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Uma agenda mínima para o Brasil, a logística e os operadores logísticos

Por Paulo Roberto Guedes em 21 de maio de 2019 às 12h33
Paulo Roberto Guedes

Ao participar como representante da Associação Brasileira dos Operadores Logísticos (Abol) no fórum “Políticas logísticas para uma agenda mínima de Estado”, realizado recentemente pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-Log) da Universidade de São Paulo (USP) no campus universitário de Piracicaba, eu fiz alguns comentários sobre o “status quo” da logística brasileira e, cumprindo uma das solicitações da organização, listei algumas das principais medidas que precisariam ser adotadas caso se queira definir políticas de médio e longo prazos que aumentem a eficiência e diminuam os custos de movimentação de mercadorias e pessoas no Brasil.

É evidente que ao descrever, mesmo que sucintamente, os principais entraves para que o país tenha uma logística com qualidade e custos comparáveis aos países mais desenvolvidos, e portanto mais competitivo, fui obrigado a citar a carente estrutura disponível, incluindo-se, inevitavelmente, a infraestrutura de transportes. Imediata e consequentemente, críticas aos diversos governos que “deixaram” a logística de lado e a trataram com incompetência e “descaso”, sem planejamento e os investimentos mínimos necessários (mesmo os de manutenção), também precisaram ser mencionadas.

A falta de planejamento (totalmente fragmentado), de uma visão mais integrada (descoordenação das políticas públicas voltadas ao setor e pouca ou quase nenhuma consideração às projeções e perspectivas dos demais setores produtivos), o excesso de burocracia, a ingerência dos diversos órgãos que tratam do mesmo assunto (muitos deles totalmente politizados), os baixos índices de investimento (público e privado), a falta de priorização e a baixa qualidade dos poucos investimentos realizados, a falta de legislações gerais adequadas e a carência de políticas e marcos regulatórios específicos, tais como de segurança nas estradas, de utilização de outros modais de transporte, em especial o aquaviário (prioridade para a energia ou para o transporte?), de eficiência energética, de arcabouço legal à figura do operador logístico e da multimodalidade e, sem dúvida, a corrupção, foram alguns dos exemplos citados para ilustrar esse “descaso”.

Conclui, em seguida, que diante dessas circunstâncias os resultados não poderiam ser outros: altos custos operacionais (e sempre com tendências de alta), desestímulo à participação do setor privado, manutenção de matriz de transportes preponderantemente rodoviária, monopólios regionais verticais, notadamente no transporte ferroviário, carência de mão de obra especializada, baixa produtividade e serviços de qualidade discutível.

Reconhecer de forma realística (sem “meios termos”) os diversos problemas que o Brasil tem nesse setor é fundamental, caso se queira buscar melhorias. E mesmo considerando a ‘bem-vinda’ e crescente participação do setor privado – notadamente agora que todos estão a favor do liberalismo econômico (1), a participação do setor público é essencial (2).

Mais recentemente, em outro fórum de debates, agora realizado pelo Departamento de Infraestrutura da FIESP, o consultor Frederico Bussinger (3), um dos grandes estudiosos brasileiros do setor, fez críticas contundentes com relação à situação da logística brasileira e citou um termo, criado por ele, com o qual tenho total concordância: “reducionismo conceitual”, isto é, não entender que a logística é muito mais ampla e abrangente do que simplesmente a elaboração de planos viários. E, entre outras citações, finalizou: “logística é um meio e não um fim em si mesma”.

De uma outra forma, eu também tenho chamado a atenção para isso ao comentar, já há algum tempo, que a maioria dos profissionais do setor apenas busca, na logística, instrumento para diminuição de seus custos operacionais, e nunca um meio para alavancar negócios e desenvolver empresas e países. A logística tem importância estratégica e é instrumento essencial para que empresas, economia e sociedade alcancem níveis de desenvolvimento sustentável. Particularmente esse erro de entendimento – uma certa miopia -  eu chamo de falta de “cultura logística” (4). Ou, simplesmente, falta de conhecimento.

Portanto a logística, mesmo que às vezes não percebido por muitos, exerce papeis fundamentalmente estratégicos, na medida em que: a) possibilita o país aumentar sua capacidade de produção e sua produtividade, b) realiza, de forma eficiente e eficaz, as atividades de comércio exterior, c) contribui, para a melhoria dos processos de distribuição de renda e de diminuição da desigualdade, posto que serviços e produtos precisam chegar às populações mais carentes e aos lugares mais distantes e difíceis, e d) colabora para que as empresas, aumentem e melhorem sua força de marketing (produto certo, no lugar certo, na quantidade, momento e preços certos), explorem novos mercados, diferenciem seus produtos e integrem eficientemente suas atividades de supply chain.

