejamos por exemplo o comportamento das vendas mundiais de veículos de passageiros e comerciais leves quando se compara a fatia de mercado dos países emergentes em 2007 e em 2010. Os emergentes saíram de uma pequena participação em junho de 2007 para quase metade das vendas mundiais deste produto em setembro de 2010.
Outro dado interessante é fato de que os mercados dos emergentes são considerados os melhores mercados para os próprios emergentes. A participação do mundo emergente como destino das exportações dos próprios emergentes evoluiu de 37,7% no ano 2000 para 50,10% em 2009, demonstrando a preferência mencionada e contribuindo para entendimento do redirecionamento do eixo do poder econômico.
Por último, A figura 1 traz uma visão panorâmica do crescimento do produto interno bruto (PIB) de vários países no ano de 2010 e contribui ainda mais para consolidar a importância dos países em desenvolvimento. Digno de nota é o fato de que o Brasil ocupa a terceira posição em termos de crescimento entre os países considerados, atrás da China e da Índia. Os demais países, incluindo os EUA, Japão e vários Europeus, apresentaram crescimento bem abaixo do que os três maiores desempenho mencionados.
Este conjunto de indicadores aponta na direção da significância dos emergentes no concerto econômico mundial dando suporte a iniciativas de se buscar um melhor entendimento do que vem acontecendo nas regiões dos países em foco, principalmente no que se refere à gestão dos recursos que são ofertados. Assim, o instituto ILOS, em parceria com outras organizações internacionais, realizou a pesquisa sobre os desafios e oportunidades para os compradores que adquirem bens e serviços em países emergentes e que será apresentada de forma resumida neste artigo.
Parceiros da pesquisaA pesquisa foi coordenada pela Sociedade Alemã de Logística (BVL) e pelo Departamento de Logística da Universidade de Tecnologia de Berlim e contou com a participação de colaboradores e especialistas de diferentes países para coleta de dados nas suas respectivas regiões ou outras de seus interesses. Esta pluralidade de pesquisadores e campos estudados conferiu o caráter internacional do ambiente onde a pesquisa foi realizada.
O Brasil foi representado pelo Instituto de Logística e Supply Chain (ILOS), e teve ao seu lado Escolas de Negócios de diferentes Universidades e Associações de Logística da China, Rússia, Turquia e Estados Unidos da América. Estas instituições investigaram as atividades de Compras nos emergentes das seguintes regiões: Brasil, Turquia, Rússia, China, Leste Europeu, Tigres Asiáticos e ASEAN5 (Associação das Nações do Sudeste Asiático – Indonésia, Malásia, Filipinas, Tailândia e Vietnam). A figura 2 mostra no lado esquerdo o grupo de países onde estavam localizadas as empresas compradoras e o lado direito é representado pelas regiões fornecedoras para as empresas dos países do lado esquerdo.
O estudo contou com a participação de 332 importantes empresas industriais com elevado valor anual de gastos realizados pelos seus departamentos de Compras e que dividiram com os pesquisadores suas percepções sobre os objetivos de sourcing, os desafios atuais e futuros que elas estão experimentando na definição das suas estratégias de suprimentos e, ainda, a respeito do volume de redução de preços nas compras realizadas nos mercados emergentes.
A grande maioria das empresas entrevistadas (79%) tinha faturamento acima de 50 milhões de Euros e 40% do total da amostra tinha faturamento acima de 500 milhões de Euros. O executivo de Compras tinha posição de Vice-Presidente em 14% delas e Diretor ou Gerente Executivo em 78% das empresas, indicando a importância desta função principalmente sob a perspectiva estratégica.
A amplitude dos setores pesquisados mostra a diversidade de empresas que emitiram suas opiniões colaborando com a generalização dos resultados encontrados. Os segmentos investigados foram: máquinas e motores; eletrônica e tecnologia de informação; automotivo; alimentos e bebidas; bens de consumo; químico e farmacêutico; têxtil; e siderúrgico.
Desafios dos Compradores em Mercados Emergentes em Geral
As empresas localizadas no lado esquerdo da figura 2 que executam suas aquisições nos mercados emergentes dos países citados no lado direito da figura 2 encontram vários desafios associados à qualidade dos produtos, infraestrutura logística, processos e comunicação e outros que serão discutidos adiante. Alguns destes desafios estão constantemente sendo ressaltados na mídia internacional e pouca evolução em direção de alteração do quadro dos últimos anos tem sido observada.
