Como demonstram diversos exemplos do mundo mais desenvolvido, e se constata nas mais variadas pesquisas e estudos realizados, a melhoria do desempenho logístico sempre veio precedida de atividades de transporte eficazes, principalmente na medida em que, via matriz de transporte menos dependente do rodoviário, a multimodalidade tem desenvolvido papel importante e se transformado em uma de suas principais características.
Consequentemente, os esforços voltados à expansão da infraestrutura logística e de integração de todas as suas operações, e em todos os modais de transporte, com prática efetiva da multimodalidade, são realidades nos países mais desenvolvidos, nos quais são obtidos resultados satisfatórios, seja em termos de custo ou de eficiência.
Há que se ressaltar, inclusive, que projetos e obras voltadas à infraestrutura logística, na grande maioria das vezes, são entregues no tempo acordado e dentro dos orçamentos previamente aprovados. Assim também ocorre com os investimentos necessários ao desenvolvimento das melhores práticas e da tecnologia voltadas à logística, posto que estes são assegurados e realizados de acordo com o programado.
Com expressiva participação do setor privado, interconectividade, automação, robotização, tecnologias e softwares mais avançados para gestão de armazéns e estoques, incluindo o desenvolvimento de equipamentos especializados no suprimento de estruturas ‘inteligentes’, de grandes dimensões e em regiões densamente povoadas, são alguns exemplos do que se persegue. Maior eficiência no monitoramento e no gerenciamento de riscos, bem como apólices de seguro com coberturas específicas e adaptadas à nova realidade logística também fazem parte dessa lista de inovações e de melhores práticas que têm como objetivo, o aumento da eficácia logística.
É de tal forma relevante o desenvolvimento da logística nesses países, que a ela é dada prioridade absoluta, ao ponto no qual qualquer governo – independentemente daquele que estiver de plantão – é obrigado a prover, técnica, e até financeiramente se for o caso, tudo o que for necessário para que não haja descontinuidade nos planos e no planejamento aprovados.
São países nos quais já se pratica, inclusive, a “sincromodalidade” (1), que nada mais é do que o gerenciamento das atividades logísticas, dos serviços de transportes e de todos os outros a eles relacionados, além de integrado, totalmente sincronizado, cujos resultados imediatos são a otimização de recursos, a diminuição dos tempos operacionais e menores custos. Esta ‘sincronia’, como já dito, inclui todas as políticas e programas de investimento e de financiamento, públicos ou privados, destinados a esse mister. Como não poderia deixar de ser, também fazem parte desse movimento de inovação as universidades, as empresas, as associações, os institutos de pesquisa e os organismos que se dedicam ao desenvolvimento e à prática da logística e do supply chain. Convergindo objetivos, tudo se faz no momento e no tempo certos.
Há uma clara compreensão, portanto, que só uma logística eficaz, e sem “reducionismo conceitual”, como bem disse Frederico Bussinger (2), permitirá um país, qualquer que seja ele, alcançar níveis maiores e sustentáveis de desenvolvimento econômico. Não é por outro motivo, por exemplo, que a própria Organização das Nações Unidas (ONU), no programa “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, estabeleceu metas específicas, notadamente para os países menos desenvolvidos e mais pobres, para que se invista em infraestrutura geral e, em particular, infraestrutura logística, seja na expansão, na modernização ou no desenvolvimento tecnológico específico. E sempre com exigências claras de proteção ao meio ambiente.
Como é do conhecimento de todos, aliados aos baixos índices de crescimento da economia, a ainda precária infraestrutura logística brasileira (com toda sua complexidade tributária e institucional), a insegurança política atual e a matriz de transportes preponderantemente rodoviária, tem mantido as atividades logísticas – e ainda as manterá por um bom tempo – com índices de desempenho muito baixos. A consequência inevitável, de se ter fluxos operacionais logísticos ineficientes e pouco integrados é a de que o Brasil tem custos logísticos acima do que aqueles praticados nos países mais desenvolvidos, dificultando ainda mais a competitividade dos produtos nacionais.