Governantes, executivos e empresários ‘começam a compreender’, portanto, que investir tempo e recursos para aumentar a eficiência das atividades logísticas propicia, além da óbvia diminuição dos custos operacionais, imediata e automática melhoria na vida das pessoas, no aumento da produtividade, no aumento de vendas e na satisfação de consumidores e clientes. Sem dúvida, características que devem compor planos governamentais, de negócios e de estratégia empresarial.

Artigo escrito pelo economista Raul Velloso (Estadão de 09.05.2019), ao comentar a significativa queda dos investimentos em infraestrutura (de transportes, água e saneamento básico, telecomunicação e eletricidade), relembrou uma “máxima” sempre defendida pelo ex-ministro do Planejamento, João Paulo dos Reis Velloso, de que “Investir muito era o elemento-chave da estratégia de desenvolvimento e que, graças a esse pensamento – que durou cerca de 12 anos – “o estoque de infraestrutura do país cresceu em linha com a média mundial, tendo alcançado a marca de 58% do PIB no início dos anos 80, tendo partido de 40% em 1970, e vinha caminhando na direção da marca que passou a representar, segundo especialistas, o estoque ideal ou de referência (70%)”.

Lamentavelmente, como já salientado em outros artigos, e como demonstram os estudos elaborados por Cláudio Frischtak e João Mourão (5), também citados por Raul Velloso, os investimentos só declinaram neste século, fazendo com que nosso estoque de infraestrutura chegasse, agora em 2017, ao equivalente a 35,9% do PIB. Em 2016 era de 36,2% do PIB em 2016.

Especificamente na infraestrutura de transportes (rodoviário, ferroviário, mobilidade urbana, aeroportos, portos e hidrovias), os investimentos conjuntos dos setores público e privado, que já representaram 2,36% do PIB brasileiro na década de setenta, entre 2011 e 2016 alcançaram somente 0,85% do PIB, em 2017, cerca de 0,59% e agora em 2018, 0,61%. Como são precisos, segundo cálculos de Frischtak e Mourão, no mínimo 2% do PIB, caso se queira uma infraestrutura de transportes compatível com as reais necessidades da economia e da população brasileira, o esforço adicional, dado o esgotamento fiscal do Estado, “será necessariamente do setor privado” (6). Mas, vale sempre ressaltar, com o protagonismo do Estado.

E Raul Velloso acerta ao dizer que “não é por outro motivo que, intimamente ligado à infraestrutura, o crescimento da produtividade média da mão de obra brasileira caiu da média de 3,6% ao ano em 1951-1980 para 0,2% em 1981-2017, levando à queda da taxa média de crescimento do PIB per capita, de 3,9% para 0,7%, entre esses mesmos subperíodos”.

Conclui-se, como consequência e principalmente diante das atuais circunstâncias brasileiras, que a logística é uma das mais essenciais atividades para ajudar o Brasil a sair da crise. E se considerarmos também a retomada de investimentos para expansão, modernização e melhoria da infraestrutura de transportes e movimentação, estar-se-á contribuindo decisivamente também para a eliminação de gastos desnecessários, diminuição dos custos atuais, menos desperdícios e geração de empregos e renda.

Daí a crença para que faça parte das agendas dos atuais governantes e empresários brasileiros, a utilização da logística para viabilizar a produção e a distribuição de bens econômicos e serviços de forma eficaz. E não só para atender aqueles que estão chegando, mas também, para melhorar o nível e a qualidade de vida de todos que aqui já estão. Considerando, como comprovam diversas pesquisas, que o Brasil se encontra razoavelmente distante das economias mais desenvolvidas, quando se comparam índices de competitividade e de desempenho logístico (7), é chegado o momento de dar, a esse assunto, total prioridade.

E será necessário, em especial os operadores logísticos, dar a essas atividades, importância compatível, capacitando seus profissionais, utilizando melhor a tecnologia (“aproveitar”, com rapidez e amplitude, os benefícios gerados pelos avanços tecnológicos, agora muito mais disponíveis a todos e em constante evolução), promovendo a inovação e buscando entender as exigências de seus clientes e suas redes de abastecimento e distribuição (8). Vale aqui uma observação: embora ainda não esteja muito claro, são evidentes os impactos que as novas tecnologias gerarão para a sociedade e para as empresas, o mesmo valendo para os impactos gerados em função do aumento de riscos correspondentes. Estes, cada vez mais imprevisíveis, precisarão contar com tecnologia e programas de gerenciamento mais avançados.

