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Dez motivos para o transporte aquaviário no Brasil deslanchar nos próximos governos

Por João Ferreira Netto e Marcelo Dias Carvalho em 28 de novembro de 2018 às 15h07 (atualizado às 16h00)
João Ferreira Netto
Marcelo Dias Carvalho

“Navegar é preciso”. Quando, no início do século XX, o poeta português Fernando Pessoa escreveu um de seus mais famosos poemas, muito provavelmente ele não observava a navegação como uma opção de transporte importante ao desenvolvimento logístico e, consequentemente, para o crescimento das atividades industriais e da economia de um país.

Mas, certamente, se tal poema fosse escrito no Brasil atual, dificilmente haveria a dupla interpretação para o termo “preciso”, que pode remeter à precisão, acurácia e também pode criar uma ideia de necessidade, aquilo que torna algo “necessário”. Talvez seja essa última palavra a que melhor define a navegação e, por consequência, o transporte aquaviário no Brasil contemporâneo: trata-se de algo necessário.

A ideia do desenvolvimento sustentável do transporte aquaviário, marítimo ou hidroviário/fluvial no Brasil está relacionada a muitos aspectos importantes:

1. Oferece grande vantagem competitiva devido ao efeito da economia de escala, uma vez que se utiliza de veículos com maior capacidade de transporte quando comparados a trens e caminhões. Para exemplificar, um comboio hidroviário de soja pode transportar o equivalente ao que se transporta em aproximadamente 870 caminhões ou em pelo menos 2,25 composições ferroviárias com cem vagões.

Dados do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil. Outubro de 2017
Dados do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil. Outubro de 2017

Isso faz com que, para se transportar uma mesma demanda, seja realizada uma quantidade menor de viagens quando o modal escolhido é o aquaviário, levando a uma redução de custo unitário transportado;

2. Redução no consumo de combustível. Utiliza-se um terço da quantidade de combustíveis necessária para transportar 1 tonelada de carga por quilômetro por uma rodovia com os caminhões. Um comboio economizaria 810 mil litros de combustível transportando 1 t de carga a cada mil km rodados. O meio ambiente agradece pela menor emissão de poluentes;

3. O impacto do transporte aquaviário no dia a dia das pessoas é menor, uma vez que não causa congestionamentos, reduz os riscos de acidentes e do roubo de cargas;

4. As características geográficas do território brasileiro são favoráveis ao modal aquaviário. Trata-se de um país com grande extensão da faixa litorânea. São mais de 7 mil km banhados pelo Oceano Atlântico, de norte a sul, o que permitiria o uso em grande escala da navegação de cabotagem, o transporte aquaviário marítimo realizado na costa de um país ou a pequenas distâncias do continente.

A cabotagem é utilizada em larga escala, por exemplo, na Europa, onde a extensão do continente permite que esse tipo de navegação seja realizado para conectar diferentes países. Para alavancar o transporte marítimo de mercadorias próximo à costa, os europeus desenvolveram o projeto “Motorways of Seas”, cuja tradução livre seria “autoestradas dos mares”, um conjunto de estratégias e regulamentações que permitiu integrar não só as conexões marítimas, mas também as fluviais, e culminou em considerável aumento do uso da cabotagem no continente. Na figura a seguir observamos os eixos prioritários de transporte entre os países europeus.

Innovation and networks executive agency (European Comission)
Innovation and networks executive agency (European Comission)

5. Destaca-se a abundância de rios e bacias hidrográficas em todas as regiões do país. A disponibilidade de vias que poderiam se tornar navegáveis para movimentações de grandes volumes deveria ser muito mais aproveitada do que atualmente é, mas isso não depende somente das empresas e operadores logísticos. É necessário que o governo atue fortemente, seja na promoção de um ambiente que incentive os investimentos e o uso do modal hidroviário, seja no planejamento de melhorias de infraestrutura.

O apoio governamental é importante porque existem desafios no relevo em que estão inseridos os rios brasileiros. Boa parte deles é de rios de planalto com variações de profundidade ao longo de seu curso e presença de trechos com corredeiras. Se por um lado isso se constitui um obstáculo, por outro pode ser uma oportunidade para que cuidemos melhor de nossos rios e evitemos assoreamentos, aumento da poluição e redução da capacidade de aproveitamento para navegação, turismo ou pesca.

Bacias hidrográficas brasileiras
Bacias hidrográficas brasileiras
 
Rede hidroviária brasileira (Antaq)
Rede hidroviária brasileira (Antaq)

Conforme a tabela anterior, uma extensão aproximada de 42 mil km poderia ser utilizada para o transporte de carga no Brasil, o que representaria ganho de competitividade para empresas e grande melhoria da diversificação da malha logística para o Brasil.

6. O modal hidroviário requer menos investimentos em obras e infraestrutura do que os outros modais, uma vez que a via, no caso os rios, já existe e, portanto, os investimentos devem ser em adaptação, sinalização e terminais adequados. Em suma, as dragagens, derrocamentos e eclusas representariam a maior parcela dos investimentos a que governos estaduais e federais deveriam destinar recursos;

7. Menor dependência do modal rodoviário e menor tempo de espera em fiscalizações. Vale lembrar aqui a greve dos caminhoneiros ocorrida neste ano de 2018, que provocou transtornos para a economia nacional e para a população;

8. Transporte de grandes cargas sem a necessidade de desmontagem e interferência em horários de trânsitos em vias locais de cidades e estradas;

9. Menor custo de manutenção e maior vida útil do modal. Segundo dados da Associação Nacional de Transportes Aquáticos (Antaq), o custo de manutenção de uma hidrovia equivale a aproximadamente 10% do custo de manutenção de uma rodovia e a 3% do custo de uma ferrovia. Enquanto a vida útil dos equipamentos e veículos em uma rodovia é de dez anos, em uma hidrovia pode chegar a 50 anos;

10. Possibilidade de integração das bacias hidrográficas do Orenoco, do Amazonas e do Prata, favorecendo o comércio e a competitividade na América Latina.

Além da presença do governo, deve-se destacar também o papel que o mundo acadêmico tem de influenciar a cultura da mudança da matriz de transporte, seja por meio do incentivo a pesquisas que avaliem os gargalos do sistema aquaviário, seja através da disseminação das vantagens e ganhos obtidos quando se transfere uma carga das estradas para dentro das embarcações. Todos saem ganhando.

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