Chegamos ao final de 2022 comprovando os impactos que podem ser gerados pela falta de comprometimento com a saúde pública. Dez anos se passaram desde a data inicialmente prevista para entrar em operação o Sistema Nacional de Controle de Medicamentos (SNCM). Ultrapassamos uma década, se levarmos em consideração o ano de 2009, quando o projeto foi concebido e nada aconteceu.
No entanto, é ao deixar de salvar mais de 10 milhões de vidas, que o descaso mostra, efetivamente, a sua cara. Isso mesmo, cerca de 1 milhão de pessoas morrem anualmente em decorrência do uso de medicamentos falsificados, conforme estimativa da Organização Mundial de Saúde (OMS).
Já um exercício de modelagem desenvolvido pela Universidade de Edimburgo calcula que entre 72 mil e 169 mil crianças podem falecer a cada ano em consequência de pneumonia tratada com antibióticos adulterados e de baixa qualidade. E era exatamente esse o objetivo do texto da lei, aprovada pelo SNCM, ou seja, combater falsificações e garantir a segurança da distribuição de medicamentos em todo o País.
O projeto foi elaborado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para assegurar a rastreabilidade dos remédios produzidos ou importados no Brasil. As medidas a serem adotadas tinham como foco a atribuição de um código exclusivo à embalagem de cada medicamento, já que a adulteração está diretamente ligada à forma como o produto é acondicionado.
Segundo a OMS, um medicamento falsificado é um produto embalado e etiquetado indevidamente, de maneira deliberada e fraudulenta, em que não se respeita sua fonte ou identidade, podendo conter alterações e adulterações em sua fórmula original 1.
Enfim, foram 13 anos de discussões, prontas para não sair do papel, já que enquanto se adequavam às exigências do órgão regulador, os elos da cadeia produtiva foram surpreendidos com duas notícias. A primeira, divulgada em 2021, prorrogou para 2025 a implementação do Sistema. Nada tão chocante, diante da recorrente morosidade brasileira quando se trata de projetos e investimentos públicos. Mas, o pior ainda estava por vir.
Em abril de 2022 a aprovação do Projeto de Lei que cria a bula digital de medicamentos trouxe a revogação de alguns itens da rastreabilidade, sendo o principal deles o requisito que previa a inclusão de um número de série único para cada produto.
Era a cereja do bolo do projeto da Anvisa para evitar as falsificações, que aumentaram ainda mais no período da pandemia. Esse número seria cadastrado em um sistema integrado de dados, que transmite todas as informações referentes àquele produto para todos os envolvidos na cadeia de distribuição. Não é à toa que a agência se mostrou preocupada e receosa diante da mudança.
O órgão observa que o PL “ainda dificultará os controles sanitários de qualidade e fiscalização”. Isso sem contar o desperdício de recursos públicos e privados, já que as empresas precisaram se organizar para atender as exigências de rastreamento da produção e do consumo de medicamentos por meio de tecnologia de captura, armazenamento e transmissão eletrônica de dados.
Mas, a perda maior continua sendo a do consumidor, já que nada paga o fim de uma vida pela aquisição de um medicamento alterado. Informações complementares da OMS apontam que um em cada 10 produtos médicos em circulação nos países de baixa e média renda são de baixa qualidade ou falsificados.
Ou seja, não é apenas sobre uma “simples canetada” do poder público em meio a tantas outras que estamos acostumados a acompanhar. É sobre ter a saúde como pilar de desenvolvimento e, consequentemente, a indústria farmacêutica como prioridade de atenção e investimentos.