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Seja qual for o novo governante, construir uma agenda de estadista será seu grande desafio

Por Paulo Roberto Guedes em 29 de setembro de 2022 às 12h00 (atualizado em 30/09/2022 às 19h04)
Paulo Roberto Guedes

Seja ele quem for, os desafios do próximo Presidente da República serão enormes, pois além da gravíssima crise instalada, o País ainda se encontra politicamente dividido e ‘perigosamente’ polarizado. Impactos negativos oriundos de uma pandemia ainda não totalmente controlada, e cenário internacional instável e inseguro, em virtude da desestruturação econômica mundial e da invasão da Ucrânia pela Rússia, também contribuem para que o futuro brasileiro tenha aumentado suas incertezas.

Não há dúvida, o receio de que haja recessão, inflação e juros altos, em grande parte dos países, incluindo os mais desenvolvidos, gera elevada carga de pessimismo quando se analisa a economia global e transmite, para todos, intranquilidade e insegurança.

O Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), publicado no início deste mês (“Tempos incertos, vidas instáveis: Construir o futuro num mundo em transformação”), tem, como uma de suas conclusões, o fato de que “camadas de incerteza estão se acumulando e interagindo para desequilibrar a vida de forma inédita. Os últimos dois anos tiveram impacto devastador para bilhões de pessoas em todo o planeta, quando crises como a da COVID-19 e a guerra na Ucrânia se sucederam e interagiram com amplas transformações sociais e econômicas, mudanças planetárias perigosas e aumento acentuado da polarização” (grifos meus). E complementa: “em todas as partes do planeta, a pandemia, a polarização política e social, a crise alimentar e a emergência climática se instalaram e expuseram a vida humana a cadeias de instabilidade que se retroalimentam. Muitos desses desafios se perfilam como manifestações preocupantes de um novo e emergente complexo de incertezas. Uma crescente sensação de insegurança se instalou e a capacidade de tomar decisões foi corroída”.

Mas especificamente com relação ao Brasil é preciso complementar, lamentavelmente, que a crise interna, institucional, econômica, política, social, moral e ética, cujo auge havia sido alcançado durante o (des) governo Dilma, foi ainda piorada – acreditem - no (des) governo Bolsonaro, posto que a desorganização, a incompetência, a beligerância, o negacionismo e o obscurantismo instalados, apenas para dar alguns exemplos, alcançaram níveis jamais imaginados. 

Não bastasse tudo isso, esse mesmo (des) governo, por motivos puramente eleitoreiros e até por desconhecer seu real papel, decidiu transferir, quase que totalmente, o poder – inclusive orçamentário – para a parte mais corrupta das duas casas que compõem o Legislativo Federal Brasileiro. Atitude que, como se sabe, permitiu que alguns poucos ‘caciques’ do legislativo, via “orçamento secreto”, entre outros instrumentos e todos eles sem quaisquer critérios técnicos, privilegiassem seus apaniguados, transformando o Congresso Nacional em balcão de negócios e distante, cada vez mais, dos reais interesses da grande maioria da população brasileira. 

Já há algum tempo eu tenho escrito artigos para defender o combate à desigualdade e à concentração de renda como principais objetivos para qualquer governo que queira, de fato, estabelecer clima de paz e esperança para o Brasil. Acredito que somente dessa forma é que se criarão condições concretas para encaminhamento das demais soluções que, no médio prazo poderão tirar o País da posição vexatória na qual se encontra atualmente.

Obviamente fazem parte desse escopo principal, providências específicas para que se alcance, no mais curto espaço de tempo possível, maiores níveis de investimentos, público e privado, maior geração de empregos, inclusive formais, controle (e baixa) da inflação e equilíbrio das contas públicas. 

Haverá, esse novo governo, de se ocupar também das relações internacionais, da proteção do meio ambiente e das novas circunstâncias que envolverão o mundo muito em breve. Diminuir uma certa “animosidade” com relação ao Mercosul e a vários dos principais parceiros comerciais internacionais também deverá fazer parte da agenda.

