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Proteção da vida ainda é prioritária. Sem isso, nada mais será resolvido satisfatoriamente no País

Por Redação em 10 de maio de 2021 às 11h50 (atualizado às 11h51)
Redação

Em abril de 2020, ainda nos primeiros meses da pandemia, representantes da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Fundo Monetário Internacional (FMI), respectivamente o diretor geral Tedros Ghebreyesus e a diretora gerente Kristina Georgieva, emitiram pronunciamentos nos quais salientaram a fundamental importância, para todos os países, de se adotar medidas que contemplem a proteção da vida das pessoas e de apoio financeiro às populações mais pobres.

Lamentavelmente, de lá para cá, não foi o que aconteceu no Brasil, posto que os índices de desigualdade e de concentração de renda continuaram aumentando. Seja pelo empobrecimento nacional, oriundo das quedas sucessivas e significativas do PIB, ou seja pela distorção instalada no mercado de trabalho que, mais incisivamente aumentou o desemprego das pessoas menos capacitadas, com menor índice de escolaridade e menos preparadas para os desafios dos ‘novos tempos’. Em época de pandemia, esse fenômeno foi extraordinariamente acentuado (1).

E se é óbvio que os problemas atuais não foram gerados somente pelo governo Bolsonaro, está claro também que a receita preconizada, inclusive por sua equipe econômica, jamais se pautou em buscar soluções para esses problemas, cuja forma pela qual o País tem sido administrado, somente alavancou algumas das variáveis mais indesejáveis em qualquer sociedade: (i) políticas voltadas exclusivamente a interesses particulares (2); (ii) aumento da desigualdade, da concentração de renda e da pobreza, (iii) oferta de empregos muito menor do que a demanda; (iv) serviços públicos precários e insatisfatórios; (v) abandono do combate à violência e à corrupção; e (vi) fracasso na proteção do meio-ambiente.

O modelo de governo implantado, ao eleger o “deus mercado”, somente beneficiou alguns poucos privilegiados e contribuiu para diminuir o campo de oportunidades para a maioria da população brasileira. Um triste cenário que, agravado ainda mais pela pandemia (jamais tratada de forma séria), resultou na maior crise econômica, política e social da história nacional.

Não há dúvidas: o custo da pandemia para o Brasil está sendo e será, infelizmente, muito maior do que deveria. Os números de novos casos e de mortes recentes, diariamente apontados pela imprensa, estão aí a comprovar o tenebroso e lamentável momento no qual vive o País. Ao mesmo tempo em que a pandemia aumenta, o processo de vacinação fica mais devagar.

Felizmente, e não interessam os motivos, parece que agora ‘caiu a ficha’ de que, sem combate firme à pandemia, nada de bom poderá ocorrer com a economia, reconhecendo-se inclusive na área econômica do governo, ser imprescindível, antes de mais nada, proteger a vida do brasileiro. Para o governo federal, de uma forma geral e grande parte do Congresso, uma “virada” e tanto, posto que defendiam, a qualquer custo, o controle das finanças públicas como única e exclusiva prioridade.

Apenas como ilustração, ainda esta semana, ao comentar sobre o endividamento público, disse o ministro Paulo Guedes em entrevista à imprensa: “Não há problema em aumentar endividamento quando se está em guerra. O Estado existe para a proteção do cidadão (grifos meus). Pois é, demorou mas entendeu. Esperemos que não sejam apenas discursos e narrativas oportunistas.

É indiscutível que cabe ao Estado toda e qualquer iniciativa nesse sentido, pois são os investimentos públicos os principais indutores dos investimentos privados. Escreveu o professor e diretor da FEAPUC-SP e presidente do Conselho Federal de Economia, Antonio C. de Lacerda (reportagem publicada no Estadão de 21/04/21): “Quanto ao aspecto fiscal, vale lembrar que o impulsionamento das atividades gera efeito positivo sobre a arrecadação de impostos, o que, no médio prazo, tende a compensar a necessária ampliação dos desembolsos. Muitos países têm ampliado seu déficit e o endividamento público. No âmbito do G20, por exemplo, o indicador da relação Dívida/PIB retomou o nível máximo atingido em 1946, logo após a 2.ª Grande Guerra. Há ainda medidas de reforma tributária em vista visando a ampliar os recursos financeiros. Até com relação à ampliação de recursos financeiros, o ministro Guedes reconheceu ser possível (3).

