Introdução
A função básica da logística é disponibilizar os produtos comercializados em suas especificações, quantidades e locais corretos. Para isso ocorrer de forma eficiente e eficaz é necessário dispor de recursos e competências alinhados à complexidade do desafio que a função logística tem à sua frente. Não se pode exigir, por exemplo, entregas em qualquer lugar do país em menos de 24 horas a um preço acessível, mas com disponibilidade de estoque concentrada em apenas uma localidade. Nesse caso, certamente será necessário pulverizar os pontos de estocagem por toda a extensão do país.
Em situações desse tipo, surgem questionamentos a respeito da quantidade e do posicionamento geográfico dessas localidades que otimizaria a função logística da empresa. Diante disso, esse artigo tem por objetivo responder a esse tipo de questionamento sobre redes logísticas por meio de uma análise estratégica e tático-operacional do negócio.
Alinhamento estratégico
Uma rede logística é a estrutura de instalações físicas internas que uma empresa enxerga como ideal para atender a sua demanda. Todavia, esse conceito de estrutura ideal é extremamente subjetivo e depende da avaliação de diversos fatores estratégicos definidos internamente, além de outras variáveis mercadológicas. Uma empresa pode ter em sua proposta de valor a rapidez e a inovação como pilares fundamentais de seu negócio, como é o caso de indústrias do setor de tecnologia, por exemplo.
Nesse caso, uma rede ágil e capaz de lidar com eventuais contratempos na disponibilização de seus produtos é preferível, mesmo que inevitavelmente incorra em custos operacionais maiores. Por outro lado, empresas que possuem uma proposta de valor de alto volume e baixa margem de contribuição, com produtos de características mais funcionais e menos inovativas, não podem se dar a esse luxo. A ideia para esse tipo de empresa é ter uma estrutura de instalações logísticas com o fluxo mais enxuto possível, evitando ao máximo desperdícios, excessos e custos operacionais extras, mesmo que isso inevitavelmente incorra em uma perda de agilidade e em uma falta de flexibilidade para eventuais situações imprevistas.
Dessa forma, temos uma balança com dois extremos relativos aos objetivos estratégicos de uma rede logística (figura A). Em um extremo, uma estrutura ágil, possivelmente com diversas instalações, múltiplos fornecedores capacitados, estoque elevado e frequente utilização de transporte premium. No outro extremo, uma estrutura enxuta com menor número de instalações, menor quantidade de fornecedores qualificados, baixo nível de estoque e utilização massiva de transporte standard.
Apesar da segunda situação claramente obter vantagens em custo, ela é dificilmente aplicável a produtos de características inovativas, que exigem alta disponibilidade e rapidez de resposta à demanda, mas ao mesmo tempo conseguem ser vendidos carregando margens elevadas. Sob essa mesma ótica, a primeira situação claramente possui vantagens na facilidade de gestão, que, todavia, geram custos extras impossíveis para produtos de baixa margem e alto volume, como a grande maioria dos produtos das indústrias alimentícias, por exemplo.
Surge então a clássica situação de trade-off entre custos e nível de serviço, ou o quanto a empresa estaria disposta a gastar como forma de ter uma disponibilidade e rapidez de entrega maior para seus produtos. É importante ressaltar que esse tipo de decisão é estratégica, devendo ser tomada em conjunto pela alta cúpula da empresa, considerando inputs das áreas de Marketing, Finanças e Operações. Além disso, são decisões de longo prazo e difíceis de serem revertidas, devendo ser embasadas mais em dados históricos e projeções futuras concretas e menos em suposições.
Definindo a melhor rede logística
Com os objetivos estratégicos bem compreendidos, as definições de rede logística já possuem subsídios importantes para serem iniciadas. Todavia, uma série de outras variáveis tático-operacionais ainda necessitam ser mapeadas como forma de se obter uma resposta ótima para a localização e a quantidade ideal de instalações logísticas da empresa.
Primeiramente, é importante levar em consideração os benefícios e prejuízos de cada tipo de instalação (figura B). Uma unidade fabril, por exemplo, pode possuir benefícios fiscais de produção que incidem diretamente sobre seu preço de venda, sendo uma ótima opção para venda direta para clientes localizados em sua proximidade. Mas com o afastamento geográfico dos clientes, sobem os custos de transporte para distribuição, possivelmente não compensando os benefícios de produção. Nesses casos a abertura de um centro de distribuição pode surgir como uma opção, já que os custos de transporte se reduzem substancialmente com a consolidação dos produtos em um veículo de maior porte, mas por outro lado incluem-se custos operacionais do CD, tais como energia, aluguel, mão de obra e equipamentos, além de um aumento no nível geral de estoques.
Outra opção de menor custo operacional são os pontos de transbordo, que não possuem espaço para armazenagem de produtos, mas necessitam de uma frequência de recebimento possivelmente maior, o que acaba por aumentar os custos de transferência. Além disso, por não ser uma unidade concentradora de estoques, os pontos de transbordo permitem a manutenção de eventuais benefícios fiscais produtivos, todavia mantendo também os maiores prazos de entrega a partir da fábrica. É importante alinhar essas opções de instalações logísticas com os objetivos e especificidades da rede em questão.
