O sistema tributário do país tem altos impactos diretos e indiretos nas operações logísticas das empresas, e as grandes mudanças propostas pela nova legislação que avança no Congresso poderão transformar essa influência, alterando fluxos logísticos no país.
Atualmente, possuímos um complexo emaranhado de legislações em todos os níveis federativos (União, estados e municípios), com inúmeras regras constantemente sendo alteradas. Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), em média 46 novas normas são publicadas por dia útil no país, diferenciando os tributos por categorias de produtos, tipos de operação, criando regimes especiais... Para a logística, tais regras desequilibram as lógicas dos fluxos de movimentação de produtos. As alíquotas diferenciadas por local de origem e os incentivos fiscais para que a produção ou comercialização sejam feitas a partir de determinados estados deixam a logística não otimizada, pois as empresas buscam minimizar seu custo total, considerando tanto custos logísticos quanto custos tributários. Isto vem gerando altos desperdícios de recursos tangíveis nas operações de transporte, armazenagem e gestão de estoques, causando movimentações desnecessárias de produtos pelo país. Há ainda dificuldades adicionadas ao processo de planejamento da rede logística das empresas, dada a incerteza sobre obtenção ou manutenção de alguns dos regimes especiais.
A reforma tributária é interessante portanto, uma vez que a principal mudança proposta pelo texto diz respeito à criação de um IVA dual que substituirá os atuais impostos sobre valor agregado que temos hoje no Brasil, como o ICMS, o IPI e o ISS. O IPI e a PIS/COFINS seriam parte da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), enquanto o ICMS e ISS seriam substituídos pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). Saem de cena as 5570 legislações municipais e 27 normativas estaduais, e entra um conjunto de regras mais padronizado para todo o país. Para além da simplificação, e promessa de maior uniformidade de alíquotas entre os produtos, há uma grande alteração na lógica da incidência dos novos tributos que impacta a logística.
Hoje, os impostos sobre consumo são cobrados na origem do fluxo, ou seja, se um produto, por exemplo, sai de um centro de distribuição em MG e é entregue para um cliente no RJ, ele segue as regras de ICMS de Minas Gerais. A reforma propõe uma inversão desse cálculo, com a tributação seguindo as regras do destino; no caso, seria pago ao estado do Rio de Janeiro o imposto, seguindo também sua alíquota. Essa mudança tem grande potencial de redução da guerra fiscal entre os estados, já que não seria possível incentivar uma produção em local específico como se faz hoje, uma vez que a origem do fluxo seria irrelevante para o cálculo tributário.
Assim sendo, as redes logísticas das empresas tenderiam a encontrar uma nova configuração ótima observando apenas critérios logísticos de fluxos de produtos, como as distâncias até seus principais centros consumidores e de seus polos de fornecimento. Regiões que hoje atraem muitas operações primordialmente pelos seus incentivos tributários, como Extrema em Minas Gerais, poderão deixar de ser opções tão viáveis, ao passo que é previsto um acirramento na busca por espaços de armazenagem mais próximos às grandes metrópoles, onde há grande consumo. É muito provável, portanto, que haja alterações na demanda por depósitos, sendo necessária uma configuração diferente da atualmente disponível nas regiões do país, resultando em mudanças nos preços de aluguel, necessidade de construção de condomínios logísticos em algumas regiões e ociosidade em outras.
Outra mudança proposta pela nova lei diz respeito à obtenção de créditos tributários relativos às aquisições realizadas pelas empresas. Atualmente, diversos equipamentos e insumos comprados pelas empresas (os chamados “materiais de uso e consumo”), com ICMS, não são contabilizados para devolução dos créditos do imposto. O que é ou não parte desse grupo é sempre um tema constantemente judicializado. O ISS nem possui uma sistemática de créditos, sendo cumulativo ao longo da cadeia. O novo texto simplifica e amplifica a obtenção de crédito completo dos dois novos impostos para qualquer aquisição realizada, o que tende a simplificar e gerar menos impactos nas decisões do negócio.
A reforma também visa equilibrar um pouco a balança de tributação entre serviços e produtos, dado que estes últimos hoje pagam mais impostos. A tendência, portanto, é que serviços passem a custar mais e produtos, menos. Com isso, é esperado um natural crescimento da demanda por bens de consumo, ao passo que para serviços, ficando mais onerosos, haja uma redução da procura, sendo necessário inserir essas novas variáveis em planos futuros. Foram estimados, também, diversos ganhos de crescimento do PIB com o novo sistema, que igualmente devem impactar as operações. A maior uniformidade de alíquotas também promove diversos ganhos indiretos. Ano passado, tivemos a revolucionária mudança da classificação do Sonho de Valsa de bombom para wafer, simplesmente porque a última categoria paga um valor de IPI menor. Para isso, a Lacta teve que conferir uma nova embalagem ao produto, uma mudança que sempre traz um trabalho logístico com custos associados. Casos como esse são muito comuns hoje, e devem ser drasticamente reduzidos no novo sistema.
É importante notar que a reforma tributária ainda está em fase inicial e muitos aspectos ainda estão para ser discutidos posteriormente. Há ainda a tramitação pendente no Senado, bem como um longo período de transição de 7 anos após o início de sua vigência previsto para 2026, em que os novos impostos coexistirão com o ICMS, IPI e seus colegas. Ou seja, haverá uma momentânea piora do sistema, para só depois estabilizar a mudança. Alguns produtos e serviços estão conseguindo inserções em regimes especiais, e há a promessa de não encostar na Zona Franca de Manaus até meados de 2070. Porém, mesmo com incertezas ainda no horizonte, o futuro de um novo sistema fiscal bate à porta, e é importante que as empresas já considerem essa nova realidade em seus planejamentos logísticos de longo prazo.