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Como em 2018, nestas eleições é imprescindível evitar a polarização e votar bem. Tanto para o Executivo como para o Legislativo.

Por Paulo Roberto Guedes em 23 de maio de 2022 às 10h00 (atualizado às 15h47)
Paulo Roberto Guedes

Eu, particularmente, não tenho qualquer dúvida que os próximos anos, para nós brasileiros, serão tão difíceis como estes últimos e, se quisermos iniciar um processo de recuperação será preciso, antes de mais nada, reconhecer que em toda a nossa história, jamais se viveu uma crise com as dimensões da atual. A crise é total, generalizada e está em todos os lugares e setores da sociedade, assim como em todos os segmentos das atividades econômicas.

Evidente que esta crise também tem causas externas à ‘nossa vontade’ (crises mundiais, pandemia e guerra da Ucrânia), mas ela foi, infelizmente, potencializada pela medíocre atuação de vários governos brasileiros, notadamente a partir do segundo mandato de Lula, com breve ‘amenização’ no governo Temer.

É uma crise que abalou, negativamente, nossas estruturas, nossas instituições, nossos valores e nossas esperanças. A imoralidade, a desfaçatez, a desonestidade e a incompetência instaladas, geraram um descrédito tão grande em todos nós, que grande parte da população brasileira também se transformou, em maior ou menor grau, em ‘pecadora’. Se inicialmente não havia mais indignação com os tristes acontecimentos, posto que viraram rotinas, em seguida passou-se a ignorá-los e, naquilo que podemos chamar de “pequenos delitos”, também a praticá-los.

É fato. O Brasil vive uma ‘grande confusão e uma enorme desordem’. Não é normal ter cerca de 28 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza. Em 2014 tínhamos 5,6% de domicílios cuja renda per-capita mensal era de até R$ 178,00 e agora em 2020 esse percentual aumentou para 6,5%. Com o aumento da concentração de renda e da desigualdade, atualmente 1% da população mais rica do Brasil ganha o equivalente a 35 vezes mais do que os 50% mais pobres. Assim como não é normal que se tenham, agora em 2021, 12,0 milhões de pessoas desempregadas, 7,4 milhões de subutilizadas e 4,8 milhões de desalentadas, cuja soma (24,2 milhões de pessoas) equivale a 22,43% da população de 14 anos ou mais da Força de Trabalho nacional. Apenas como comparação, em 2014 tínhamos, respectivamente, 6,7 milhões, 4,5 milhões e 1,5 milhão, cujo total (12,7 milhões) significava 12,93%, ou seja, 9,5 pontos percentuais à menos.

Também não é normal um País no qual a inflação e os déficits públicos sejam crescentes (acima das médias mundiais) e sem quaisquer perspectivas de melhora no médio prazo. Assim como não é normal que os índices de crimes contra o meio-ambiente, os povos indígenas e outras minorias só aumentem. É normal termos 12 milhões de analfabetos, mais de 60 mil pessoas morrendo anualmente por armas de fogo e a terceira maior população carcerária do mundo mas ainda persistindo a sensação de impunidade e insegurança? Ou será normal que o Estado, que sabe arrecadar bem e bastante, somente preste serviços públicos de má qualidade, notadamente aqueles voltados à educação, à saúde e à segurança? E que ainda mantem (e defende) salários e privilégios para uma parcela razoável de funcionários públicos, em particular aqueles que trabalham nos poderes judiciário e legislativo. Será normal um País no qual se utiliza o tempo do legislativo para discutir aumentos de verbas para campanhas políticas ao mesmo tempo em que a maioria dos hospitais brasileiros não conta, sequer, com os insumos mais básicos de atendimento?

Quase a totalidade dos nossos índices de desempenho, com as raríssimas e honrosas exceções de sempre, piorou, notadamente a partir do (des) governo Bolsonaro. Inclusive no que diz respeito ao combate à pandemia. O Brasil vive um desastre e não devemos nos iludir com propagandas mentirosas e que geram otimismo ingênuo! (1).

Como se depreende, esses não são exemplos de um País “normal”. Muito pelo contrário, são exemplos que caracterizam um verdadeiro ‘caos. Para piorar, ainda temos um presidente da República que só faz aumentar a incerteza e a insegurança, na medida em que, insistentemente, ousa desafiar os demais poderes constituintes, colocando em “xeque” a própria democracia brasileira.