Outra definição importante é o levantamento de locais potenciais para essas unidades. Usualmente esse levantamento prévio leva em consideração a densidade de demanda da empresa, já que a proximidade geográfica ao cliente possivelmente traz benefícios em custos de distribuição. Entretanto, esse levantamento também deve incluir outras variáveis importantes em termos de custos, como a proximidade de fornecedores e a presença de benefícios fiscais. Uma fábrica de laticínios certamente se beneficia em termos de custos de matéria-prima ao localizar sua fábrica próxima a uma bacia leiteira, ao mesmo tempo que uma empresa de tecnologia incorpora diversos benefícios de produção ao instalar sua unidade produtiva em uma zona com incentivos governamentais, por exemplo. Dessa forma, é necessário, em um primeiro momento, estudar todas as opções potenciais para avaliar qual delas melhor atende aos objetivos estratégicos em questão, sejam custos ou nível de serviço.
Uma etapa também de fundamental importância é o levantamento de custos. Toda e qualquer variação de custo deve ser considerada na análise da rede ideal, sendo ela de armazenagem, transferência, distribuição, produção, estoque ou fiscal. No entanto, a maior parte desses custos é desconhecida, já que se refere a novas localidades e/ou operações nunca antes realizadas. Nesse caso, é necessário utilizar valores-base reais de operações consolidadas e desenvolver uma metodologia para projeção desses valores desconhecidos. Projetar os custos de uma operação de transferência utilizando valores proporcionais à distância entre as instalações é uma aproximação válida, por exemplo.
Outras projeções devem levar em conta as especificidades da operação, como a captura de um benefício fiscal do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em determinada unidade federativa (UF), ou a variação do custo de matéria-prima em determinado município próximo ou distante dos principais fornecedores. Por fim, se faz necessário projetar todos os custos de todas as localizações potenciais de forma a tornar possível a comparação entre os cenários levantados.
Ao fim de todos os levantamentos, os cenários de decisão devem refletir os custos e o nível de serviço das opções potenciais levantadas previamente. Esse mapeamento deve quantificar clara e objetivamente os níveis de trade-off entre essas duas variáveis. É esperado que quanto maior o número de instalações da rede logística em questão, maior a agilidade e flexibilidade de seu atendimento ao cliente, mas também maiores os custos. A decisão de capturar um benefício fiscal ou estar fisicamente próximo a fornecedores tem impacto direto na redução de custos logísticos, mas possivelmente também aumenta prazos de entrega.
Por se tratar de decisões de longo prazo, não se pode deixar de avaliar também cenários de demanda futura, já que uma alteração geográfica na densidade de demanda pode alterar completamente os resultados da rede de atendimento ideal. Uma projeção de crescimento futuro da demanda no Nordeste, por exemplo, pode viabilizar a captura de um benefício fiscal de produção oferecido pelo governo local. Dessa forma, é importante realizar uma avaliação conjunta de cenários com a demanda atual e futura para evitar resultados subótimos no longo prazo ou altos custos de mudança incorridos posteriormente à tomada de decisão inicial.
Os resultados esperados nesse tipo de estudo dificilmente refletem apenas mudanças pontuais e simples de serem implementadas, portanto é importante estar preparado para altos investimentos e um longo cronograma de execução dessas modificações na rede logística em questão. A mudança de localização de uma unidade fabril, por exemplo, depende de intenso suporte da área de engenharia para a instalação das linhas de produção, além de forte atuação da área de Recursos Humanos no desligamento e na contratação de toda mão de obra operacional envolvida. Aberturas de CDs não são menos complexas, já que exigem todo um estudo de capacidade, layout ideal, quantidade de docas e mão de obra necessária. Ainda é papel do estudo de redes mapear os benefícios de cada alteração individualmente e recomendar a ordem ideal de implementação, dada a relação de ganhos sobre investimentos necessários.
Conclusões
O principal objetivo de qualquer estudo de rede é encontrar a quantidade e a localização ideais das instalações logísticas e produtivas de uma empresa de acordo com objetivos estratégicos previamente determinados. Essa estratégia consegue direcionar as decisões de rede para o ponto ideal na curva de trade-off entre custos e nível de serviço (figura C).
Do ponto de vista de resultados, a implantação de uma rede ideal pode reduzir os custos logísticos e de produção sem perdas de nível de serviço, ou por outro lado aumentar esse serviço ao cliente sem consequentes perdas em custo. Assim sendo, esse tipo de estudo, além de relevante do ponto de vista logístico, pode também ser uma importante iniciativa de marketing, já que sua implantação pode resultar em uma significativa vantagem competitiva em termos de agilidade de resposta ao cliente, principalmente em mercados dinâmicos como os de tecnologia e de moda.
De qualquer forma, independentemente de quais sejam os objetivos estratégicos da empresa, é sempre também importante o desenvolvimento de planos de contingência contra eventuais rupturas. A utilização de transporte aéreo para movimentações entre unidades, a utilização temporária de armazéns de terceiros e a produção a partir de parceiros pré-determinados são exemplos de alternativas a serem exploradas em casos de eventos inesperados que impossibilitem a disponibilidade dos produtos, já que a perda de vendas pode vir a ser catastrófica para a imagem e para as finanças da empresa.
Certo é que decisões de rede bem planejadas e executadas alinhadas a planos de contingência eficientes podem gerar vantagens competitivas significativas para empresas, independentes da complexidade do mercado em que elas atuam. O segredo está na qualidade e na robustez dos projetos de planejamento e na implementação dessas iniciativas.
Referências
FISHER, Marshall. What is the Right Supply Chain for Your Product. Harvard Business Review, 1997.
LEE, Hau. The Triple-A Supply Chain. Harvard Business Review, 2004.
WANKE, P. F.; CORREA, H. Supply Chain Management and Logistics Complexity: a Contingency Approach. International Journal of Logistics Economics and Globalisation, v. 4, p. 239, 2012.