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O que esperar do sandbox regulatório na ANTT?

Por Caroline Batista, Mariana Avelar e Rafael Fernandes em 7 de dezembro de 2022 às 11h20 (atualizado às 11h27)
Caroline Batista
Foto: Caroline Batista
Mariana Avelar

Recentemente, a ANTT publicou a Resolução nº. 5.999/2022, que regulamenta a constituição e o funcionamento de ambientes regulatórios experimentais (sandbox regulatório) nos diferentes serviços de transportes terrestres. O uso desta ferramenta tem se disseminado em diferentes setores da infraestrutura nacional e tem o objetivo de constituir regimes regulatórios excepcionais e exclusivos, voltados a incentivar o desenvolvimento e a implantação de inovações pelos agentes regulados. A ideia de um ambiente seguro para esses testes (evocando o desenvolvimento das brincadeiras infantis em caixas de área) dá a nota desse instituto para diversas possibilidades de incremento da eficiência e qualidade regulatória.

O sandbox regulatório não configura prática restrita ao setor de transportes: com aplicações inicialmente voltadas ao setor das fintechs e já havia sido previsto pelo Marco Legal das Startups e do Empreendedorismo Inovador como “conjunto de condições especiais simplificadas para que as pessoas jurídicas participantes possam receber autorização temporária dos órgãos ou das entidades com competência de regulamentação setorial para desenvolver modelos de negócios inovadores e testar técnicas e tecnologias experimentais, mediante o cumprimento de critérios e de limites previamente estabelecidos pelo órgão ou entidade reguladora e por meio de procedimento facilitado”.

A ANTT optou, a nosso ver, acertadamente, pela aplicação ampla do sandbox para possibilitar o teste de novos modelos de serviços, produtos ou soluções regulatórias no setor de transportes terrestres.

Os regimes regulatórios especiais associados ao sandbox da ANTT podem afastar temporariamente a incidência de regras de resoluções ou de contratos da Agência para criar um ambiente regulatório mais amigável ao desenvolvimento das inovações.  

O acesso a estes ambientes regulatórios experimentais será coordenado pela Agência, através da Comissão de Sandbox, que selecionará os agentes regulados através de um processo de seleção. Este processo será regido por um Edital de Participação, a ser publicado pela ANTT com, ao menos, as seguintes informações:

  • o mercado regulado objeto do ambiente regulatório experimental;
  • a descrição da inovação incentivada; 
  • o conjunto de regras que comporá o ambiente regulatório experimental; 
  • o prazo de vigência do ambiente regulatório experimental; 
  • o procedimento da seleção; 
  • os parâmetros de elegibilidade e os critérios de seleção dos interessados; e 
  • o número máximo de participantes que poderão ser escolhidos.  

O processo se desenvolverá em duas etapas. A primeira será destinada à avaliação da elegibilidade dos agentes interessados, na qual a ANTT analisará se estes atendem aos critérios formais de habilitação estabelecidos pelo Edital. A segunda, por sua vez, consistirá na efetiva escolha, dentre os agentes habilitados, daqueles que poderão usufruir do regime regulatório instituído para o sandbox. 

É relevante salientar que a ANTT não é obrigada a selecionar todos os agentes que atendam aos critérios de elegibilidade - ainda que o número de participantes seja inferior ao máximo de participantes estabelecidos pelo Edital. Em qualquer cenário, a Agência detém a prerrogativa de selecionar os agentes interessados que participarão do ambiente regulatório experimental com base em sua aptidão para gerar os benefícios e melhorias aos serviços com a inovação desejada. 

Os participantes que não forem selecionados poderão apresentar recurso à diretoria colegiada da ANTT, que avaliará a pertinência de sua inclusão conforme os objetivos estratégicos da Agência, a sua capacidade institucional e o potencial de geração de resultados positivos para o serviço e os usuários.

Ao fim deste processo de seleção, a ANTT outorgará aos agentes selecionados uma autorização temporária, que formaliza a sua adesão ao ambiente regulatório experimental. Para os agentes que disponham de contratos já assinados, ainda será necessária a formalização de termo aditivo, que discipline o ambiente regulatório experimental nesta relação em específico, inclusive, no que diz respeito aos impactos sobre a sua matriz de riscos e sobre o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

A ferramenta em questão tem o potencial de viabilizar novos arranjos nos diversos segmentos dos transportes terrestres. No setor de rodovias, uma das principais expectativas para o uso do sandbox é na implementação do free flow em rodovias federais concedidas.  Na Minuta do Regulamento das Concessões Rodoviárias 3 (RCR3), que já foi objeto de reunião participativa na ANTT, já há pré-autorização para que a diretoria da ANTT aprove ambiente regulatório experimental para o desenvolvimento de projetos de tarifa de pedágio em fluxo livre (art. 199). 