A figura 3 a seguir apresenta uma consolidação dos fatores mencionados. Qualidade dos produtos foi o problema mais apontado pela grande maioria (77%) das empresas compradoras nos mercados emergentes. A baixa qualidade pode ser explicada pelo baixo conteúdo tecnológico quando comparado com regiões desenvolvidas, pouca preocupação com o cliente e problemas de produção e gestão. Uma forma de se contornar este problema é a utilização de serviço terceirizado de controle de qualidade antecipado. Algumas empresas brasileiras que realizam partes das suas compras fora do Brasil em países emergentes procuram adotar a prática de ter uma empresa de auditoria no local da obtenção para atestar a qualidade antes do material ser encaminhado e evitar todo transtorno de recusa do material depois da sua chegada no país.
A infraestrutura logística foi apontada em segundo lugar com 74% dos votos entre os entrevistados. Este ponto é recorrente nas condições oferecida pelos emergentes que ainda não contam com uma infraestrutura adequada para movimentação dos bens que exportam ou que comercializam internamente.
No caso do Brasil, já é de amplo conhecimento como nossas restrições logística afetam o tempo de entrega e o custo das compras que são realizadas em nosso país. Alguns de nossos produtos, em que pese serem produzidos ou cultivados de forma eficiente, perdem competitividade internacional por conta da deficiência de estrutura logística que enfrentamos. É claro que já existem projetos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) para suprir alguns gargalos logísticos, mas estes projetos estão sendo executados com uma velocidade tão baixa que ainda vamos levar muito tempo convivendo com os gargalos logísticos atuais.
Os problemas de comunicação citados na figura 6 são referentes a baixa troca de informações entre comprador e fornecedor. Muitas destas informações dizem respeito à operação de movimentação do material que precisa vencer grandes distâncias até ponto de destino, quando se trata de troca entre países. A falta de fornecedores qualificados foi apontada por 68% das empresas compradoras participantes da pesquisa e significa que elas estão encontrando dificuldades em identificar fornecedores adequados devido a questões associadas ao processo produtivo destes fornecedores localizados em países emergentes. Outra dificuldade indicada por 67% das empresas também muito correlacionada a anterior foi a falta de conhecimento tecnológico dos fornecedores.
Pelo visto, os fornecedores estão com estrutura e conhecimentos tecnológicos aquém do esperado pela maioria dos compradores, com reflexos na satisfação das necessidades dos demandantes, que precisam dos fornecedores para realização dos seus significativos investimentos nos próximos anos, devido ao crescimento econômico que foi delineado no início deste texto.
O estudo internacional que deu origem a este artigo também apontou que existe uma mentalidade de negociação entre os emergentes que dificulta os relacionamentos e que proporciona pouca flexibilidade na interação entre as partes. Esta ocorrência foi constatada por 65% dos entrevistados. Curioso também é o fato da cultura local ser apontada por 63% dos respondentes como barreira para realização dos negócios. Pode ser que estas as médias dos dois últimos problemas citados estejam influenciadas pelos demais emergentes, porque o Brasil, devido seus fortes aspectos culturais latinos, sempre foi caracterizado por um país de excelente relacionamento com seus interlocutores.
Desafios dos Emergentes por País
Os países emergentes possuem problemas semelhantes no que se refere ao atendimento de suas próprias necessidades e de outros que procuram este mercado. Sem dúvida, a questão de falta da infraestrutura logística é o fator marcante em todos os países examinados.
Conforme descrito na figura 4, a logística é um grande problema quando se compra na China, sendo apontado por 87% das empresas entrevistadas. Na Rússia, este percentual cai para 85% dos respondentes. As dificuldades estão relacionadas à regulamentação, inúmeros gargalos, falta de operador habilitado e baixo desempenho da cadeia de suprimento na movimentação de material com um todo.
A China iniciou vários programas governamentais para mudar o quadro atual e envolveu empresas de logística estrangeiras nas suas operações de modo a ganhar experiência e poder adaptá-la ao mercado chinês.