É fato que os prestadores de serviços logísticos, a partir do momento em que deixam de ter atuações meramente operacionais e passam a exercer funções eminentemente estratégicas, tem que desenvolver, junto aos seus clientes, relações muito mais próximas. Verdadeiras parcerias nas quais os sistemas de informações operacionais fiquem “quase” que totalmente à disposição de um e de outro, pois ter acesso às informações pertinentes, incluindo-se aquelas relativas as redes de fornecedores e distribuidores, é essencial para o gerenciamento eficaz e seguro de toda a cadeia de abastecimento e de distribuição.

Fazendo parte do rol de exigências e compromissos contratuais entre contratante e contratado, graus maiores de responsabilidade também passarão a ser exigidos do corpo de funcionários. Esses profissionais, notadamente dos operadores, além de maior conhecimento, maior capacitação e postura mais colaborativa e flexível, estarão lidando com um conjunto significativo, novo e muito mais abrangente de informações confidenciais relativas às atividades de seus clientes e suas respectivas cadeias de suprimentos e distribuição. Consequentemente “correrão novos riscos”. Os chamados ataques cibernéticos ou ciberataques, por exemplo, já são realidade em todo o mundo (9).

E se o uso intensivo de dados, a transparência, a precisão, a rapidez e a disponibilidade em tempo real das informações, sempre foram imprescindíveis para a realização de uma eficiente operação logística, a proteção desses dados e informações também passou a fazer parte da lista de atribuições do operador. Além de sistemas de informação que permitam a rápida tomada de decisões, os usuários dos serviços logísticos terceirizados também estão a exigir proteção de seus sistemas e de suas informações. Em resumo, a administração, o controle, a preservação e a proteção de sistemas de dados e informações, cada vez maiores e também mais complexos, se já não eram, agora serão de total responsabilidade do operador logístico.

Aos profissionais do setor caberá compreender esse conceito mais abrangente da logística, atualizarem-se com relação às novas tecnologias e entender melhor todos os riscos que envolvem as atividades logísticas, sejam eles oriundos dos fenômenos da natureza ou das circunstâncias políticas, sociais, econômicas e financeiras que rotineiramente se apresentam.

(1)   Escreveu o prêmio Nobel de Economia de 2001, Joseph E. Stiglitz, na revista The Economist, dia 03.05.19: “Após 40 anos de fundamentalismo de mercado, a América e alguns dos países europeus com estilos de governo semelhantes, tem falhado com a grande maioria de seus cidadãos. E, neste momento, apenas um novo contrato social – garantindo saúde, educação, aposentadoria, habitação e trabalho com salário decente – poderá salvar o capitalismo e a democracia liberal”. Continua Stiglitz: “aqueles que têm estudado os processos de distribuição de rendas já constataram que nos países mais avançados, a economia de mercado tem falhado com grandes parcelas da sociedade. E em nenhum lugar isto é mais verdadeiro do que nos Estados Unidos”. E finaliza Stiglitz: “Muitos países europeus procuraram imitar a América, particularmente o Reino Unido, agora estão sofrendo as consequências políticas e sociais semelhantes... Após a segunda guerra mundial, em muitos aspectos, outros países europeus superaram os EUA na criação de oportunidades para os seus cidadãos, através de uma variedade de condições, criando o estado de bem-estar moderno, como forma de fornecer a proteção social e perseguir importantes investimentos nas áreas onde o mercado por si só é insuficiente”.

(2)   Há um grande equívoco quando se acredita em um “mercado perfeito”. Esse pensamento, difundido junto à toda a sociedade, por economistas, empresários e jornalistas considerados “modernos”, é uma tentativa de colocar o Estado (e o governo do momento) como único responsável por tudo de ‘ruim’ que acontece. Não há dúvida, como demonstra a história mundial, que o ‘liberalismo puro’ é um erro, pois ele não consegue resolver todos os problemas da economia, muito menos da sociedade. O Estado precisa existir, limitado às suas funções essenciais, mas regulando e controlando as atividades econômicas e intervindo quando necessário, sempre com vistas ao desenvolvimento e à melhoria de vida de toda a população;

(3)   Frederico Bussinger, da Katalysis Consultoria, no debate promovido pela FIESP dia 30 pp: “O Planejamento da Infraestrutura de Logística e Transportes no Brasil”;

(4)   “Cultura Logística”, artigo publicado pela revista Mundo Logística (revista nº 37 de Nov/Dez de 2013) e mais tarde republicado – Outubro de 2015, na revista nº 12 do CIST (Clube Internacional de Seguro em Transporte) e no site do Guia do TRC.