Portanto, há certa convergência para a necessidade de atendimento simultâneo à, pelo menos, quatro demandas: a) combate à epidemia, com vacinação em massa e manutenção, o quanto possível, do distanciamento social, b) manutenção de renda mínima de sobrevivência para as pessoas mais pobres, desempregadas ou que trabalhavam na informalidade, c) amparo às empresas, notadamente às pequenas e médias, para pagarem suas folhas salariais e manterem os postos de trabalho, e d) estratégia para retorno paulatino ao trabalho, na qual a geração de empregos é fundamental (4).

Considerando que um Estado moderno é aquele que, no momento adequado e preciso, trabalha concretamente na criação de oportunidades para todos, busca a justiça social e o bem-estar da população, é por sua vez o sistema democrático o regime apropriado para que eventuais ônus, frutos desses esforços, sejam divididos entre todos (5). Mas de uma forma mais justa: pagar mais, quem tem mais, é consequência indiscutível, pagar menos que tem menos é fundamental, e não pagar nada, e se necessário até receber, quem nada tem, é essencial.

A evolução ‘quase’ incontrolável da pandemia, o colapso no sistema hospitalar e o empobrecimento crescente de uma grande maioria da população brasileira, exigem que se priorizem políticas voltadas às pessoas. Queira-se ou não, pois além de um problema de injustiça social e humanitário, será daqui que virão novos e maiores problemas (6). E em contexto ainda mais complicado, caso nada seja feito no curto espaço de tempo.

Consequentemente, se este ainda não é o cenário desejado, cabe à toda sociedade brasileira, incluindo-se os dirigentes empresariais, empresas e suas associações de classe, além de se ocuparem com providências no limite de suas atividades, mobilizarem-se, também, na busca de soluções para os grandes e graves problemas nacionais (7). Quero acreditar, inclusive, que as últimas atitudes do governo federal, meio contrariado é verdade, e muito atrasadas, estejam indicando esse momento de inflexão. Mas se por qualquer motivo o governo brasileiro se desviar desse desejável caminho, será necessário que a classe empresarial brasileira passe a agir, de forma objetiva, clara e concreta.

Independentemente das ideologias e posições partidárias, é fundamental que todos os agentes econômicos discutam os problemas nacionais e pressionem o governo a realizar uma forte e séria revisão de tudo aquilo que já se fez até agora. Contribuir para a elaboração de uma proposta convergente e que tenha como objetivo maior, o bem estar coletivo, é essencial. E neste momento, acredito não haver mais dúvidas, o combate à pandemia é a prioridade número um. Como disse o presidente Robson Braga da Confederação Nacional da Indústria (CNI): “Só a imunização em massa da população contra a doença recolocará o Brasil no caminho da retomada da economia, do dinamismo do mercado consumidor e na rota dos investimentos”. Bingo!

Como já escrevi algumas vezes, “não é possível acreditar que em um País como o Brasil, no qual os índices de concentração de renda e de desigualdade só tem aumentado, o desequilíbrio fiscal e a consequente destruição da capacidade de investimentos do governo se deram por conta dos mais pobres e desempregados. Ou por causa dos benefícios sociais existentes. Sem dúvida, a crise não foi criada por essa parcela significativa da população brasileira”.

1. “O impacto da pandemia tem sido mais prejudicial para os indivíduos mais jovens e os menos escolarizados”, diz a técnica do Ipea Maria Andréia Parente Lameiras, autora do estudo. No último trimestre de 2020, a taxa de desocupação dos trabalhadores com idade de 18 a 24 anos alcançou 29,8%, com 4,1 milhões de jovens sem emprego. Entre os trabalhadores com ensino médio incompleto, passou de 18,5% para 23,7% entre os últimos trimestres de 2019 e 2020 (“Os trabalhadores mais atingidos pela pandemia”, editorial do Estadão de 21.04.21);

2. “No Brasil não existe uma classe econômica dominante, mas, sim, uma classe política dominante. (...) As instituições políticas (governo e Congresso, assembleias, câmara de vereadores) são ocupadas pelo estamento oligárquico, que se autogera, que se reproduz incestuosamente, e que se vende, a preço de ouro, caso a caso, para os grupos de interesses na formulação de leis e de políticas que nem de longe atendem ao interesse público”. Trecho do livro “Uma nova Constituição para o Brasil: de um país de privilégios para uma nação de oportunidades” (LVM Editora, 2021), comentado pelo jornalista e advogado Nicolau da Rocha Cavalcanti (“Sonhar e construir um novo Brasil) no Estadão do último dia 18;

