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Padronização e transparência dos serviços prestados por terminais de contêineres: o necessário equilíbrio entre a proteção do usuário e a liberdade econômica dos terminais

Proposta de regulação para padronização da estrutura de serviços prestados pelos terminais de contêineres está em fase de audiência pública perante a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) e promete maior transparência aos usuários
Por Mariana Avelar em 6 de setembro de 2022 às 11h15 (atualizado às 11h22)
Mariana Avelar

A regulação de serviços prestados em regime de concorrência (mas marcados pela concentração de mercado) é tarefa complexa: a finalidade de proteção do usuário, deve conviver com a subsidiariedade e excepcionalidade da intervenção estatal, nos termos do art. 170 da Constituição e do art. 2º, III da Lei de Liberdade Econômica. No caso do mercado de contêineres, teme-se que um excesso regulatório acabe por limitar demasiadamente a liberdade de negociação e tenha efeitos perniciosos à inovação.

A tentativa de harmonização desses aspectos pode ocorrer pela adoção de maior transparência com redução da assimetria informacional entre agentes e consequente redução de condutas abusivas (fixação de taxas desarrazoadas ou injustificadas, p.e). É o que indica recente estudo produzido pelo International Transport Forum  no qual se afirmou que  “a transparência em relação às sobretaxas poderia ser aumentada se os governos estabelecessem listas de sobretaxas em seu país. As sobretaxas pareceriam menos arbitrárias se fossem aplicadas aos custos incorridos, se o seu cálculo fosse transparente(...)”.

Essas discussões fazem parte do pano de fundo da Audiência Pública nº8/2022, conduzida pela ANTAQ com objetivo de normatizar a padronização da estrutura de serviços prestados pelos terminais de contêineres e definir diretrizes acerca dos serviços inerentes, acessórios ou complementares prestados nesse contexto.

O escopo subjetivo da norma proposta abarca os operadores portuários e às instalações portuárias que movimentam ou armazenam cargas conteinerizadas, nas modalidades de arrendamento e de autorização, nos termos do art. 2º, incisos III, IV e XI da Lei nº 12.815, de 5 de junho de 2013, incluindo as retroáreas dentro do porto organizado.

Conforme destacado em análise de impacto regulatório, a norma proposta possui três eixos centrais:

  1. adoção como referência de estrutura de preços os grupos de serviços básicos e rubricas normalizadas [que constam em anexos da proposta Resolução];
  2.  ajuste opcional das tabelas de preços vigentes ao modelo de estrutura de preços normalizada pela ANTAQ
  3.  criação de dever para as instalações portuárias que deverão desenvolver e divulgar ferramenta eletrônica de simulação de preços máximos, representando o conjunto de operação portuária a ser futuramente requisitada (alcunhada de “calculadora”).

Observa-se que a norma não tem por finalidade estipular política de preços

No texto de hoje, farei uma análise desses eixos, considerando os debates ocorridos na sessão presencial realizada pela ANTAQ em 27 de agosto de 2022.

I- Rubricas e a proposta de padronização dos serviços prestados pelos terminais de container

O primeiro dos eixos da regulamentação é resultado de determinação do Tribunal de Contas da União para que referida agência elaborasse e divulgasse amplamente a relação de serviços prestados com o objetivo de padronizar as rubricas dos serviços básicos prestados pelos terminais de contêiners  tendo indicado uma separação entre serviços inerentes, acessórios ou complementares como forma de minimizar a ocorrência de práticas abusivas e conferir a necessária transparência ao mercado. 

A nomenclatura – criticada por parte dos agentes por trazer a um mercado de serviços privados conceitos típicos de serviços públicos –  acabou por ser adotada em linha com os nomes padronizados em referido acórdão:

Grupo

Nome Padronizado

Produtos relacionados

1

Inerentes

Serviços obrigatórios e exclusivos (aquele necessário ou indispensável para a concretização da atividade portuária)

2

Complementares

Serviços obrigatórios ou exclusivos (aquele requisitado sob demanda, só podendo ser realizado dentro do terminal)

3

Acessórios

Serviços não obrigatórios e não exclusivos, padronizados pela ANTAQ

4

Diversos

Transações de natureza diversa não enquadráveis nos grupos anteriores, não padronizadas pela ANTAQ, porém ligadas à atividade portuária.