O diretor da Transfolha, Alexandre Felix, também concorda com o caráter multifacetário e mais estratégico do operador logístico: “A evolução e o barateamento da tecnologia, bem como a natural maturidade do mercado de operadores logísticos, aumentaram o leque de serviços e soluções para os clientes, que transcendem os serviços básicos de armazenagem, transporte e distribuição”. E complementou: “Atualmente, existem exemplos de operadores logísticos atuando em todos os elos da cadeia de suprimento, partindo da fase de planejamento, controle e programação de fornecedores, desde a otimização de gestão dos estoques de insumos e matérias-primas, chegando a áreas que, no passado, eram inerentes às atividades fins dos clientes, como embalagem, controle de qualidade e montagem de kits (Revista Mundo Logística nº 67, Nov/Dez de 2018);

Pesquisa global realizada pela DHL Supply Chain, publicada no mês de novembro pp (“The logistics transport evolution: the road ahead”) indicaram que 83% das empresas pesquisadas estão dispostas a pagar mais pelos serviços comprados, desde que tragam maior valor agregado; 75% acreditam que investir tempo e recursos no transporte terrestre causará impacto positivo sobre as vendas da empresa; 71% consideram que o transporte terrestre é um componente estratégico de seus negócios;

(5)   Carta de Infraestrutura nº 1, Ano 5, publicada em 31.07.18 pela Inter.B Consultoria Internacional de Negócios. Segundo esses estudos, o Brasil, com um estoque de infraestrutura total, equivalente a 35,9% do PIB em 2017, precisaria investir, durante 20 anos seguidos, 4,15% do PIB, isto é, mais do que o dobro dos investimentos observados no período 2001 e 2016 para alcançar um estoque de infraestrutura equivalente a 60,4% do PIB, percentual calculado como necessário para se alcançar melhor bem estar da população e aumentar a competitividade da economia. Resumo do estudo: “estamos muito distantes de uma infraestrutura que poderia ser considerada como aceitável para o país”;

(6)   “Investir na infraestrutura brasileira é fundamental. Participação do setor privado é imprescindível”, foi o artigo publicado por mim no dia 17.08.2018 aqui mesmo na Tecnologística;

(7)   O Ranking Global de Competitividade divulgado no último Fórum Econômico Mundial, coloca o Brasil na 72ª posição dentre 140 países analisados. Considerando apenas os países que compõem o BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o país ocupa último lugar. A China, primeira colocada no BRICS, ocupa a 28ª posição no ranking geral.

(8)   Especificamente no caso do Brasil a pesquisa da DHL, citada anteriormente, revela duas outras informações: 67% das empresas acreditam que a tecnologia (BIGDATA, IA, etc.) – e sua potencialidade e capacidade de gerenciar um ambiente cada vez mais complexo do transporte terrestre – já é, atualmente, requisito padrão de qualquer operador logístico.

Soluções logísticas, hoje, viabilizam-se devido a alguns motivos importantes: a) ao maior acesso à tecnologia (seja pela simplificação ou o seu barateamento); b) à evolução do meio como um todo (segurança jurídica, maior robustez nas relações jurídicas) e, c) à maior flexibilização do Estado, nesse assunto” (Revista Mundo Logística nº 67, Nov/Dez de 2018);

No caso do Brasil, e como indicou a pesquisa DHL já citada, algumas características nacionais, tais como a falta de segurança, longas distâncias, país continental, com temperaturas e climas diferentes e insuficiente e inadequada infraestrutura de transportes, também contribuem para que se exija um outro conjunto de atribuições. Monitoramento e controle de temperaturas, programas de gerenciamento de riscos mais adequados, mais segurança e muito mais diferenciada, apólices de seguro adaptadas e planos operacionais emergenciais são alguns exemplos;

(9)   Estudos do Instituto Ponemon (empresa de Michigan, nos EUA, é especializada em realizar pesquisas sobre proteção de dados e tecnologias de informação emergentes), relativo às condições de segurança cibernética nas pequenas e médias empresas (“State of Cybersecurity in Small & Medium-Sized Businesses”), realizados em 2018, dão conta que 67% das pequenas e médias empresas já tiveram algum tipo de ataque cibernético, sendo que em 58% delas houve vazamento de dados. No Brasil, Pequenas e Médias Empresas representam quase 33% do PIB nacional. Vindo de fora ou mesmo de dentro da empresa, cada vez mais frequentes, de técnicas mais simples a técnicas mais sofisticadas, complexas ou ataques direcionados, a insegurança, de pequenas, médias ou grandes empresas é cada vez maior. Estudos da Crowd Research Partners (empresa norte-americana também especializada em pesquisas sobre segurança cibernética) indicam que 90% das empresas pesquisadas acreditam em ameaças e vulnerabilidade vindo de dentro da própria empresa.

Uma agenda mínima para o Brasil, a logística e os operadores logísticos

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