Em face do exposto, uma pergunta se faz de forma imediata: estarão nossas classes dirigentes, em especial a classe política, trabalhando e se esforçando para encontrar soluções que, pelo menos, amenizem os impactos de alguns desses problemas? Ou estarão se ocupando de seus próprios interesses, das próximas eleições e da manutenção de seus privilégios? Mesmo os dirigentes empresariais e da classe trabalhadora, incluindo os sindicatos, têm agido de forma independente e com objetivos claros na busca do crescimento e do desenvolvimento do País? Ou será que por ignorância, conveniência, má fé, burrice ou tudo isso junto, eles ainda não se deram conta da gravidade do momento e se mantêm de “costas” para o País?

Parece-me que, como escreveu corretamente a jornalista Adriana Fernandes no Estadão do último dia 9, “seduzidos pelas canetadas populistas de Bolsonaro, alguns empresários flertam com o apoio à sua reeleição, atentando não só contra os interesses nacionais, mas contra o seu próprio” (2).

É triste, mas o Brasil chega ao final de mais um mandato presidencial perdido, vivendo sua maior crise, desgovernado e sem direção, sem a reação das ruas e sem uma classe dirigente que tenha a dignidade de tomar posições sérias, o que só propicia, mais uma vez, que pessoas despreparadas, ignorantes e atrasadas, e inclusive com má-fé, possam levar o País a situações ainda piores.

Apesar de tudo, e felizmente, e mesmo reconhecendo que ainda cometem muitos erros, as principais instituições brasileiras, no que diz respeito à defesa de Democracia, têm dado demonstrações positivas e firmes. Os poderes Judiciário (STF e TSE, por exemplo) e Legislativo (Câmara, Senado e o próprio “Centrão”), colocaram-se firmemente à favor da Democracia e do Estado de Direito, incluindo aí, total defesa da realização das eleições e da utilização das urnas eletrônicas (3). Até mesmo as FFAA, com a exceção de alguns militares que ainda participam da cúpula deste (des) governo, tem defendido o que estabelece a Constituição brasileira (quem ganhar as eleições, leva).

Considerando que para dar encaminhamento às soluções exigidas é necessário contar com lideranças responsáveis e comprometidas com o bem do País, é imprescindível também, a participação crescente, mas sem armas, de todos os brasileiros. Sem acreditar em salvadores da pátria, com coragem e assumindo concretamente os papeis de cidadão e de eleitor, todos os brasileiros precisarão exercer seus direitos e deveres cônscios de que é possível buscar as melhores soluções para os problemas nacionais. E isso já pode se iniciar com as próximas eleições, pois mesmo com a desinformação e a proposital difusão de notícias falsas e mentirosas, criadas pela ‘má fé’ de muitos, é possível separar o “joio do trigo” e escolher bem.

Dentro do sistema democrático as eleições são o melhor caminho para que a quase totalidade da população brasileira se expresse, conteste e eleja pessoas comprometidas com os interesses maiores da nação, seja para o executivo ou o legislativo. É a Democracia, sem dúvida, o único regime político no qual a correção de rumos é feita pela vontade da maioria. Portanto, votar bem nas próximas eleições é mais do que obrigação. É imprescindível. A Democracia e a Constituição precisam, sempre, ser defendidas, e o voto é um excelente instrumento.

Em publicações anteriores eu já havia feito comentários a respeito da Sra. Samantha Power, ex-embaixadora dos Estados Unidos na ONU, mas acredito que vale à pena repetir uma frase dita por ela no programa Roda Viva da TV Cultura de 26/04/21: “se acharmos que essas tendências (desigualdade, violência, atentado à Democracia etc.) são inevitáveis e nos tornarmos fatalistas, todos ficaremos em casa”, sem qualquer envolvimento no sentido de se pressionar para que sejam feitas as reformas necessárias, seja com relação às mudanças climáticas, ao combate à violência ou de diminuição da pobreza. “Elas se tornarão inevitáveis. É preciso estar alerta e reagir, pois a grande maioria de políticos fica mais complacente, relapso e muito menos eficaz quando sabe que não estão sendo vigiados e cobrados por suas atitudes”. E conclui: “Quando você vê a política funcionando, cria-se um círculo vicioso com mais gente querendo se envolver” (grifos meus).

Portanto, como claramente se percebe, todo o cuidado é pouco, pois neste ano de 2022 as discussões não podem se limitar a “Bolsonaro X Lula”, já que estará sendo decidido se queremos um País democrático, com funcionamento pleno e independente de suas instituições, no qual o direito, a liberdade, a livre iniciativa e a economia de mercado sejam valores respeitados, ou se queremos um País com poder centralizado, autoritário, com estruturas arcaicas e comprometidas com o atraso e uma economia estatizada e fechada. No primeiro modelo são claras as possibilidades de crescimento, desenvolvimento, igualdade e justiça social, ao contrário do segundo, no qual o direito, a liberdade e os privilégios servem apenas alguns ‘apaniguados’.

