Efeito chicote em tempos de crise
“Toda ação provoca uma reação”. A famosa lei da física é central para qualquer gestor de cadeias de suprimentos. Mas em nosso jargão, se materializou no “efeito chicote”, onde aprendemos que a ação na ponta (consumo e varejo) provoca uma reação na origem (atacado e fabricantes). Mas diferente da lei de Newton, a reação ocorre com atraso temporal, e com amplificação na medida que avança elo a elo, gerando o desenho do chicote no gráfico de estoques ao longo da cadeia de suprimentos (figura 1).
Apesar de ter sido identificado na década de 1960, e de ter sido vencido por parcerias entre varejistas e fabricantes baseados em colaboração e tecnologia desde a década de 1980, a pandemia atual desperta um novo efeito chicote. Desde abril, relatórios começam a mostrar o impacto da pandemia na economia. Estudo da Subsecretaria de Estado de Receita do Rio de Janeiro (1) (tomado aqui como exemplo, mas certamente representativo de outros estados brasileiros) mostrou que a retração se iniciou de forma mais pesada no varejo: em março, houve queda aproximada de 5% na indústria, 9% no atacado, e 30% no varejo. Note que uma comparação horizontal entre setores não é a forma adequada de olhar esses números. A redução mais tímida na indústria foi protegida por pedidos já colocados anteriormente. Mas os impactos de longo prazo se estenderão por todos os elos da cadeia de suprimentos nos meses seguintes.
Outra constatação importante é que a demanda em setores diferentes reage à pandemia de forma distinta. Enquanto setores essenciais como supermercados observaram crescimento na ordem de 20%, setores não-essenciais como vestuário e calçados observam quedas de 60% a 80% (estudo recente da McKinsey confirma esses números para Itália, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos). No Brasil não foi diferente. A figura 2 abaixo mostra os dados publicados pelo IBGE referentes ao primeiro trimestre do ano para 13 setores do comércio. As maiores quedas ocorrem em setores não-essenciais.
Ações e impactos de curto prazo
Entre as primeiras práticas adotadas por empresas de cadeias de suprimentos essenciais, destacam-se soluções visando manter o abastecimento, evitar excessos e implementar medidas de higiene. Por exemplo, garantindo acesso prioritário a idosos e profissionais de saúde; estabelecendo operações com cuidados de saúde tanto nos supermercados quanto nos centros de distribuição, com transparência desses processos para os consumidores; e oferecendo opções de pagamento sem contato, entrega programada para melhor absorver a demanda e, em alguns casos, controle de certos itens por pedido, como álcool, por exemplo, para evitar estoques excessivos. Uma solução que ainda não vi implementada seria a oferta de uma cesta básica em caixa higienizada nos supermercados, facilitando o fluxo e o manuseio daqueles que não podem adotar a opção de entrega em casa.
Entre as práticas adotadas por gestores de cadeias de suprimentos não-essenciais, destaca-se em primeiro lugar a ampliação do canal de vendas online, reunindo não só o website, mas também direcionando vendedores ociosos para oferecer catálogos e descontos por WhatsApp. Para aqueles mais afetados, como o setor de vestuário, em alguns casos foram tomadas medidas mais drásticas, como a conversão industrial, reorganizando a produção para apoiar o sistema de saúde na produção de máscaras e capotes. Por fim, da ociosidade no varejo não-essencial, ou em restaurantes e estacionamentos de shopping centers que estavam impedidos de funcionar, nasceram pontos de entrega e sistemas de drive thru.
Entre as mudanças de curto prazo, também chama atenção a drástica redução de poluição durante a quarentena. Com o Dia do Meio Ambiente recém-comemorado em 5 de junho, as imagens abaixo (figura 3) convidam à reflexão sobre os limites dos modelos de negócio tradicionais em atender simultaneamente à demanda de recuperação econômica que será necessária e às pressões por redução do impacto ambiental que já vinham aumentando nos últimos anos.
Desafios de longo prazo
Quando voltamos nosso olhar para o longo prazo, nos deparamos com a pergunta: até que ponto essas transformações serão temporárias ou veremos uma efetiva mudança de comportamento no pós-pandemia? Um planejamento estratégico robusto deve considerar cenários de novas recaídas ainda em 2020 e possivelmente em 2021. E também os impactos de longo prazo da recessão econômica que virá.
Em relatório recente da McKinsey (2), o consumidor chinês indica que gastos não-essenciais serão postergados mesmo depois do pico da pandemia. E que apesar da loja física ainda manter atratividade como espaço de experiência e contato com produtos, a compra efetiva deve migrar cada vez mais para o formato online.
Outra fonte instigante para construção de cenários pós-pandemia, o relatório Low Touch Economy (3) aponta que um quarto dos norte-americanos que nunca tinha feito uma compra online se tornou cliente desse canal, mas que apenas 15% das empresas tiveram melhoria do resultado durante a pandemia, em sua maioria aquelas que já estavam preparadas para o universo online. O relatório oferece ainda cenários para a recuperação em “V” (6 meses), em “U” (18 meses) ou em “L” (3 anos+). E apresenta um conjunto de candidatos a inovações para o “novo normal” (figura 4).
Mesmo para aqueles que consideram que muitas dessas inovações não vão sair do papel ou que, uma vez fora do papel, serão produtos restritos a nichos de mercado, é inegável que um replanejamento estratégico se faz necessário. Para apoiar nesse processo, proponho a qualquer empresa que pense em três dimensões para reavaliar seu negócio: comportamento, regulação e tecnologia. E apresento na figura 5 alguns exemplos de vetores que nascem da interseção dessas três dimensões.
Da mesma forma que em revoluções anteriores, quem sair na frente neste replanejamento será capaz de se adiantar às mudanças de comportamento, regulação e tecnologia e entrar no pós-pandemia com um modelo de negócio mais ajustado à nova realidade que virá.
Referências