Mas se o diagnóstico com relação à precariedade da infraestrutura logística é por demais conhecido, a realidade também nos mostra que o Brasil ainda não utiliza, de forma satisfatória, as melhores práticas logísticas.
Não se limitando somente à carência da infraestrutura, à falta de regulação e de planejamento ou ao pouco ‘interesse’ de nossos governos com relação ao tema (3), o problema logístico brasileiro vai além, como bem indicam os próprios índices de desempenho da logística, publicados pelo Banco Mundial (LPI – Índice de Performance Logística). Ao alcançar a 56ª posição geral dentre 160 países analisados e obter nota média de 2,99 (num total de 5), segundo o LPI de 2018, no quesito “competência e qualidade dos serviços logísticos” o Brasil apenas obteve a média 3,09, isto é, classificação “regular”.
Corroborando com essa posição “regular”, o Instituto de Logística (Ilos), ao realizar em 2017, estudo comparativo sobre utilização de melhores práticas logísticas (escala de 1 a 100), apurou que o desenvolvimento das atividades logísticas entre as grandes indústrias brasileiras equivale à nota 65. Transporte, com 55 e TI, com 49, foram as piores notas. Em mais de 100 empresas analisadas, apenas 15 delas puderam ser classificadas como “empresas de referência”, cuja maior nota foi 92 (nenhuma delas alcançou 100), enquanto as demais foram classificadas como “a desenvolver” ou “em desenvolvimento”. As maiores diferenças, entre o índice alcançado pelas empresas consideradas como “referências” (nota 92) e a média obtida no mercado, foram TI (‘gap’ de 36 pontos) e Armazenagem (‘gap’ de 25 pontos),
Nesse estudo, que também tratou de avaliar o grau de avanço tecnológico em nossas atividades de logística e supply chain (“Sofisticação da Logística Brasileira” – Ilos 2017), as respostas dadas por 102 empresários de 18 segmentos econômicos diferentes, mostraram que ainda estamos distantes do que se pratica em países mais avançados. No questionário feito, 72% dos entrevistados responderam que não havia qualquer perspectiva de se utilizar robôs em seus armazéns; 64% em utilizar trans- elevadores; 56% em utilizar roteirização dinâmica e em tempo real; e 53% na utilização de instrumentos que deem visibilidade de disponibilidade de estoque para seus clientes. E quando a pergunta era para que respondessem o que não praticavam, 83% responderam “utilização de ‘drone’ em algum processo logístico”; 56% em “utilização de Internet das Coisas” nas operações logísticas; 51% em “aplicativo para contratação de fretes”; e 50% na utilização de “RFID na logística”. A logística e o supply chain, no Brasil ainda têm muito que avançar.
Não há que se estranhar, portanto, quando estudos e pesquisas, as mais diversas possíveis, comprovam um cenário logístico extremamente aquém e insuficiente, para um País que quer ter maior inserção no comércio mundial e almeja alcançar melhores índices de crescimento e o desenvolvimento econômicos. Não há qualquer dúvida que a confusão funcional dos diversos órgãos que discutem e “planejam” a logística no país, a desconexão das políticas públicas em suas diversas esferas e destas com as demais áreas envolvidas, a politização dos cargos nas agências reguladoras (4), nos ministérios e nos departamentos técnicos especializados no assunto, as indefinições com respeito aos marcos legais e regulatórios, a fragmentação dos núcleos de gerenciamento e a falta de políticas claras de investimentos, de participação do setor privado e das garantias correspondentes, como já salientado, são problemas reais e que dificultam a obtenção de maior eficácia na logística.