O sandbox será relevante, sobretudo, para permitir experimentos com diferentes arranjos normativos que ofereçam soluções para desafios, como por exemplo, o risco de inadimplência e de evasão de pedágio associados a esta tecnologia - que têm sido um dos principais entraves a sua implementação. 

Embora seja o free flow o mais aguardado com a regulamentação, as aplicações no setor de logística vão muito além. Para ferrovias, por exemplo, o Relatório de Análise de Impacto Regulatório aponta que os possíveis usos do sandbox podem ser o teste dos Veículos Aéreos Não Tripulados (VANTs) para monitoramento de faixas de domínio, teste do piloto de fiscalização responsiva utilizando imagens de satélite do programa Brasil M.A.I.S. e indicadores de desempenho das concessões. 

O tema dos indicadores de desempenho congrega questões tecnológicas e de desenho institucional. Por mais que a aferição de desempenho em concessões não seja tarefa simples, é necessário que se avance nesse tema, especificamente no setor ferroviário, que é marcado por escolhas regulatórias que prejudicam o desenvolvimento das concessões. 

Os contratos de concessão de exploração de ferrovias da década de 90 foram estruturados para priorizar a retomada de investimentos, e não o desempenho do serviço. A aferição do desempenho é feita por metas de produção e segurança, que impulsiona um regime de exploração vertical, ou seja, o agente controla a infraestrutura e opera o transporte ferroviário. 

Esse modelo foi gradualmente substituído por parâmetros técnicos para a exploração da ferrovia e por indicadores, como os índices que medem a velocidade média do percurso. Assim, desvincula-se o concessionário de atingir metas de produção, o que é relevante para a ampliação da concorrência no setor.

Desse modo, aprimorar a aferição de indicadores de desempenho é também contribuir com a horizontalidade do setor ferroviário. No contexto do Marco Legal das Ferrovias e a introdução do regime privado de exploração por autorizações, a permanência das concessões ferroviárias depende de arranjos regulatórios bem estruturados, de modo a não aumentar a ociosidade das concessões.

No que diz respeito aos serviços de transporte de passageiros, o sandbox abre espaço para o desenvolvimento de novos mercados, que ainda não foram devidamente regulamentados pela Agência. Sob forte influência do avanço disruptivo de novas tecnologias, este segmento dos serviços de transporte tem enfrentado instabilidades e o aumento exponencial de litígios, sobretudo, no que diz respeito aos serviços de transporte de passageiros por fretamento através de aplicativos.

Esta modalidade de transporte não foi disciplinada pela Agência até o momento, muito embora exista demanda cada vez maior de usuários interessados em sua utilização. O uso das autorizações temporárias para o desenvolvimento de um novo ambiente regulatório, específico para este segmento de serviços, pode ser ferramenta relevante para superar os problemas enfrentados pelos operadores destes serviços.

Por fim, no transporte de cargas, na Reunião Participativa para elaboração da norma, um dos temas destacados pelo setor foi a possibilidade de que tecnologia aprimore a fiscalização e se possa caminhar para um modelo de “transporte sem papel”. Também no tema da fiscalização foi destacado a necessidade de que seja desenvolvido um modelo eficiente para a pesagem dos veículos, inclusive tendo em vista as recentes alterações da Lei nº 14.229/21 sobre o excesso de peso por eixo de ônibus de passageiros e caminhões e carga. 

Algumas cautelas devem ser tomadas. Sharmista Appayam e Mahjabeen Haji , em pesquisa desenvolvida para o Banco Mundial alertam para necessidade de se considerar o custo benefício da implementação dessa iniciativa. Para aferição desses aspectos,  as autoras indicam que a instituição do sandbox deve ser acompanhada da instituição de objetivos mensuráveis e medidos de forma a avaliar os benefícios tangíveis e intangíveis do seu funcionamento.

É inegável o potencial do sandbox para melhoria da qualidade regulatória. A concretização desse potencial, contudo, dependerá da instituição de seu desenho de uma forma eficiente e do correspondente monitoramento.

O que esperar do sandbox regulatório na ANTT?
Mariana Avelar, membro da Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados
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