Um novo governo, especificamente no caso do Brasil, precisa investir na geração de empregos, pois é imprescindível proteger as populações desempregadas e mais carentes, único caminho para que não se aumente ainda mais o caos e as tensões sociais. Investir em infraestrutura, educação, segurança e saúde, sem dúvida, são providências também urgentes, assim como as tão ‘decantadas’ reformas. Aliás, acho que elas não terem acontecido neste (des) governo foi muito bom, considerando a qualidade e a competência do executivo federal atual.

Mas é fundamental lembrar, como aliás diariamente nos ensina o mundo atual, que o fortalecimento da Democracia e o combate a movimentos racistas, xenófobos e autoritários precisa ser praticado sistemática e ininterruptamente.

Se a democracia tem problemas com a desigualdade e a injustiça social, problemas muito maiores terão as sociedades ditatoriais e autocráticas, comandadas por pequenos grupos de privilegiados, posto que a queda da produtividade, a corrupção e a concentração de renda serão ainda maiores.

(1)    Escreveu o colunista Fabio Alves do Estadão (11.05.2022, “Surto de Otimismo”): “com a inflação rodando em mais de 10% e a taxa Selic devendo superar 13%, até quando os indicadores de atividade vão seguir surpreendendo para cima? Em outras palavras, esse otimismo recente tem vida longa? Poderá resistir ao aumento da inadimplência das famílias brasileiras quando o efeito integral do aperto monetário em curso pelo Banco Central for sentido na economia real?”. E mais: “Na primeira pesquisa Focus publicada neste ano, o consenso das projeções do PIB em 2022 apontava para um crescimento de 0,36%. Em pouco mais de quatro meses, a maioria das estimativas migrou para 0,8%, mas, nos últimos dias, muitos economistas passaram a prever alta de 1% ou mais do PIB neste ano”. “É inegável que a fotografia de curto prazo da economia brasileira tornou-se mais animadora. Não à toa, os índices de confiança do consumidor e do empresário melhoraram em abril. Todavia, os fundamentos de médio e longo prazos da economia brasileira ainda não são robustos o suficiente para levar a um crescimento sustentado do investimento” (grifos meus). “O risco fiscal segue preocupante. Quem vai investir em ampliação de produção sem ter a menor ideia de como será a política econômica a partir de 2023, seja quem vencer a eleição presidencial?”. “Sem uma nova âncora fiscal para substituir o cambaleante teto de gastos, o mais provável é haver apenas surtos temporários de otimismo como o que estamos vendo agora”. Os fundamentos de médio e longo prazos da economia brasileira ainda não são robustos”.

(2)    “Mas, às vésperas de novas eleições, segundo a colunista do Estado Adriana Fernandes, novas lideranças empresariais têm flertado com o apoio à reeleição de Jair Bolsonaro. Com assombrosa capacidade de abstração, elas excluem de seus cálculos a mistura de estagnação econômica, autoritarismo político, indigência administrativa, instabilidade institucional e degradação moral que é o governo Bolsonaro”. Estadão de 09/05/22. “A novidade não é a insensibilidade com o opróbrio da esmagadora maioria de seus conterrâneos, a fome, o desemprego, a inflação que corrói a renda das famílias pobres. Essa indiferença é moeda corrente em parte significativa das elites nacionais. O surpreendente é a ignorância em relação aos seus próprios interesses. Com tantos anos de experiência, essa parcela do empresariado parece que ainda não entendeu que os votos comprados pelo populismo hoje cobram juros escorchantes amanhã, seja pela fuga de capitais, escassez de investimentos públicos, deterioração do capital humano e degradação institucional, seja pelos demais ingredientes que alimentam a estagnação da economia, a incivilidade nas ruas ou a rapacidade das classes políticas”. “Ainda, segundo Adriana, “o apoio à reeleição é ainda envergonhado”. “Diversas vezes a elite empresarial e suas associações se manifestaram contra os desmandos de Bolsonaro na área ambiental, educacional, sanitária ou diplomática. É hora de se mobilizarem para expor tudo o que há de vergonhoso no voto de seus colegas seduzidos pelo canto desafinado da sereia bolsonarista. Se não for pelos interesses nacionais, que seja ao menos para preservar seus próprios interesses” (grifos meus).

 (3)    Excelente o Editorial do Estadão do último dia 19 (“A democracia tem como se defender”) que trata de forma clara e correta o assunto.

Como em 2018, nestas eleições é imprescindível evitar a polarização e votar bem. Tanto para o Executivo como para o Legislativo.
Paulo Roberto Roberto Guedes, sócio-diretor da Ripran Consultoria e conselheiro da Abol
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