Com base nas conclusões do relatório do IPCC - Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (1), publicado no mês de março passado, escreveu o editorial do Estadão dia 26 daquele mesmo mês: “O mundo caminha para uma catástrofe ambiental, mas ainda é possível evitar o pior cenário”. “O futuro se define hoje e não há alternativa para a humanidade além de descarbonizar o planeta o mais rápido possível”.
E mais, afirmou o senhor Hoesung Lee, presidente do IPCC: “As mudanças abrangem todos os setores da vida e da economia: indústria e transporte menos poluidores, maior participação de energias renováveis na matriz global, produção de alimentos mais sustentável, uso racional e equilibrado do solo e dos recursos naturais”. Derretimento de geleiras, aquecimento e aumento do nível dos mares, bem como da temperatura média mundial vem, diariamente, atingindo recordes (2), como apontam os noticiários. Uma das consequências, entre tantas, como destacou a Agência Espacial Europeia, foi a perda, também recorde, de gelo na Groenlândia e na Antártida (Estadão de 22.04.23).
Já em 2022 o relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente indicava, como única forma de se manter o aquecimento global em 1,5ºC, “a necessidade de se reduzir em 45% a emissão de gases de efeito estufa até 2030”. Uma das principais e urgentes providências? Segundo o Sr. Gustau Mánez Gomis, representante do programa, a adoção de programas concretos para descarbonização das atividades de transporte, responsáveis, em 2020, por aproximadamente 20% das emissões de gases de efeito estufa no mundo. Desse total, 40% foram gerados pelos automóveis particulares (3).
Considerando-se, portanto, que ter matrizes energética e de transporte mais limpas e sustentáveis está se transformando em objetivo de todos, e que o hidrogênio verde, como substituto de combustíveis fósseis, tem se mostrado como uma das melhores alternativas, é que Usula der Leyen, presidente da União Europeia (UE), em visita ao Brasil no início do mês de junho, anunciou investimentos na ordem dos € 2 bilhões no País. Informação: no Brasil o modal rodoviário, apesar de representar 62% de todo o transporte de cargas, em TKU (tonelagem por quilômetro útil), gera 85% das emissões de dióxido de carbono produzido no setor (4).
Não há qualquer dúvida que um país como o Brasil, que possui uma matriz elétrica renovável invejável (85% limpa), além de ter a possibilidade de aumentar ainda mais outras fontes de energia “não poluidoras”, chame a atenção dos países com sérias dificuldades para alcançar suas metas de descarbonização. Mas isso exigirá que o País se estruture de forma a produzir grandes quantidades de ‘hidrogênio verde’. Infelizmente, como demonstra reportagem da jornalista Denise Luna do Estadão (26/06/23), “dos 359 projetos envolvendo o produto (hidrogênio verde) pelo mundo, o País é o responsável por apenas um, em Suape, Pernambuco”. Apenas como informação, e ainda com base nas informações de Denise Luna, desde que foi lançado em 2021, o Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2), com o objetivo de “desenvolver o mercado e a indústria de hidrogênio no País”, realizou “uma única reunião, em agosto de 2022”.
Por outro lado, não se pode deixar de ressaltar o que disse o secretário de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria, Rodrigo Rollemberg, em entrevista para a jornalista Amanda Pupo, do Estadão, dia 06 pp: “as empresas (brasileiras) querem regras e não subsídios para produzir hidrogênio verde”, sendo que atualmente já existem, no Ibama, “solicitações de licença para usinas eólicas offshore suficientes para dobrar “a capacidade de geração elétrica brasileira”. Complementa Rollemberg: “É impressionante o número de empresas de grande porte que têm procurado o governo com interesse na produção de hidrogênio – que pode ser gerado, entre outros processos, por meio da energia produzida pelas usinas eólicas”.
O Estadão, do dia 14 pp, comentou a respeito de um estudo realizado pela Building the Green Hydrogen Economy (Construindo a Economia do Hidrogênio Verde), do BCG (Boston Consulting Group), no qual se destaca o papel essencial e fundamental do hidrogênio verde na “descarbonização de indústrias com maior dificuldade de reduzir suas emissões, como a siderúrgica, a química e aviação”. Não à toa, espera-se “uma explosão de demanda” e dos níveis de investimento relacionados (5).
Ainda segundo essa reportagem do Estadão, o BCG estima que entre 2025 e 2050, governos e empresas de todo o mundo destinarão “entre US$ 6 trilhões a US$ 12 trilhões para a produção e transporte de hidrogênio com baixo teor de carbono”. Como dizem diversos especialistas, entre eles o CEO da Bosch da América Latina, Sr. Gastón Diaz Perez, “o centro das discussões ambientais é a descarbonização, e não a eletrificação”.
É extremamente claro que os problemas gerados pelo aumento da temperatura, pelas inundações e deslizamentos de terra ou pela falta de água, por exemplo, quase sempre são causados pela ação do ser humano. A emissão de CO2 e outros gases de efeito estufa, o desmatamento e os incêndios florestais, a excessiva utilização de materiais descartáveis, mas que resistem ao tempo etc., apenas evidenciam a necessidade de serem adotadas providências urgentes, posto que os impactos negativos na vida de toda a humanidade, direta e indiretamente, caso nada seja feito, serão cada vez maiores.
