“Time’s up”! O prazo de 180 dias concedido pela Resolução CNSP 472/2024, publicada pela Superintendência de Seguros Privados (Susep) em 30 de setembro de 2024, para que as seguradoras realizem as adaptações necessárias aos seguros de RCTR-C e RC-DC, finalizou junto com o mês de março.
Esses seguros foram disciplinados pela Lei 14.599/2023 que alterou a Lei 11.442/2007, que disciplina o transporte rodoviário de cargas por conta de terceiros e mediante remuneração.
Assim, sob pena da aplicação das penalidades cabíveis e cancelamento automático dos planos de seguros vigentes, as seguradoras devem atender às novas diretrizes gerais estabelecidas pela mencionada Resolução e pela lei para assegurar a devida conformidade.
As principais mudanças no Seguro de RCTR-C
O seguro de responsabilidade civil do transportador rodoviário de cargas (RCTR-C), até a edição da recente Resolução CNSP 472/2024, estava disciplinado pela Resolução CNSP 219/2010.
Pode-se dizer que a grande alteração promovida nesse seguro pela nova lei e disciplinada pela Resolução, reside na proibição de estipulação de apólice por terceiros, até então facultada pela agora revogada Resolução 219/2010.
Isso significa que embarcadores, contratantes do Seguro de Transporte, não podem mais estipular apólices adicionais em nome de transportadores, tal como também autorizava a Circular Susep 354/2007, pois a Lei 14.599/2023 expressamente instituiu a unicidade das apólices do transportador.
Como fica a “DDR”?
Essa disposição da nova lei resolve o embate sobre a cláusula acessória à estipulação, que é a dispensa do direito de regresso da seguradora em face do transportador, conhecida como “Cláusula de DDR” ou “Carta de DDR”, centro da maior parte das discussões judiciais entre transportadores e seguradoras nas últimas duas décadas.
Apesar de inicialmente atrativa, na verdade, a DDR revelou-se prejudicial aos transportadores com o transcorrer do tempo, pois não se sustentava se fosse constatado o descumprimento do Plano de Gerenciamento de Risco (PGR) do embarcador; ou ainda se houvesse dolo, culpa grave ou violação às obrigações do transportador, consubstanciadas estas no dever de garantir a incolumidade da carga pela qual se responsabiliza objetivamente. Isso acabou gerando passivos financeiros para os quais os transportadores não estavam adequadamente preparados.
E embora haja divergentes posições acerca do tema, inclusive objeto da ADI 7.579, pendente de julgamento pelo STF, tem-se que se corrigiu uma distorção, haja vista que os seguros do transportador rodoviário se fundamentam justamente na sua responsabilidade civil em caso de perdas e danos à carga, razão pela qual se mostra coerente permitir a eles a melhor gestão dos próprios riscos e de suas próprias apólices.
Aprimoramento das Coberturas
A Resolução CNSP 472/2024 também reorganizou a redação dada pela antiga Resolução 219/2010, dispondo mais claramente sobre os riscos cobertos.
Especificamente no que se refere ao risco de “incêndio ou explosão no veículo transportador localizado nos depósitos, armazéns ou pátios usados pelo segurado”, vale acrescentar que o artigo 26 da Resolução criou uma flexibilidade no tocante ao prazo da permanência destes bens ou mercadorias, estabelecendo que não poderá ser inferior a 15 (quinze) dias, tampouco superior a 30 (trinta) dias, contados da entrada em depósito.
Observado o apetite ao risco pela seguradora, essa disposição pode figurar como uma boa possibilidade de negociação para apólices tailor-made, a fim de ajustá-las às específicas particularidades de cada operação.
O Seguro de RC-DC Agora Obrigatório: O Que Mudou?
Pode-se sustentar que a maior alteração promovida pela Lei 14.599/2023, agora disciplinada pela Resolução CNSP 472/2024, refere-se ao seguro de responsabilidade civil por desaparecimento de carga (RC-DC).
Previsto desde 1985, esse seguro anteriormente facultativo ao transportador, agora é de contratação obrigatória, com várias alterações relevantes que merecem destaque.
Comparativamente à Circular Susep 422/2011, que até então disciplinava esse seguro, a primeira modificação marcante relaciona-se aos riscos cobertos.
A norma citada previa como risco coberto o “desaparecimento total da carga, concomitantemente com o do veículo, durante o transporte em decorrência de apropriação indébita e/ou estelionato; furto simples ou qualificado; extorsão simples ou mediante sequestro”. Observe-se que não fala em roubo.
É fato, no entanto, que a Lei 14.599/2023 determina que haverá cobertura indenizatória para roubo, furto simples, furto qualificado, apropriação indébita, estelionato, extorsão simples e extorsão mediante sequestro sobrevindos à carga durante o transporte, e ponto.
E assim como a DDR, inclusive igualmente inaplicável também ao RC-DC, o “desaparecimento total da carga, concomitante com o do veículo”, alvo de muito questionamento judicial, torna-se letra morta, de modo que seja a concomitância, seja para o risco de roubo, seja para qualquer dos outros delitos previstos na lei, não há mais essa limitação.