3. Conforme indicam os noticiários desta semana, o próprio ministro Paulo Guedes comentou o fato de que é necessário revisar – e diminuir, sem dúvida - o enorme valor de desonerações e subsídios federais (cerca de 4% do PIB) existentes no orçamento nacional. E continuou o Ministro: “Quem tem poder político consegue isenções e desonerações. Quem tem poder econômico prefere entrar na Justiça e ao invés de pagar R$ 1 bilhão para a União, paga R$ 100 milhões para um escritório de advocacia” (reportagem de Eduardo Rodrigues e Lorenna Rodrigues, publicada pelo Estadão dia 5 pp: “Reforma deve debater subsídios e desonerações, diz Guedes”);

4. “É preciso vacinar, é preciso garantir uma renda básica, estimular o consumo e criar empregos”. “Cada um vai ter de ceder para todos ganharem. E o emprego é que vai dar dignidade às pessoas”, comentou a empresária Luiz Trajano em entrevista à jornalista Sonia Racy (Estadão de 21.04.21);

5. Comentário do coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo: “O Brasil tem um histórico de desigualdade bastante elevado e a pesquisa mostra que o problema persiste” (entrevista publicada pela Folha de São Paulo, dia 16 último). Nessa mesma reportagem, com base na opinião de diversos outros especialistas, conclui: “esse problema é fruto de fatores históricos e estruturais mas, também, do patrimonialismo que se apodera de recursos estatais e empregos públicos, políticas sociais voltadas a grupos que menos precisam e uma estrutura tributária regressiva, que cobra proporcionalmente mais impostos de quem ganha menos” (grifos meus).

6. Em artigo publicado no Estadão do último dia 2, o cientista político e historiador José Murilo de Carvalho, membro da ABL, não titubeia a dizer que o atual caminho pode ser a ruptura política. Escreveu Murilo: “Desde 2015, com anúncio em 2013, já me parecia que o País tinha entrado em uma crise econômica e social que apontava para sua inviabilização como nação capaz de prover vida decente para toda a população. A sensação de fracasso acentua-se hoje com mais duas calamidades, a da eleição de 2018 e a pandemia do coronavírus. Grandes crises exigem liderança nacional sensata, competente, confiável e patriótica. Não é o que temos visto. A se manter o cenário atual, não vejo como se possa evitar um desastre econômico, social e humanitário. É um caminho que pode levar à ruptura política;

7. Diante do crescimento do desmatamento e dos incêndios que vem devastando grande parte da floresta Amazônica, e consequentemente dificultando suas negociações internacionais, trinta presidentes de grandes empresas privadas se mobilizaram e criaram o “Concertação pela Amazônia”, movimento para pressionar que se tomem medidas efetivas e concretas no sentido de ajudar o desenvolvimento sustentável, isto é, reduzir suas emissões de carbono e eliminar o desmatamento das suas cadeias logísticas. Está cada vez mais comum as empresas se comprometerem com padrões de governança corporativa, sociais e ambientais.

Diversos fundos estrangeiros tem pressionado o governo brasileiro para adotar medidas concretas de proteção ambiental, notadamente para a região Amazônica. “Sem compromisso significativo do governo brasileiro e das empresas para enfrentar as mudanças climáticas e o desmatamento, investir no País ficará cada vez mais difícil”, disse o presidente do Fundo Norueguês Storebrand, Jan Erik Saugestad. Saugestad, em julho do ano passado, junto com outros empresários, assinou carta cobrando do governo do Brasil, medidas de proteção à Amazônia.

Segundo pesquisa da Consultoria Mazars, bancos em todo o mundo tem focado suas atuações às questões ambientais, sociais e de governança (ESG). Matéria de Fernanda Guimarães (Estadão de 20.03.21) dá conta que “87% das instituições financeiras agora oferecem produtos com características “responsáveis” a seus clientes, ante uma média de 47% no ano passado” (Itaú Unibanco e Bradesco fazem parte desse grupo). “O levantamento mostrou que, neste ano, em média, 74% dos bancos globais contam com medidas que fomentam a cultura de sustentabilidade e adaptaram suas estruturas de governança. Na pesquisa conduzida no ano passado esse porcentual era de 49%.

“Com o agravamento do número de casos da pandemia e o aumento da taxa de ocupação dos leitos de UTI nos estados brasileiros, a empresa adota esta medida a fim de preservar a saúde de seus empregados e familiares” é um trecho do comunicado da Volkswagen (19.03.21) para paralisar, entre 24/03 e 04/04, suas atividades produtivas no País.

Diversas indústrias ofereceram as instalações de suas fábricas, além de todo o suporte necessário, para aplicação da vacina de prevenção ao Covid-19.

Proteção da vida ainda é prioritária. Sem isso, nada mais será resolvido satisfatoriamente no País
Paulo Roberto Guedes - sócio-diretor da Ripran Consultoria e conselheiro da Associação Brasileira de Operadores Logísticos (Abol)
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