Com o aumento do calor, por exemplo, espera-se baixa produtividade dos trabalhadores que operam ao ar livre, enquanto que inundações, seja pelo excesso de chuvas ou por avanço dos oceanos, implicam em danos físicos irreversíveis ou cuja recuperação é de altíssimo custo. Óbvio que as correspondentes interrupções dos processos de produção, com impactos e frequências maiores, desestruturam as cadeias de abastecimento e desorganizam quase toda a economia e tem impactos sociais imediatos. Aumentos de custos e de preços, e certa generalização no processo inflacionário serão sentidos em todo o mundo.
De uma forma geral, se já não era concretamente admitido pela grande maioria, a crise climática (assim como a pandemia do Covid.19) obrigou que se reconhecesse a fragilidade da situação econômica, social e política do mundo atual, forçando toda a sociedade a se mobilizar para alcançar, entre outros objetivos também nobres, melhorias nos índices relacionados à saúde, igualdade, pobreza, discriminação e racismo, e proteção do meio-ambiente.
Evidencia-se, de forma crescente, que enquanto investidores e empresários começam a defender conceitos de “economia circular”, “economia da vida”, “capitalismo consciente” e “ESG”, os consumidores, principalmente os mais jovens, preferem cada vez mais, adquirir bens e serviços de empresas que, além dos valores morais e éticos já consagrados pela sociedade, também praticam atividades que podem ser caracterizadas como de “responsabilidade social” (6), dispondo-se, inclusive, a pagar mais por produtos e serviços oriundos de empresas com essas características.
Consequentemente, e a partir do momento no qual discussões a respeito das questões ambientais, sociais e de governança (ESG) tomaram maior espaço, principalmente no momento em que se demonstra que essa agenda é um elemento de geração de valor (7), o setor empresarial, mesmo ainda com muitas incertezas, notadamente no Brasil (8), se viu obrigado a verificar, mais concretamente, se suas ações, nesse sentido, estavam gerando os resultados esperados (9). E o que se viu, segundo os sócios seniores da McKinsey, Ulrich Weihe e Thomas Weskamp, uma mudança de prioridades, que passaram a ser: “a) usar uma mistura mais ecológica de combustíveis; b) recapturar o calor desperdiçado; c) adquirir eletricidade produzida de forma renovável; e d) maximizar a eficiência energética.
A redução das emissões do Escopo 3, inclusive, que representa os gases emitidos ao longo da cadeia de valor de uma organização, é uma questão fundamental e complexa para ser resolvida à medida que aumentam as pressões regulatórias e de investidores. “Seleção de fornecedores e clientes e estratégias de portfólio verde, são alguns dos exemplos que fazem com que as empresas ‘capturem valor’.
A indústria química, responsável por aproximadamente 3,6% das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) em todo o mundo, segundo estudos da McKinsey, quer adquirir ou fazer parceria com fornecedores de matérias-primas com baixo teor de carbono, de forma a aumentar a participação de matéria-prima reciclada ou de base biológica. Sempre com o objetivo de “reduzir as emissões tanto para cima quanto para baixo na cadeia de valor”.
Uma grande gestora global de investimentos alternativos, a Apollo, já colocou no mercado o seu “Apollo Clean Transition Capital” (ACT Capital), programa de investimentos de cerca de US$ 4 bilhões, voltado especificamente para as empresas que querem instalar processos de transição para energia limpa e uma indústria sustentável. Os investimentos ocorrerão “em áreas como transição energética, descarbonização industrial, mobilidade sustentável, uso sustentável de recursos e imóveis sustentáveis”.
O IIGCC, Institutional Investors Group on Climate Change, que reúne investidores que se ocupam concretamente com o meio ambiente, já anunciou o Net Zero Engagement Initiative (NZEI), programa que tem como objetivo, “escalar e acelerar o engajamento corporativo relacionado ao clima”. Segundo informações da própria CEO da IIGCC, Stephanie Pfeifer, a iniciativa define as “expectativas para planos confiáveis de transição para uma economia “carbono neutro”, incluindo recomendações para compromissos abrangentes para o processo de transição, metas alinhadas de emissões de gases de efeito estufa, rastreamento de desempenho de emissões e uma estratégia de descarbonização confiável”. Ainda, segundo Pfeifer, a “iniciativa visa ajudar os investidores a agirem em seus compromissos “carbono neutro” para alinhar suas carteiras com as metas do Acordo de Paris”. Como se vê, volumes crescentes de investimentos são esperados como forma de se atender os quesitos mínimos recomendados (10).