Outro aspecto relevante é a antiga exigência que havendo roubo, “o autor do delito deveria assumir o controle do veículo, mediante grave ameaça ou emprego de violência.” Diante da nova Resolução, contudo, bastará a configuração do crime de roubo, com as suas elementares “grave ameaça”, “violência à pessoa” ou “impossibilidade de resistência” na medida em que não é possível restringir o que a lei não restringiu.
Igual raciocínio aplica-se, ainda, à viagem fluvial complementar, pois a Resolução CNSP 472/2024 suprimiu as condicionantes “abertura de inquérito policial” e a “exclusividade da viagem na Região Amazônica”, como restritivas à cobertura.
Já no que se refere à cobertura para roubo de bens/mercadorias carregados nos veículos transportadores, por sua vez, e que ainda estejam estacionados no interior do depósito ou no pátio, nos termos do artigo 19, inciso I, alíneas “a” e “b”, da nova Resolução 472/2024, o prazo de permanência dos bens e mercadorias não poderá ser inferior a 15 (quinze) nem superior a 30 (trinta) dias, muito diferente do disposto na agora revogada Circular 422/2011, que limitava a permanência máxima não superior a 15 (quinze) dias.
Outro destaque que se faz, é que embora agora seja seguro obrigatório para o qual, em tese e historicamente não se recomenda estabelecer franquia ou participação obrigatória do segurado, a Resolução CNSP 472/2024 permitiu a sua fixação para amenizar o custo (prêmio), dentro daquilo que já era praticado no mercado.
E apesar da intenção da Susep em apresentar um mecanismo de controle, o critério “capacidade econômico-financeira do segurado”, declinado no parágrafo 5º do artigo 19, da Resolução, mostra-se claramente indeterminado, podendo gerar desafios para a sua efetivação prática.
Disposições em comum ao RCTR-C e ao RC-DC
Para finalizar, pode-se apontar outras duas importantes questões que se aplicam a ambos os seguros.
A primeira refere-se à disposição sobre o PGR (plano de gerenciamento de riscos).
Embora na atualidade o PGR seja largamente empregado ao seguro de RC-DC, tanto a Lei 14.599/2023 quanto a nova Resolução CNSP 472/2024 estabeleceram a aplicabilidade a ambos os seguros.
Isso significa que daqui para frente, o PGR poderá contemplar medidas de gerenciamento de riscos direcionadas a uma prevenção mais ostensiva contra acidentes de trânsito, sepultando, portanto, a antiga vedação contida na agora extinta Resolução 219/2010, que proibia qualquer restrição de direito ou ônus ao segurado para o seguro de RCTR-C.
Além disso, a Resolução CNSP 472/2024 esclareceu que o PGR é um contrato acessório, estabelecido de comum acordo, em documento próprio, entre o segurado e a sociedade seguradora, não se inserindo, contudo, no âmbito da atuação fiscalizatória da Susep, a indicar uma maior autonomia da vontade das partes.
Ademais, nos termos da lei e da nova Resolução, o embarcador, proprietário dos bens/mercadorias, poderá, na contratação do frete, exigir do transportador a cópia da apólice dos seguros com as condições, o prêmio e o plano gerenciamento de riscos. E caso entenda cabível, poderá exigir medidas adicionais, imaginando-se, por exemplo, o uso de escolta, desde que arque com os custos inerentes.
Por fim, a segunda questão importante vem disposta na Lei 14.599/2023, artigo 13, parágrafo 6º, que instituiu como dever do contratante do frete, do transportador e suas respectivas seguradoras, a realização de vistoria conjunta para apuração dos danos à carga. A Susep preferiu ao silêncio, deixando às seguradoras a escolha da melhor forma de como se efetivará essa medida.
Conclusão
As alterações e inovações da Lei 14.599/2023, agora regulamentada pela Resolução CNSP 472/2024, redefinem aspectos fundamentais dos seguros de RCTR-C e RC-DC, impactando significativamente transportadores rodoviários de cargas, embarcadores e seguradoras. É preciso compreender os novos cenários, definir bem o papel de cada protagonista e ajustar a rota para seguir em conformidade com as novas diretrizes.
Tome-se fôlego, pois o próximo passo será a implementação do seguro de RC-V, regulamentado pela Resolução CNSP 478/2024, publicada pela Susep em 28 de dezembro de 2024, mas isso é assunto para um próximo artigo.
* Rosa Malena Gehlen Peixoto de Oliveira é especialista em Compliance pela PUC/MG; em Direito Empresarial pelo UniCuritiba; em Direito Processual Civil, pela PUC/PR; e em Direito Aplicado pela EMAP/PR. Certificada em Gestão de Riscos, ISO 31000 Risk Management Professional C-31000, pelo G31000 Risk Institute. Membro da AIDA - Associação Internacional de Direito de Seguro, seção Brasil. Membro do CIST – Clube Internacional de Seguros de Transportes. Membro da Comissão de Direito Securitário, da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Paraná. Advogada e Corretora de Seguros. Diretora Técnica na Artus Consultoria e Corretora de Seguros – especialista em Seguros de Transporte.