O Brasil apresentou índice de dificuldade logística, apontado pelas empresas compradoras, semelhante aos da China e Rússia. Nossos projetos de desenvolvimento em infraestrutura são vistos externamente como de execução em passos lentos, levando a situação atual de gargalos no sistema a se confirmar nos próximos anos. Outro ponto também comentado pelos países que compram no Brasil, seja empresa brasileira ou estrangeira, é que os preços dos nossos serviços logísticos são muito elevados, contribuindo com a formação de obstáculos na aquisição de bens no Brasil. O fato é que, de uma forma geral, China, Rússia, Brasil, leste Europeu e Turquia apresentaram índice de dificuldade logística parecidos e elevados.
O segundo desafio, a ser considerado de forma individualizada aparece explicitado na figura 5 e está associado a dificuldade de negociação nos países emergentes. Os problemas desta natureza são principalmente decorrentes de barreiras culturais existentes nestes mercados. As empresas entrevistadas apontaram a Rússia com o maior índice de problemas de negociação. A Turquia segue em segundo lugar e os problemas lá estão relacionados a acordos de livre comércio, quotas de transportes, regulamentações e também decorrentes de uma alfândega turca sindicalizada.
Já no leste Europeu existe uma prática salutar de se ter um gerente de conta na negociação entre os parceiros aumentando a relação de confiança e assegurando a acuracidade nas informações que são trocadas, mas mesmo assim mais da metade dos entrevistados (54%) apontaram dificuldades no campo da negociação naquela região.
O dado que chama atenção e que foi revelado na pesquisa foi o fato do Brasil ser o país com menor índice de dificuldade para negociação, pois este problema foi apontado apenas por 38% das empresas que compram do Brasil. Os demais países apresentaram percentuais bem maiores do que o nosso. Dentre os motivos que contribuem para este baixo indicador poderíamos citar o jeito flexível, contemporizador e amistoso do brasileiro.
A falta de fornecedor qualificado, conforme já observado no início deste texto, é um dos problemas enfrentados pelos emergentes e é mais sentido nos países do leste Europeu, China e Brasil. A região com maior incidência desta situação foi o leste Europeu com (75 %) dos respondentes chamando atenção para este problema. China e Brasil aparecem logo em seguida com 72% das opiniões dos compradores. A figura 6 traz a visão de todos os países pesquisados.
A maioria dos fornecedores de mercados emergentes atrai empresas compradoras devido suas vantagens de custo porque contam com o baixo custo da mão de obra dos seus países. Entretanto, o baixo custo da mão de obra parece estar associado com limitações de habilidade e capacidades de aprendizado dos trabalhadores, trazendo reflexos na qualificação dos fornecedores.
Este quadro indica que os compradores terão que empreender esforços na direção de promover o desenvolvimento de seus fornecedores nos países emergentes. Este desenvolvimento passa pela busca de melhoria de qualidade, tempo de entrega, tempo do ciclo do pedido, capacidade de inovação, capacidade tecnológica de produtos e processos, capacidade de produção, responsabilidade ambiental e viabilidade financeira, dos fornecedores existentes e prospecção de novos fornecedores.
ConclusãoA transformação econômica nos países considerados emergentes está ocasionando um forte crescimento no consumo interno e externo destes países que recorrem ao mercado de outros emergentes para satisfação de suas necessidades.
Parece que os vendedores não estavam preparados para este significativo aumento de demanda, ocasionando deficiência nos serviços prestados, aumentos dos custos, problemas de qualidade do material fornecido e significativos gargalos logísticos devido à insuficiente infraestrutura logística desses países.
O movimento de reação aos problemas citados tem se mostrado de forma lenta e burocrática com impacto direto no tempo de resposta da solução de algumas dificuldades que foram discutidas. A continuidade dos gargalos mencionados por muito mais tempo, associados à grande procura dos emergentes sobre outros emergentes pode levar a uma escassez de fontes de fornecimento. Assim, os executivos de Compras e Suprimentos devem ficar atentos porque o cenário desenhado indica que eles terão dificuldade de tocar os projetos de investimentos de suas empresas por conta de uma possível falta de fornecedores.
Referência bibliográfica
Braga, A. R. Inteligência de Mercado Aplicada a Compras/Suprimentos. Revista Tecnologística, ed. janeiro 2008.
BVL, Strategies International Procurement: Challenges and Opportunities in Emerging Markets, Bremen, 2011.
ILOS, Pesquisa sobre Desenvolvimento de Fornecedores, 2011.
Ataide R. Braga
Professor e pesquisador do ILOS – Instituto de Logística e Supply Chain
ataide@ilos.com.br
Tel.: (21) 3445-3000