A empresa espanhola Iberdrola, provedora global de energia e eletricidade, e que em 2017 comprou 60% do grupo brasileiro Neoenergia (empresa de geração de energia eólica e hídrica) por R$ 5,1 bilhões, anunciou um novo compromisso para que mais de 85% de suas compras sejam feitas de fornecedores que cumpram os critérios ESG, já a partir deste ano (https://www.esgtoday.com/iberdrola-to-require-suppliers-representing-85-of-spend-to-meet-esg-criterial/). Isso resultará na promoção de melhores práticas em 20.000 fornecedores e que representam compras de quase € 18 bilhões.
Pelo menos 10 mil empresas estrangeiras (33% americanas, 13% canadenses, 11% britânicos e 43% de outras nações) “terão que intensificar seus relatórios de sustentabilidade sob as regras da União Europeia que entrarão em vigor a partir dos próximos anos, em um esforço regulatório para aumentar a visibilidade sobre tudo, desde as emissões de gases de efeito estufa das empresas até as diferenças salariais entre gêneros”. A orientação é a de que empresas fora da UE façam de forma independente um conjunto de divulgações com respeito à sustentabilidade (informações obtidas junto a um estudo realizado pela Refinity, empresa de dados financeiros e divulgado recentemente no The Wall Street Journal).
Não há dúvidas de que as mudanças climáticas, diferentemente de outras épocas, estão sendo devidamente consideradas quando, tanto o setor público quanto o privado, planejam o futuro. Temas voltados à proteção das pessoas e dos ativos, à manutenção de climas organizacionais e físicos mais saudáveis e suportáveis para todos, ao aumento da resiliência, à redução de exposição, ao aumento da eficiência energética e de diminuição da emissão de GEE, à utilização de produtos e insumos menos poluidores, entre outros, estão cada vez mais presentes nas agendas de empresários e políticos de todos os espectros. Há que se considerar, inclusive, a necessidade de se revisar os sistemas de auditoria e controle, de tal forma que sejam introduzidos indicadores que retratem os temas aqui abordados.
A participação de governos (11) e empresas privadas (12), assim como das pessoas (13) torna-se essencial. E mesmo considerando que o tema “proteção ao meio ambiente” ainda seja algo discutível para alguns, é fundamental que as empresas, por exemplo, incluam técnicas mais modernas de combate, controle e diminuição dos níveis de poluição. No limite de suas atuações há um conjunto enorme de providências que não exigem esforços ou investimentos ‘espetaculares’. Alguns exemplos:
Evidente que a realização de programas desse tipo exigirá um gerenciamento eficiente e, de preferência, ligado diretamente à alta direção da empresa, pois como se trata de programa estratégico, fundamental e prioritário, será preciso que todos, funcionários, fornecedores, clientes e demais colaboradores, entendam essas providências com o mesmo nível de importância. Assim como, vale repetir, os governos de plantão, posto que é essencial o estabelecimento de procedimentos, inclusive setoriais, de redução de emissão de GEE (14).
Os objetivos brasileiros, no entanto, não estão somente vinculados aos processos de descarbonização, mas “aproveitar essa pegada para fazer uma transformação no setor produtivo brasileiro, e que se torne uma vantagem para o Brasil, não apenas um custo. Até porque o custo de não fazer nada seria maior”, disse Rafael Dubeux, assessor especial do ministro Fernando Haddad, ao Estadão/Broadcast. Essas medidas, também chamadas de “Pacote Verde”, se dividem em seis blocos: Incentivos econômicos, Adensamento tecnológico, Bioeconomia, Transição energética, Resíduos e economia circular e Mudança climática.
Também se mobilizam as empresas brasileiras, posto que o próprio Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) já está realizando estudos para elaborar um projeto de lei para definir metas de redução de emissão de gases de efeito estufa para todos os segmentos econômicos brasileiros.
Os operadores logísticos, mais especificamente, ao oferecerem soluções de transporte de carbono neutro, além protegerem concretamente o meio ambiente, terão maiores vantagens competitiva, pois estarão enviando um sinal positivo ao mercado, na medida em que se apresentarão de forma responsável. Além disso, converterão ‘compliance’ em oportunidades comercial e de aumento incremental de receita, posto que terão condições de “vender” produtos e serviços de carbono neutro.
Ou, como explica e defende Rafael Fanchini, CEO da Verda (15), “a descarbonização do setor de logística, tanto pela dimensão tecnológica quanto financeira, se apresenta como um enorme desafio a essas empresas”, posto que “instrumentos de créditos de carbono, combinados com tecnologia aplicada, permitem que seja oferecido, ao mercado, produtos e serviços de transporte neutros sob o ponto de vista de ‘pagadas de carbono’”. Não deixa de ser atrativo, na medida em que possibilita converter “desafios regulatórios em alavancas de geração de valor, fundamental para o financiamento da transição tecnológica que se exige”.
Com planos de ação semelhantes – e outros ainda melhores e mais inovadores – temos certeza que é possível produzir e prestar mais serviços e poluir menos, contribuindo efetivamente para que a sustentabilidade, no seu conceito mais amplo, possa ser exercida na sua plenitude, isto é, como definido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1987 e publicada no Relatório Brundtland: “Sustentabilidade é o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem suas próprias necessidades”. Ainda há tempo!