É fácil perceber, portanto, que esse novo governo precisará elaborar e aprovar uma agenda que extrapole os limites de seu tempo de mandato. Uma agenda de verdadeiro estadista, posto que irá trabalhar para o Brasil e não para sua reeleição. Sequer para o atendimento de interesses de grupos de pressão que, “aos montes”, vivem fazendo ‘politicagem da pior espécie’ em Brasília. Será fundamental, inclusive, que Congresso Nacional e sociedade civil, de uma forma geral, estejam igualmente convencidos para apoiarem e trilharem esse mesmo caminho. 

Depreende-se que além de trabalho e criatividade, e sempre dentro dos limites constitucionais e do Estado Democrático de Direito, como é o desejo da grande maioria da população brasileira, esse novo governo precisará contar com extrema capacidade de negociação, posto que diversos interesses serão contrariados e um mínimo de pacificação política torna-se imprescindível.

Assim como é imprescindível provar que a Democracia funciona e que, além de ser a melhor forma de governo que se conhece até o momento, é o único capaz de produzir soluções sustentáveis. E quanto a isso não se pode retroceder um milímetro, pois como escreveram os professores de Harvard, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt em seu livro “Como as democracias morrem” (Editora Zahar, 2018): “as instituições isoladamente não são o bastante para conter autocratas eleitos. Constituições têm que ser defendidas – por partidos políticos e cidadãos organizados, mas também por normas democráticas”. 

Se votar é preciso, votar bem é imprescindível, pois a Democracia tem dificuldades para sobreviver em sociedades nas quais impera profunda e irracional polarização da política, levando extremistas a estimularem as discussões sob a ótica das diferenças raciais, sociais, regionais ou religiosas. O “nós e eles”, maléfica simplificação brasileira não pode perdurar, pois isso dificulta a visibilidade do que realmente está ocorrendo e ainda aprofunda a intolerância e o ressentimento, não servindo, sob quaisquer hipóteses, à reconstrução do Brasil. 

Sem radicalismos e discussões polarizadas, será fundamental manter a política ‘em funcionamento’, pois ao se compreender que a responsabilidade de qualquer cidadão em um regime democrático, vai muito além do exercício do voto, é que se percebe a necessidade da movimentação das forças democráticas no sentido de combater a ‘inevitabilidade’ de tendências e imposições indesejáveis, e buscar os objetivos que se colocam à frente. 

Ainda, de acordo com o relatório do PNUD aqui citado, escreveu Pedro Conceição, um dos seus autores: “Para navegar na incerteza, precisamos dobrar o desenvolvimento humano e olhar para além da melhoria da riqueza ou da saúde das pessoas. Estes continuam importantes. Mas também precisamos proteger o planeta e fornecer às pessoas as ferramentas necessárias para se sentirem mais seguras, recuperarem o controle sobre suas vidas e terem esperança no futuro” (grifos meus).

As pessoas mais humildes e de menor poder aquisitivo, menos “ingênuas” e mais “conscientes” do que outrora, já perceberam isso e passaram a entender que mudanças em suas vidas, para o bem ou para o mal, dependem também de si mesmas. Infelizmente ainda há uma grande parcela de brasileiros, geralmente aquela com melhores condições de vida e que pouco é afetada pela crise atual, que ainda não tenha percebido o gravíssimo momento atual. Mas é preciso muita atenção e compreender, inclusive, que o próximo ano será muito mais difícil do que este e o encaminhamento de soluções para os problemas que atingem os mais pobres e carentes será, ao final de tudo, essencial para se manter a paz e a estabilidade, fundamentais para que o País volte a se desenvolver.

O cenário atual, não há qualquer dúvida, reflete os erros de um conjunto de políticas adotadas por diversos governos anteriores, mas reconhecer a gravidade do momento e evitar que o desânimo da maioria da população ‘desague’ em aventuras populistas e demagógicas é essencial. E também possível.

Seja qual for o novo governante, construir uma agenda de estadista será seu grande desafio
Paulo Roberto Roberto Guedes, sócio-diretor da Ripran Consultoria e conselheiro da Abol
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