Mas se por um lado é desejável que o governo, principalmente agora com o recém-criado Ministério da Infraestrutura, desempenhe papel inovador e adaptado à nova realidade (5), torna-se imprescindível que o setor privado – obrigatório, sem dúvida - participe desse esforço nacional, investindo e aperfeiçoando, cada vez mais os conhecimentos logísticos e de supply chain.
Levando em conta algumas das tendências mundiais dos próximos anos, tais como aumentos nas demandas por energia, alimentos e infraestruturas social e de transportes, impactos causados pelo avanço da tecnologia nos processos produtivos, na vida e no comportamento do cidadão, processos produtivos mais avançados (Indústria 4.0, por exemplo), maior urbanização (mais ‘gente’ e maiores dificuldades de mobilidade), necessidade de se buscar maior equilíbrio ambiental e maiores exigências por segurança, é fundamental que os setores público e privado se engajem em uma frente de trabalho que dê, às atividades logísticas brasileiras, competitividade bem maior do que a atual.
(1) Veja mais no artigo “Sincromodalidade: conceito e prática no Euro Delta”, escrito pelo presidente da ABOL (Associação Brasileira de Operadores Logísticos), Sr. Cesar Meirelles, e por mim, cuja publicação ocorreu no site do Guia do TRC, em 28.04.2017.
(2) No artigo “Uma agenda mínima para o Brasil, a Logística e Os Operadores Logísticos”, publicada aqui mesmo neste site, dia 14/05/2019, comentei sobre ‘cultura logística’ ou, nas palavras de Fred Bussinger, ‘reducionismo conceitual’.
(3) Ainda recentemente (Editorial do Estadão de 05.07.19 “O preço da paralisação”) foi publicado que o TCU estima em cerca de 14 mil, num universo de 38 mil, portanto mais de um terço, os contratos de obras públicas parados, com inquestionável recursos, num País totalmente carente de dinheiro. Ainda, conforme o editorial, “o problema de boa parte das obras começa antes mesmo de seu início, na deficiência dos projetos, devido a prazos curtos de elaboração e falta de estudos e amadurecimento, resultando em atrasos e majoração dos custos”. E mais, “ante essa ineficiência endêmica, ao invés de racionalizar os procedimentos com critérios mais rigorosos, o poder público, segundo o TCU, tende a iniciar um número excessivo de empreendimentos, na expectativa de que uma parcela seja realizada. O resultado é mais ineficiência, desperdício e sobrecarga administrativa.
(4) Elena Landau, economista e advogada, escrevendo para o Estadão (“MP 579, nunca mais”), no último dia 5, foi precisa: “As agências são autarquias com autonomia técnica, operacional e decisória. Suas decisões devem preservar os compromissos definidos nos contratos de concessão, assinados por ocasião da privatização. Não devem atuar nem como órgão de defesa do consumidor, nem como implementador de interesses do governo, devendo evitar a sua captura pelas empresas reguladas. E segue adiante: “O mundo político nunca se conformou com a ideia de autonomia. Hoje, as agências sofrem críticas até de libertários, que enxergam a regulação como uma forma de intervenção do Estado. Esquecem que até mesmo o austríaco Hayek defende a necessidade de arcabouços legais em casos de falhas de mercado. A expectativa é que a lei aumente a transparência das decisões e aprimore o planejamento das atividades. Tudo isso deverá reduzir a insegurança jurídica no setor de infraestrutura”.
(5) “Quando a Administração consegue ponderar adequadamente esses fatores – fiscalização alinhada com boa gestão; capacitação e aperfeiçoamento do quadro técnico; precaução em se fazer projetos mais precisos, coerentes com as expectativas da comunidade e sem grande lapso temporal entre projeto e obra; recursos assegurados em tempo regular –, o risco de se ter uma obra paralisada é mitigado.” Em vista disso, o TCU recomenda a catalogação das boas práticas, campanhas de conscientização e premiações às obras que se destacarem na superação dos parâmetros estabelecidos (“O preço da paralisação”, editorial do Estadão de 05/07/19).