A análise de impacto regulatório indica que a padronização em questão tem a função de ser referencial, não vinculativa, consolidando uma espécie de regulação por benchmarking:

“Embora opcional o ajuste à estrutura normalizada, ela servirá de referência tanto para os usuários quanto para a própria ANTAQ, para fins de análise qualquer. Poderemos comparar, isto é, uma espécie de regulação benchmarking”.

Associações de terminais apresentaram preocupação quanto à clareza deste entendimento no texto da norma, ressaltando que a padronização deve ser meramente referencial, não possuindo condão de se sobrepor às disposições negociadas contratualmente.

Um outro ponto que tem dividido opiniões refere-se sobre a inclusão ou não do Taxa de Movimentação no Terminal ou Terminal Handling Charge - THC na terminologia. Parte dos agentes que participaram da sessão pública, sobretudo aqueles que representavam associações de usuários, pleitearam a inclusão da taxa cobrada dos armadores no processo de padronização. A ANTAQ informou em sessão pública que avaliará a questão, sem prejuízo de ressaltarem que o tema já está sendo tratado por norma apartada, que já passou por processo de participação social.

II- Calculadora ou ferramenta simuladora de preços de operações portuárias

A proposta de norma posta em audiência pública estipula que os operadores e instalações portuárias deverão desenvolver e divulgar ferramenta eletrônica de simulação de preços máximos, representando o conjunto de operação portuária a ser futuramente requisitada.

A ferramenta deverá apresentar as seguintes características:

I - de fácil acesso no sítio eletrônico do regulado;

II - desenvolvimento em tecnologia web;

III - apresentada em layout responsivo;

IV - tempestivamente atualizada, refletindo:

a) a abrangência de todas as rubricas que constam da tabela de preços vigente, sejam elas inerentes, acessórias, complementares ou diversas;

b) a adoção de idêntico nome, conteúdo e numeração da tabela de preços vigente;

c) as normas de aplicação correspondentes;

d) as condições comerciais e operacionais comumente estabelecidas;

e) os tributos incidentes no faturamento e demais taxas aplicáveis;

V - guia de usuário, glossário, manual ou vídeo explicativo;

VI - procedimento simples, passo a passo, com começo, meio e fim, orientando automaticamente a progressão da simulação;

VII - opção de uso sem rastreamento;

VIII - opção de impressão do resultado final ou o salvamento em formato eletrônico, fornecendo um relatório contendo, no mínimo:

a) identificação da entidade regulada, com razão social e Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ);

b) numeração do relatório, em ordem crescente;

c) o registro da data e do horário de simulação;

d) a data desejada ou prevista para a operação;

e) lista itemizada de rubricas que fazem parte da simulação, bem como as respectivas quantidades e valores unitários;

f) as normas de aplicação e condições operacionais correspondentes;

g) o preço máximo total da operação; e

h) base de preços (à vista ou a prazo), condições de cobrança, prazo de pagamento e vigência.

Um possível aprimoramento da redação da norma pode ocorrer para deixar claro que o é afirmado com grande propriedade da AIR: não há duplo controle mas uma priorização da ferramenta simuladora, essa sim,, cogente, podendo os terminais escolherem se seguirão o padrão referencial ou não:

“Logo, não existe duplo controle sob o mesmo objeto. O "core" da solução é a ferramenta simuladora, e orbitando esse centro a própria empresa irá escolher como será regulada: adotando o padrão referencial ou não. O padrão referencial tem uma função acessória como subsídios à regulação, não é imposta ao regulado. 

Essa opção é a de menor impacto e melhor benefício pois: a) garante a intervenção subsidiária na ordem econômica; b) preserva em boa medida a autonomia privada (ainda que a ANTAQ tenha as prerrogativas de limitá-la); c) não obsta a inovação de novas tecnologias, processos, modelos de negócios, produtos e serviços; d) mostra-se razoável e proporcional às falhas de mercado demonstradas; e) amplia a transparência e publicidade na atividade de transporte aquaviário; e f) reduz os custos de transação na relação usuário e instalação portuária”.

Acaso implementada, a calculadora ou ferramenta simuladora poderá inserir o Brasil na vanguarda da regulação do mercado de containers, beneficiando toda cadeia logística pelo incremento de transparência nos preços praticados em diversas operações portuárias relacionadas às cargas conteinerizadas.

Padronização e transparência dos serviços prestados por terminais de contêineres: o necessário equilíbrio entre a proteção do usuário e a liberdade econômica dos terminais
Mariana Avelar, advogada da Manesco Advogados
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